Com o cancelamento da reunião dos ministros da Economia e das Relações Exteriores do Mercosul, o futuro da Tarifa Externa Comum (TEC) – ponto de grande discussão e desentendimento no bloco – ficou pendente como instrumento vital para a continuidade do bloco. A aplicação uniforme das alíquotas de importação sobre produtos de outros países foi, desde o início, um pilar da união aduaneira como etapa importante da integração. Adotada em 1995, a TEC praticamente não sofreu revisões de lá para cá e os defensores da abertura comercial alegam que é chegada a hora de uma mudança. Advogam que o atual patamar da TEC – com alíquotas que vão de 14% a até 35% em produtos industrializados – é excessivamente alto, sinalizando um protecionismo não mais cabível no atual mundo globalizado. A TEC tem barrado seguidos avanços de negociações com parceiros de outros continentes e, principalmente, o Brasil anda incomodado com o seu grau de influência na hora de fechar entendimentos com países de fora do bloco. O ministro Paulo Guedes, no intuito de dar maior competitividade à economia brasileira, almeja reduzir a tarifa em 20% (sendo 10% já e outros 10% em dezembro). Seria uma deliberação unilateral, já que enfrenta resistências enormes, em especial da Argentina, que aceita uma diminuição bem menos significativa e concentrada em uma gama de quatro mil grupos de produtos, dentre os mais de 10 mil que o Mercosul comercializa. Em Brasília, a ordem é para ir adiante na meta traçada, seja qual for a reação dos vizinhos. A chegada a um consenso entre os dois maiores sócios do bloco parece difícil. A turma de Guedes não pode correr o risco de caminhar para o rompimento da união aduaneira. A hipótese de cada sócio escolher qual tarifa aplicar seria o primeiro passo para o fim do entendimento regional, deixando de existir a razão para uma zona de livre comércio. Especialistas temem que o Brasil esteja forçando essa alternativa, dando assim por enterrado um projeto que demorou décadas para se consolidar. O governo Bolsonaro parece mais interessado no prosseguimento de acordos fora do Mercosul e em uma abertura acelerada que não leva tanto em conta o papel dos parceiros regionais. No ministério de Guedes o movimento é classificado como uma espécie de “segundo grito do Ipiranga”. O mal estar segue no ar. Guedes defende o avanço da concorrência com os importados para modernizar o parque nacional. Diz que o Mercosul foi um atraso para o Brasil. No passado, o corte pretendido na TEC já foi de 50% e a equipe brasileira trouxe a meta para um nível mais factível como ultima chance de aceitação aos parceiros. A Argentina se ressente do fato de que esse voo solo brasileiro possa significar prejuízos nas vantagens comerciais que mantém com o parceiro. Há um componente ainda mais grave a embaraçar os entendimentos: o do viés ideológico que coloca autoridades brasileiras e argentinas em campos opostos. O momento econômico distinto entre ambos e a desproporção industrial histórica são fatores a contribuir para o fato de que a ruptura pode estar próxima. O Mercosul dá sinais de viver às vésperas de uma tempestade perfeita.

Carlos José Marques, diretor editorial