Criadora de um banco digital cujo propósito é ajudar o pequeno empresário a ter sucesso no Brasil, a executiva que abandonou uma carreira de sucesso em grandes bancos para ter sua própria fintech acredita que é preciso incentivar uma mudança estrutural na economia: de um perfil de endividamento para o de poupador.

A economista Ingrid Barth, 34 anos, trabalhou em bancos como Santander e JPMorgan antes de decidir empreender. A motivação surgiu em 2016, quando obteve o primeiro lugar no Fórum de Empreendedorismo da Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo (FEA-USP). Sua ideia campeã era a de uma statup voltada para apoair pequenos e médios empresários. Nascia ali o Linker, fintech da qual Ingrid é cofundadora. Nesta entrevista a DINHEIRO ela afirma acreditar no potencial dos bancos digitais para incluir a maior parte dos desbancarizados e facilitar a vida dos pequenos empreendedores — os que recebem menos incentivos governamentais.

DINHEIRO ­— Depois da “guerra da maquininhas” de débito e crédito, estamos diante de uma “guerra de fintechs” no País?
INGRID BARTH – A guerra das fintechs já começou e teremos apenas um vencedor: o cliente, Ele ganhará serviços inovadores, taxas mais justas e uma experiência boa em serviços financeiros. O número de fintechs tem crescido exponencialmente e esse é um indicador muito positivo, na minha opinião. Significa que o nosso mercado financeiro se desenvolve de maneira saudável e segura, permitindo que cada vez mais iniciativas sejam criadas, amadureçam, criem boa concorrência e, consequentemente, inovação.

Você criou um banco digital voltado para apoiar startups. O que uma fintech pode fazer de diferente para apoiar esse segmento?
O Linker nasceu com a missão de ajudar o empreendedor brasileiro a ter sucesso. Desde o primeiro dia estamos aprendendo sobre nossos clientes e o mercado, entendendo as especificidades de cada perfil e suas necessidades, e desenvolvendo produtos personalizados — de verdade — para o segmento pessoa jurídica.

De que forma?
Desde de coisas simples, como conseguir agendar um pagamento, até desenvolvimentos mais complexos, como fazer o cadastro inicial do cliente em minutos. Tudo é pensado para facilitar a vida do empreendedor, que já encontra grandes desafios em sua jornada, e também para reduzir custos. Essa aproximação com nosso público é facilitada por sermos uma fintech, utilizarmos metodologias ágeis de identificação e validação dos problemas, possibilitarmos que nossas soluções sejam mais baratas e escaláveis, e buscarmos focar inteiramente em cada necessidade do consumidor. Nos apaixonamos pelos problemas dos nossos clientes e focamos 100% do nosso tempo em resolvê-los o melhor possível — além de sermos empreendedores também.

Os grandes bancos estão de olho em MEIs e pequenas empresas. Por que só agora esse nicho despertou interesse?
A primeira grande onda no mercado de fintechs de pagamentos e contas digitais aconteceu no segmento de pessoa física. É um mercado gigante no Brasil e, apesar dos excelentes avanços, há bastante espaço para crescimento, devido ao nível de desbancarização ainda ser elevado. Como podemos observar na Europa e nos EUA, depois do surgimento e amadurecimento junto aos clientes pessoas físicas vem o do segmento PJ. Devido às complexidades inerentes a esses perfis, exige um investimento alto de tempo e desenvolvimento para o cliente ser bem atendido. As fintechs ajudam os grandes bancos a entenderem que, por melhor e mais ampla que seja sua gama de produtos e serviços, existem ainda muitos nichos não atendidos, que podem ser capturados de maneira mais tecnológica e com custos reduzidos. Além disso, há um aumento expressivo do número de empreendedores no País, deixando esse segmento cada vez mais atrativo.

“Além da baixa concorrência bancária, a maneira como se analisa o crédito no Brasil é bastante antiga e ineficiente” (Crédito:Divulgação)

O Brasil desbancarizado passou a ser alvo não apenas de finctechs como também de grandes redes varejistas. Elas podem morder fatias de mercado dos bancos?
Há muitos anos as redes varejistas fazem um trabalho excepcional de relacionamento com o público desbancarizado, especialmente com as classes C, D e E. Esse público conhece, confia e já possui uma relação emocional com as redes varejistas, que abriram as portas para a aquisição de bens de consumo e ajudaram nos “sonhos” materiais dessas pessoas. Nada mais natural que essa relação seja “turbinada” com a oferta de produtos financeiros.

O que o cliente pode ganhar com essa competição?
Essa fatia de mercado é desbancarizada. As redes varejistas irão oferecer serviços financeiros a uma parcela não atendida, o que inevitavelmente gera benefícios. No Brasil, país de tamanho continental, existe mercado para todo mundo que tiver bom produto.

