Avenida Graça Aranha, 26, coração financeiro do Rio de Janeiro. Esse é o centro das grandes decisões da mineradora Vale. No 19º andar do prédio, sede da companhia, o presidente Roger Agnelli e seus principais diretores decidiram em reunião a portas fechadas, no início de outubro de 2006, fazer a mais ousada aquisição da história da empresa: comprar por US$ 18 bilhões a mineradora canadense Inco, principal produtora mundial de níquel.
 

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Unidade da Inco, no Canadá: a greve dos mineiros começou em julho de 2009
 

Sob a ótica dos negócios, foi um tiro certeiro. A Vale passou da quarta posição para a vice-liderança no ranking global dos produtores de minérios, atrás da anglo-australiana BHP Billiton. Tudo parecia perfeito. Mas não era.  Agnelli e seus executivos não imaginavam que menos de três anos depois, exatamente em 13 de julho de 2009, eles estariam reunidos no mesmo local para encontrar uma saída para a greve que se tornaria a mais longa e complexa da história da companhia.
 

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Roger Agnelli: segundo o presidente da Vale, a situação encontrada 
na Inco era insustentável e repleta de privilégios

Nesta terça-feira 13, a paralisação completaria um ano. O aniversário só não foi comemorado porque os trabalhadores aceitaram, às 22h da quinta-feira 8, com aprovação de 75% dos empregados, a proposta de extensão dos benefícios por mais cinco anos. No início da greve, em plena crise global, os 6,5 mil funcionários da unidade canadense paralisaram as operações exigindo manutenção da política de bônus (calculados pela cotação internacional do níquel, não pelos resultados), reajuste das pensões e assuntos relacionados à rotina no ambiente de trabalho.

“A situação da Inco era insustentável”, disse Agnelli, antes do acordo. Aparentemente, os trabalhadores sabiam que a realidade da Inco mudaria. Pouco a pouco, ao longo da paralisação, metade dos grevistas voltou ao trabalho. “Nós não vemos essa disputa apenas como uma negociação trabalhista. Vai além disso. Está em jogo a qualidade de vida dos funcionários e o futuro das comunidades locais”, disse em um comunicado Leo Gerard, presidente do United Steelworkers, o sindicato local.

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A mobilização, seja por bônus maiores, seja por qualidade de vida, tornou-se um nó trabalhista sem precedentes na Vale, que tem 20 mil funcionários no Exterior. No Canadá, a mineradora foi acusada até de xenofobia – segundo os trabalhadores, havia prática de assédio moral e desrespeito aos operários estrangeiros –, de ignorar as lesões causadas no trabalho e de tentar acabar com os benefícios conquistados pelos trabalhadores nos últimos anos. As denúncias contra a companhia chegaram a ser levadas ao governo canadense, que designou um grupo de especialistas para acompanhar as negociações, embora não tenha interferido diretamente nas negociações.

“A Vale passou a ser vista pela comunidade como uma estrangeira que queria levar os trabalhadores ao limite, e os trabalhadores começaram a ser tratados pelos diretores da empresa como oportunistas”, disse à DINHEIRO um funcionário grevista da Vale Inco, que pediu para não ter o nome divulgado. “Foram os momentos mais tensos que já vi dentro da empresa nos últimos 20 anos”, completou o funcionário, que teme perder alguns benefícios na aposentadoria.

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Assembleia: acordo fechado na quinta 8

No ápice dos conflitos entre a companhia brasileira e o poderoso sindicato United Steelworkers, o chefe das operações no Canadá, Tito Martins, divulgou nota em tom de desabafo dizendo que a paralisação escondia motivações políticas. “Estamos sendo confrontados por um sindicato que está usando seu poder para evitar lidar com as questões reais.

E está satisfeito por manter seus membros em greve por tanto tempo quanto puder”, declarou. A afirmação fazia sentido. O contrato de trabalho dos operários da Inco, antes mesmo da aquisição da Vale, que foi mantido pela companhia brasileira durante três anos, previa que os bônus pagos aos trabalhadores e os reajustes salariais teriam como base a cotação do níquel – como a unidade é a maior produtora global, a redução na oferta naturalmente elevaria o preço. O que não aconteceu. 

Nesse duelo, a crise global favoreceu, de certo modo, mais a Vale do que os trabalhadores. Como a demanda mundial despencou, os preços não subiram como teria apostado o sindicato, a greve evitou uma produção maior do que as vendas.  Além disso, a mineradora deixou de pagar salários aos grevistas, que passaram a receber uma espécie de ajuda de custo do sindicato. “A estratégia do sindicato foi ousada e não saiu como eles queriam.

No fim, tanto a Vale quanto os trabalhadores tiveram de ceder”, disse à DINHEIRO Gilles Durenton, economista da Universidade de Toronto, que acompanhou as negociações. “O episódio é um dos raros casos em que não há claramente um vencedor”, completou ele. Seja qual tenha sido o verdadeiro vencedor, a disputa entre Vale e seus trabalhadores canadenses escreveu um capítulo longo e memorável na história da mineração mundial.