Ômicron quer dizer letra “o” pequena. No alfabeto grego, ela equivale à letra latina “ó” (a título de curiosidade, Ômega ou “o grande” equivale ao “ô”). Apesar da ideia de algo minúsculo, a variante Ômicron do coronavírus, detectada na África do Sul na sexta-feira (26) não tem nada de pequeno nem de irrelevante. Ao contrário, pode causar dores de cabeça para os sistemas de saúde e os governos ao redor do mundo.

Há poucas certezas e muitas incógnitas. Dentre as certezas, os especialistas já descobriram que a Ômicron é uma cepa do vírus extremamente contagiosa. É capaz de se espalhar muito mais depressa do que as variantes anteriores. O que ainda não se sabe é sua letalidade e como responde às vacinas. Segundo a diretora do Instituto Questão de Ciência, a microbiologista Natália Pasternak, há uma possibilidade de que a Ômicron represente um risco menor do que as variantes Alfa, Gama e Delta. “Até agora, os pacientes que testaram positivo para a Ômicron ou são assintomáticos ou apresentam sintomas leves”, disse ela. Mesmo assim, ainda não é possível afirmar que os riscos são menores. “Será necessário fazer mais testes”, afirmou.

Se essas incógnitas são graves para os profissionais de saúde, são gravíssimas para os responsáveis pelas políticas econômicas. O ano de 2020 foi o da pandemia, 2021 foi o da vacina. Esperava-se que 2022 fosse o ano da volta à normalidade. Se uma nova cepa imune às vacinas e potencialmente letal entrar em circulação, o próximo ano será uma sequência piorada do filme exibido ao longo de 2020. Piorada porque a economia global está mais frágil, porque os sistemas de saúde estão mais esgarçados e, mais do que nunca, porque a pandemia aprofundou as diferenças entre ricos e pobres.

Até o fechamento desta reportagem, três infectados pela Ômicron haviam sido diagnosticados no Brasil: um casal de missionários brasileiros procedentes da África do Sul e um turista vindo da Etiópia. Por via das dúvidas, as autoridades brasileiras já começaram a tomar suas precauções. Na manhã da quinta-feira (2), a Prefeitura de São Paulo anunciou o cancelamento, pelo segundo ano consecutivo, do tradicional Réveillon na Avenida Paulista, um dos maiores do País. Assim como outros eventos populares, essa festa costuma atrair muitos turistas e movimentar o setor hoteleiro da cidade. A decisão está sendo estudada por pelo menos outras 15 capitais brasileiras, entre elas Florianópolis, Fortaleza, Porto Alegre, Recife e Salvador. E o governo paulista voltou atrás na decisão de desobrigar o uso de máscaras em locais abertos. “Decidimos adotar essa medida por prudência com o cenário epidemiológico no Estado”, disse o governador João Doria. “Todos os números demonstram que a pandemia está recuando em São Paulo, mas vamos optar pela precaução.”

PANDEMIA, DE NOVO, NÃO! Mercados reagiram com nervosismo às notícias de que a nova variante está se espalhando rapidamente em todo o mundo.

Medidas como essa se espalham pelo mundo. Na quarta-feira (1) o governo americano determinou que todos os viajantes internacionais que se destinam aos Estados Unidos terão de fazer um teste de Covid 24 horas antes do embarque. A expectativa era de o presidente Joseph Biden prolongar a obrigatoriedade do uso de máscaras em voos domésticos e internacionais, cujo fim estava agendado para o dia 18 de janeiro.

Do outro lado do Atlântico, as autoridades francesas de saúde esperam que já no fim de janeiro a Ômicron seja a cepa prevalente no país, com consequências ainda imprevisíveis. Na Alemanha, onde a população vacinada ainda está em 69% do total, o novo chanceler Olaf Scholz, que deve substituir Angela Merkel em janeiro, já estuda maneiras de restringir o acesso dos não vacinados a supermercados e farmácias, o que deverá representar mais um golpe para a economia europeia. E o Japão vai proibir a entrada de todos os estrangeiros como parte do plano para limitar a transmissão do coronavírus.

