Por um momento, tente voltar ao tempo. Não muito longe: janeiro de 2020.  Até então, você já havia participado de conversas, seja no seu círculo social ou profissional, sobre a marca do imunizante que pretendia tomar contra qualquer doença? Provavelmente a resposta é “não”, exceto para aqueles que trabalham na área da saúde.

As marcas dessa categoria de produtos, outrora anônimas, contudo, invadiram nossos diálogos, sejam presenciais ou digitais, dada a relevância do impacto da pandemia em nossas vidas. Num encontro casual, o comentário “Já tomei a primeira dose!” vem seguido de uma rápida pergunta: “De qual vacina?”.

Em grupos de afinidades, passou a ser comum encontrar posts como —­­ “Qual vacina estão dando? Pfizer? Astra? CoronaVac?”. E, para perguntas como essas, uma enxurrada de comentários. Debates acalorados em defesa de uma ou outra marca, assim como contra a ideia de se ter alguma predileção num momento em que o importante é o maior número possível de pessoas vacinadas. “Eu louca para tomar vacina e as pessoas escolhendo”. Por outro lado, a simples pergunta de alguém que precisa tomar sua segunda dose — “Alguém sabe onde tomo Pfizer hoje?” –, pode se transformar num longo debate sobre luta de classes.

Quando imaginaríamos, nesse passado próximo, que veríamos tanta gente, em suas redes sociais, postando a sua passagem pelo posto do SUS e sua carteirinha com os detalhes de sua vacinação? Ou até celebridades sendo “lacradas” por se recusar tomar uma ou outra vacina?

Mas afinal, existe mesmo predileção? Fiz uma sondagem digital para esse artigo e, aparentemente, existe sim. Dos mais de 120 respondentes, 73% afirmaram ter uma marca preferida. E, destes, 66% preferem a americana Pfizer, escolha justificada por ser “a mais eficaz”.  A segunda vacina nomeada, Johnson & Johnson (ou Janssen), está ainda no âmbito dos desejos, já que nem chegou ao Brasil.  Com 21% da preferência, traz uma justificativa bem prática: “dose única”. A britânica AstraZeneca, que contou com 8% da preferência, por um lado, inspira “segurança na eficácia, por ser um método tradicional”, e por outro, assusta pelas “reações”, efeitos colaterais.  Já a chinesa CoronaVac teve apenas 1% da preferência, sendo muito criticada por uma alegada falta de eficácia.

Longe de ser uma pesquisa científica tratamos aqui apenas de percepções, do que pensam as pessoas sobre as vacinas que aí estão, numa leitura limitada, livre, sem representatividade demográfica, mas com o mérito de dar insights para um estudo mais amplo.

Simbolicamente, a Pfizer se apresenta como a mais forte e desejada marca da proteção à Covid-19. Esses são atributos que empresas, ao longo de sua história, se esforçam muito para alcançar. No nosso novo normal, esse processo foi favorecido, todavia, pelo contexto trágico da pandemia, no qual a narrativa científica e a categoria de produtos entraram na paisagem midiática e no cotidiano de todos, criando rituais de consumo e objetos de desejo em torno de algo que deveria ser um processo absolutamente pragmático. Todas opiniões tendem a ser exacerbadas e apaixonadas, passando ao largo da indústria, que foi um passageiro nesse processo.

Não há problema em preferir uma marca, mas não se pode adiar a vacinação pela indisponibilidade local da sua preferência. Poucos dias podem representar a contaminação de muitos. A vacinação é um esforço coletivo. Quem escolhe atrasa tudo e está individualmente contribuindo para tragédias familiares, sociais e econômicas.

Não podemos tratar a vacina como uma bolsa de luxo, motivo de ostentação de uns e outros. Devemos evitar promover uma vacina em detrimento a outra. Todas vacinas disponíveis são aprovadas pela Anvisa e pela OMS e, desta forma, boas e necessárias para conter uma das maiores crises já vividas pela humanidade. As equipes envolvidas nessas aprovações são tecnicamente habilitadas a realizar tais avaliações. Nós não. Melhor confiar nos cientistas do que nas redes sociais.