No artigo anterior, comentava sobre a problemática da humanização por aplicativo, sua insuficiência e o equívoco antropológico que subjaz muitas destas propostas programáticas. Indo além da crítica, torna-se necessário, entretanto, apontar quais caminhos alternativos podem levar a uma efetiva humanização no mundo corporativo, partindo da percepção de que ao lidar com pessoas trabalhamos com seres muito mais amplos e complexos que algoritmos, que podem ser operados e programados, como são os mecanismos de Inteligência Artificial.

Há pouco mais de vinte anos, vi-me diante do desafio de contribuir para a formação humanística dos futuros médicos da Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo (EPM-Unifesp). Já então se percebia que uma educação fundamentada numa abordagem científica, se, por um lado, estava formando médicos altamente competentes do ponto de vista técnico, por outro mostrava-se claramente deficitária em relação à preparação destes para o cuidado com seres que não apenas têm órgãos ou sistemas doentes, mas que padecem de suas enfermidades como seres humanos – ou seja, não apenas como seres biológicos, mas também sociais, psicológicos e espirituais.

Recorrer às Ciências Humanas me parecia então o caminho mais óbvio e natural – afinal, além de ser formado em História, não eram poucos os estudos já publicados sobre a importância deste campo de conhecimento como forma de ampliar a visão clínica dos profissionais da saúde.

Minhas experiências nesta senda, contudo, se não foram de todo inúteis, não deixaram de ser frustrantes, pois para uma geração fortemente marcada pela mística da tecnologia e focada nas últimas novidades da ciência, a proposição de temas históricos e culturais soavam como algo ultrapassado e desinteressante.

A experimentação de abordagens alternativas nas práticas de ensino, porém, abriram-me perspectivas insuspeitas. Começando pela leitura e discussão de textos clássicos da história da medicina – como o Juramento Hipocrático, por exemplo – fui aos poucos percebendo o poder mobilizador que as narrativas literárias possuem.

Instado pelos próprios alunos, que até então se mostravam apáticos, começamos a ler e a discutir obras clássicas da literatura universal, constatando como os temas essenciais da existência humana, como a dor, o sofrimento, a morte, o amor e a felicidade, emergiam nas discussões de forma natural, desencadeando impressões emocionantes e reflexões incrivelmente profundas.

Despertando primariamente nossos sentimentos, as narrativas literárias apresentam-se como um recurso poderosíssimo que, numa dinâmica formativa como é a do Laboratório de Leitura (metodologia desenvolvida por mim no contexto acima descrito), promove a verdadeira humanização, uma vez que acaba por mobilizar não apenas a dimensão cognitiva da experiência humana, mas sua totalidade, constituída de afeto, inteligência e vontade, como bem demonstrava Aristóteles. E assim, partindo de uma experiência acadêmica na área da saúde, descobri um recurso que em seguida comecei a aplicar com igual sucesso no mundo corporativo.