O mercado financeiro foi rápido ao precificar o impacto econômico da Ômicron. Expectativas de aumento dos juros no ano que vem, que indicariam uma normalização das relações econômicas, caíram pelo menos 10 pontos-base na sexta-feira (26) nos Estados Unidos, no Reino Unido e na Austrália. A razão é simples: no caso de uma nova onda de contaminações e mortes, governos e bancos centrais terão de combater a fraca demanda em vez de priorizar o controle da inflação.

MEDO DE LOCKDOWN O grande receio global não se limita à nova cepa, mas aos estragos que ela pode causar na já cambaleante economia mundial. O pior temor é da adoção de lockdowns. Eles ameaçariam as cadeias de suprimentos já sob pressão e prejudicariam a retomada do consumo, reacendendo os temores da combinação entre estagnação econômica e inflação elevada. “Mais um ano sem mobilidade nas fronteiras e de problemas associados à cadeia de suprimentos podem empurrar o mundo para um cenário de estagflação”, afirmou a economista-chefe do banco francês Natixis, Alicia Herrero.

Fabrice COFFRINI

“Globalmente temos uma mistura tóxica de baixa cobertura vacinal e muito pouca testagem, o que é uma receita para alimentar e amplificar variantes” Tedros Adhanom diretor-geral da OMS.

Nos cálculos do banco americano Goldman Sachs, uma onda de contaminações pelo coronavírus no primeiro trimestre de 2022 pode fazer o crescimento global desacelerar para 2% em relação ao mesmo período de 2021. Isso representaria uma queda de 2,5 pontos porcentuais abaixo da previsão atual. “Se essa nova variante gerar problemas mais graves e eventualmente medidas mais drásticas forem tomadas, como um lockdown, desta vez o Fed não irá alimentar o mercado com medidas de estímulos”, disse o analista da corretora Clear, Rafael Ribeiro. “Ao contrário, gera maior preocupação sobre um processo de desaceleração econômica previsto para o ano que vem.” A Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE) não perdeu tempo e já revisou para baixo as projeções para 2022. O novo prognóstico é de 4,5%, um décimo de ponto percentual menos que a estimativa anterior. No caso do Brasil, a estimativa para a alta do PIB (Produto Interno Bruto) em 2021 caiu de 5,2% para 5% e a de 2022 desabou de 2,3% para 1,4%, bem abaixo da média mundial.

As cotações já foram afetadas. Desde as notícias do surgimento da Ômicron, segundo a XP, as ações de companhias aéreas caíram quase 15%. As cotações do petróleo recuaram cerca de 11%. O medo de uma retomada de medidas de isolamento social vem provocando instabilidade no mercado de transportes. O Conselho Internacional de Aeroportos (Airport Council International) emitiu um comunicado, quase um apelo, para que os países não adotem medidas radicais nesse momento de recuperação. “Embora a saúde pública continue sendo a prioridade máxima, pedimos aos governos que trabalhem de forma coordenada para implementar medidas pragmáticas e ancoradas em riscos com base na ciência”, disse o diretor-geral da entidade sediada no Panamá, Luis Felipe de Oliveira. Segundo ele, todo o ecossistema da aviação precisa trabalhar em conjunto com os governos para garantir uma retomada segura do setor. “A proibição total de viagens e o fechamento de fronteiras não são uma solução sustentável, à medida que as variantes surgem.”

RISCO SISTÊMICO Bastante grave em si mesmo, o surgimento da Ômicron revela uma fragilidade estrutural da economia global. Segundo Natália, do Instituto Questão de Ciência, as diversas variantes novas que surgiram nos últimos meses só se desenvolveram junto a parcelas da população que não estavam vacinadas. Assim, a distribuição desigual de vacinas, em que há sobra de imunizantes nos países ricos e uma gritante escassez na África, facilita o trabalho dos vírus de desenvolver novas cepas, potencialmente mais perigosas e mortais. “Globalmente temos uma mistura tóxica de baixa cobertura vacinal e muito pouca testagem, o que é uma receita para alimentar e amplificar variantes”, disse o diretor-geral da OMS, Tedros Adhanom, na quarta-feira (1). “É por isso que pedimos a países que assegurem o acesso equitativo a vacinas, testes e tratamentos em todo o mundo.” Caso contrário, a incógnita da Ômicron pode se transformar na certeza de uma nova cepa potencialmente mortal em um futuro breve.