Enquanto o presidente Jair Bolsonaro tenta jogar nos governadores e prefeitos a responsabilidade pela recessão a ser enfrentada em decorrência da pandemia, o Poder Legislativo já deu sinais claros de que o socorro aos gestores públicos acontecerá por meio de recursos federais. A discórdia, no entanto, ficou por conta de como seriam repartidos os
R$ 60 bilhões destinados aos estados. Por um lado, a Câmara, sob a face do presidente Rodrigo Maia (DEM-RJ), queria uma divisão pautada na incidência de arrecadação de ICMS e o número de casos confirmados de Covid-19. No Senado, o presidente Davi Alcolumbre (DEM-AP) defendia usar de base o Fundo de Participação dos Estados (FPE), além da proporção de contágio. A medida da Câmara, que privilegiaria estados como o Rio de Janeiro, berço eleitoral de Maia, se chocou com a de Alcolumbre, que beneficia seu reduto político, o Amapá. Diante dessa queda de braço, o martelo final sobre o Projeto de Lei Complementar 39/2020 foi do Senado, que enviou o texto para sanção presidencial e tirou cerca de R$ 3 bilhões do socorro previsto para o Sudeste.

A briga de interesses começou no final de abril, quando a Câmara enviou ao Senado um texto que garantia recursos maiores para os estados da Região Sudeste, como Rio de Janeiro e São Paulo. No senado, o texto passou por grandes mudanças, entre elas a forma de calcular o repasse. “O texto da Câmara trouxe para o Senado a responsabilidade de tratar com equidade as diversas regiões do Brasil”, afirmou Alcolumbre à DINHEIRO. Ao mudar o texto, o projeto precisou ser enviado novamente à Câmara, onde, na terça-feira 5, os deputados reincluíram o cálculo por ICMS. Com essa alteração, o texto retornou ao Senado, que na quarta-feira 6 deu a cartada final e manteve a divisão pelo FPE. “Restabelecemos o texto e aprovamos com unanimidade dos senadores”, disse Alcolumbre, mencionando que as mudanças realizadas na Câmara refletiam a força das bancadas do Sul e do Sudeste.

DEDO DE GUEDES Além de garantir recursos adicionais para os estados que mais contribuem para o PIB, o texto da Câmara continha um dispositivo que poderia elevar o socorro a R$ 80 bilhões, dependendo da profundidade da crise. Esse gatilho foi retirado no Senado após aproximação do ministro da Economia, Paulo Guedes, com o senador Alcolumbre. “Não vou brigar com Davi, criar conflitos insuperáveis com o Senado. Nosso papel é criar soluções”, disse Maia.

Ao todo, o projeto aprovado terá um valor total de R$ 120 bilhões, e envolve também repasses para assistência social (R$ 5 bilhões), rolagem de dívida (R$ 49 bilhões) e valores específicos ao combate pandemia (R$ 5 bilhões)Mesmo com a derrota sobre a divisão dos recursos estaduais, a Câmara conseguiu uma vitória dentro da medida. No texto orquestrado por Guedes e

Alcolumbre uma das formas de garantir os recursos era diminuir o gasto público. Para isso seria necessário cancelar concursos públicos de setores não-essenciais e congelar aumento salarial de áreas que não envolvessem o combate à pandemia.
A mudança na Câmara, e ratificada no Senado, blindou outras categorias do congelamento, como os policias legislativos e professores. Como resultado dessas alterações, a economia de governos estaduais, municipais e federal será de R$ 43 bilhões, muito abaixo do previsto inicialmente. “Como vamos enfrentar os desafios depois da pandemia se deixarmos de lado o equilíbrio fiscal?”, questionou Alcolumbre.

A proposta inicial negociada com o presidente do Senado, que também foi relator do projeto, oferecia economia de R$ 130 bilhões em 18 meses – R$ 98 bilhões para Estados e municípios e R$ 32 bilhões para o governo federal. A conta final, no entanto, foi três vezes menor.

SÃO PAULO SAI PERDENDO Epicentro da Covid-19 no Brasil e estado com maior participação no PIB brasileiro, o Estado de São Paulo, com a decisão do Senado, receberá bem menos recursos do estados menores, como Roraima. Na prática, enquanto os paulistas terão R$ 279 por habitante, Roraima ficará com R$ 798 per capita. O Amapá receberá R$ 733 por cidadão, enquanto o Rio de Janeiro ficará com R$ 237.

Em São Paulo, a expectativa do governador João Doria é de que a queda na arrecadação com imposto chegue a R$ 10 bilhões entre abril maio e junho, ao passo que a despesa estadual mensal gira em torno de R$ 12 bilhões. Segundo o chefe do executivo estadual, o secretário da Fazenda, Henrique Meirelles, tem feito planos firmes de contenção de gastos, e já conseguiu enxugar o custo da máquina pública em R$ 2,3 bilhões. Agora, com menos recursos da União, o governador precisará planejar ainda melhor os gastos, para que, ao fim de junho, o estado consiga fechar com um déficit de R$ 2 bilhões, número considerado baixo para o tamanho do estrago que o vírus fará na economia paulista.