Se quer paz, prepare-se para a guerra”. A frase atribuída ao pensador romano Flávio Vegécio permanece desconhecida dos parlamentares brasileiros.
A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 10/20, chamada de Orçamento de Guerra, que segrega cerca de R$ 700 bilhões para ações de combate à Covid-19, segue indefinida no Senado. O presidente da Casa, Davi Alcolumbre (DEM-AP), marcou para a segunda-feira 13 a votação virtual da matéria, já aprovada na Câmara. Até a quarta-feira 8, porém, não havia sequer a indicação de um relator. “Um tema dessa gravidade, com urgência de uma guerra autêntica, já deveria ter sido articulado pelo governo com o Congresso”, diz o cientista político Cláudio Pereira, da Fundação Getúlio Vargas (FGV).

A demora se explica em parte pela série de pontos sensíveis do projeto. Ele estende o auxílio emergencial de R$ 600 por mês a mais categorias, amplia a cobertura do benefício assistencial a idosos e deficientes carentes (BPC) e cria um programa de ajuda a empresas na manutenção do emprego diferente do anunciado pelo governo.
Os senadores argumentam que o Congresso já aprovou o estado de calamidade, o que basta para atender às demandas provenientes do surto da Covid-19. “Já temos liberado o teto de gastos, a regra de ouro. Então, não haveria necessidade”, afirmou à DINHEIRO a senadora Simone Tebet (MDB-MS), presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Casa.

CHEQUE EM BRANCO A autorização para que o BC negocie títulos do Tesouro Nacional nos mercados secundários é outro ponto crítico. “A PEC embute um cheque em branco para salvar instituições financeiras e grandes empresas escolhidas pelo próprio BC”, diz o professor de economia da Unesp, Sérgio Mantovani. Ele entende que o ideal seria reverter a compra em perdão de dívidas ou redução de juros aplicados em débitos anteriores — o que poderia diminuir as dívidas de estados e municípios. Em meio às discórdias, o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, foi acionado pelo governo para entrar na articulação.

A PEC 10/20 cria um regime extraordinário, no qual o governo não precisará respeitar a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) nem a regra de ouro (leia o quadro). Além de toda essa incerteza sobre a PEC, mudar a Constituição via votação remota também tem sido questionado no Senado, que, na contramão da Câmara, se mostra mais cauteloso, mas talvez menos preparado para os tempos de guerra.