O Brasil virou cenário de uma guerra milionária entre as duas maiores empresas de cartão de crédito do mundo. Visa e Mastercard escolheram o País para o projeto mais ambicioso nesta área nas últimas décadas: a troca da tarja magnética pelo chip. Com a mudança, o plástico usado hoje apenas para crédito vai incorporar, entre outras coisas, débito, moedeiro eletrônico, identificação digital, vouchers e fidelidade. As duas bandeiras investem pesado na nova tecnologia. A Visa está colocando US$ 100 milhões em seu projeto de migração para o novo sistema. A Mastercard, entre US$ 75 milhões e US$ 90 milhões. Elas estão jogando alto e não é para menos. O Brasil já é o oitavo país do mundo em cartões de crédito. Diante da importância estratégica, sobram farpas entre os dois lados. ?O produto que eles têm hoje no mercado não é definitivo?, dispara Guto Almeida, diretor de tecnologia emergente da Mastercard. ?Eles estão três anos atrasados para chegar no nível em que estamos hoje?, alfineta Gastão Mattos, diretor de marketing da Visa.

O ponto de divergência entre as empresas é a tecnologia dos novos cartões. Em 1996, Visa, Mastercard e Europay (a representante da Mastercard na Europa) se uniram e criaram um padrão internacional para o chip de pagamento, chamado de EMV (sigla com as iniciais das três empresas). Apesar do acordo, até agora a migração para o chip EMV em grande escala foi inviável. ?O grande problema é o custo. Ninguém conseguiu achar a equação certa para resolver isso?, revela o diretor de um banco. Enquanto um cartão com tarja magnética custa R$ 0,40, o com chip sai por cerca de R$ 5,40. A Visa não cruzou os braços para a questão e partiu, aqui no Brasil, para uma solução própria. Nos últimos três anos, trocou todos os seus terminais por máquinas com leitores de chip (adaptadas ao padrão EMV) e desenvolveu um projeto piloto em Campinas, São Paulo, a partir de um padrão chamado easy entry. Numa primeira etapa a empresa trocou 250 mil tarjetas para essa tecnologia. Até o final do ano, espera espalhar 1,5 milhão destes plásticos híbridos (com chip e tarja magnética).

É aí, na decisão da Visa de dar o pontapé inicial a partir de um tecnologia diferente do EMV, que está o atrito com a Mastercard. ?Este é um padrão brasileiro, só adaptado à rede Visa Net, não dá para usar em outros lugares que têm o chip?, afirma o diretor de uma empresa fornecedora da Visa. Ou seja, na prática, se você for à França, que já está 100% adaptada ao chip, o Visa brasileiro vai funcionar por causa da tarja e não do chip. ?Nós somos pioneiros com um cartão multiaplicativo no padrão EMV?, reivindica Desmond Rowan, diretor-superintendente da Mastercard Brasil. A empresa vai iniciar seu processo de migração em setembro com o lançamento de 250 mil plásticos híbridos. Polêmicas regionais à parte, a direção mundial da Visa já determinou que a partir de janeiro do ano que vem todas as unidades emitidas pela empresa sejam EMV, ou seja, as soluções regionais existirão apenas até dezembro. No mercado brasileiro, isso deve representar um aumento no número de parceiros da Visa no projeto dos chips. Bancos como o ABN Amro Bank, por exemplo, estão optando pela Mastercard neste primeiro momento da migração, entre outros fatores, devido ao padrão escolhido. ?Na nossa decisão pesamos o fato de a solução da Visa ser provisória?, diz José Canuto, diretor de cartões do Banco Real.

Apesar dos ajustes da Visa, é inegável que a empresa saiu na frente na corrida pelo chip. A Mastercard tenta compensar o atraso com a solução global, mas ainda tem que correr. ?O problema não são os plásticos, e sim os terminais?, diz Mattos, da Visa. Quem vai se dar melhor na corrida ainda é uma incógnita. Mas o que se especula é que o chip padrão mundial permitirá que as bandeiras compartilhem terminais no mundo e se aproximem. Há até uma ação antitruste contra Visa e Mastercard nos Estados Unidos (onde elas têm 75% do mercado). Ou seja, esta guerra regional poderia ser, na verdade, um passo rumo a um futuro casamento.