A baixa concorrência no setor bancário trava o desenvolvimento. As fintechs têm atuado para aumentar a competitividade e a saúde financeira do País?
Além da baixa concorrência, a maneira como se analisa o crédito no Brasil é bastante antiga e ineficiente. São criados níveis padronizados que ignoram comportamentos positivos do consumidor. As fintechs ajudam a aumentar o grau de competitividade principalmente porque nascem tecnológicas, com inteligência de dados, e agregam em seus processos de análises de crédito critérios muitas vezes não analisados nas instituições tradicionais. Isso por si só possibilita uma oferta de crédito mais justa para o tomador, que terá melhores taxas. Com as fintechs, o crédito pode finalmente ser olhado de maneira positiva, como meio de impulsionar a economia, e não o contrário.

De que forma a regulação do cheque especial (com juro de até 8% ao mês) e a queda da taxa cobrada pela Caixa (4,99%) podem estimular a tomada de crédito?
Não apenas essas medidas, mas todo o cenário de redução de juros pode ajudar na tomada de crédito. Quanto mais barato estiver, mais as pessoas serão estimuladas a consumir. Porém, além de medidas de incentivo ao consumo, o Brasil carece urgentemente de educação financeira, para que o crédito seja sempre utilizado de maneira consciente e não atrapalhe a economia familiar. É preciso incentivar uma mudança estrutural, de uma economia com perfil de endividamento para um perfil poupador.

Qual a sua opinião sobre os resultados da política econômica de Paulo Guedes até agora?
Está dentro das expectativas. Confio no seu trabalho, mas não podemos apenas considerar políticas econômicas internas quando o cenário externo iminente é tão complexo.

Pesquisas globais mostram que o Brasil está bem atrasado na transformação digital. Isso vale também para o setor bancário?
Não. O setor bancário brasileiro é bastante desenvolvido e seguro, fruto de cenários econômicos complexos que tivemos no passado, como a hiperinflação. O que ainda precisamos melhorar são os níveis de acesso a serviços e produtos financeiros, que ainda são baixos, e também diminuir a concentração bancária. Sobre esses pontos, o Banco Central está fazendo um trabalho bastante importante, através da criação de legislações que permitam a entrada de novas instituições com regras menos complexas que bancos comerciais, porém com uma oferta reduzida de serviços, permitindo a melhoria desse cenário e maior desenvolvimento econômico e social.

“É só uma questão de tempo para que tanto o regulador quanto o mercado comecem a se adaptar e adotar as criptomoedas” (Crédito:Divulgação)

Bancos digitais oferecem muitos serviços sem cobrar taxas. Esse modelo é sustentável no longo prazo?
Bancos e instituições financeiras ganham dinheiro de inúmeras formas, não apenas com tarifas bancárias. Os bancos digitais estão mais focados em trazer e fidelizar os clientes, para que novos produtos sejam criados e a rentabilidade aumente gradativamente, com consistência e de maneira sustentável.

Embora existam muitas fintechs no Brasil, muitas delas apenas fornecem soluções tecnológicas para os grandes bancos. Por que ainda há pouca concorrência entre os bancos digitais no País?
Temos sim um número considerável e crescente de fintechs no Brasil, mas é um movimento ainda muito novo. Por isso, é certo afirmar que ainda há bastante espaço para crescimento e desenvolvimento do nosso mercado. A concorrência existe, mas ainda há espaço para crescer e permitir ainda muita inovação no setor, principalmente considerando o tamanho do mercado brasileiro, que é enorme e ainda com muitas oportunidades.

As criptomoedas, uma das grandes revoluções do setor financeiro, ainda enfrentam dificuldades para se estabelecer na prática. Qual a sua visão sobre esses ativos?
Assim como toda revolução, a das criptomoedas levam tempo para se consolidar e seu conceito amadurecer para grande parte da população. Por ter um DNA altamente tecnológico, as criptos demandam um conhecimento técnico bastante específico, o que inicialmente assusta e impede muitas vezes uma adoção em massa imediata. Eu, entretanto, acredito nessa tendência e não tenho dúvidas que é só uma questão de tempo para que tanto o regulador quanto o mercado comecem a se adaptar e adotar as criptomoedas.

O Facebook (ou outra bigtech) ter uma moeda virtual própria é uma ameaça ao fluxo financeiro global?
É um alarmismo desnecessário acreditar que moedas virtuais de bigtechs ameacem o fluxo financeiro global. Eu sou mais positiva nesse aspecto. Tendo a crer que elas visam mais facilitar as transações comerciais dentro de determinados ambientes do que destruir o que quer que seja.

Por que tanto receio dos bancos centrais em relação à cripto Libra?
Esse receio se justifica pois um banco central tem como uma de suas principais funções cuidar das políticas econômicas de uma nação, levando sempre em consideração as características e necessidades do país em questão. Qualquer novo projeto que esbarre na circulação monetária ou tenha impacto econômico deve ser estudado com cautela, inclusive para não impactar socialmente o país. De maneira simples, a cautela é válida e necessária, até para validar se o projeto é sério e sustentável, mas não pode ser exacerbada. É preciso que a inovação aconteça e flua.