O mercado brasileiro de investimentos viveu, nos últimos dois meses, o que provavelmente não presenciou nos últimos cem anos. Para não perder espaço para as corretoras independentes, como XP Investimentos, Easynvest, Órama e ModalMais, que passaram a oferecer aplicações sem qualquer custo, os quatro grandes bancos do País (Itaú, Bradesco, Banco do Brasil e Santander) se viram forçados a também isentar de tarifas grande parte de seu portfólio para pequenos e médios investidores – já que o cliente de alta renda sempre foi, de forma geral, livre de custos. “Esse é um caminho sem volta no mercado financeiro e uma corrida sem precedentes no País”, afirma Gabriel Leal, sócio da XP Investimentos. “Ficamos muito felizes em ver essa concorrência se acirrar porque, no fim das contas, são os investidores que acabam sendo beneficiados.”

Rodrigo Puga, da Modalmais: “Esse movimento de isenção de custos é uma forma de atrair os investidores de poupança” (Crédito:Luis Ushirobira/Valor)

O tsunami de taxas zero hoje inunda as carteiras de praticamente todas as modalidades de investimentos: fundos de renda fixa e variável, contatos futuros, fundos cambiais e imobiliários, corretagem de ações negociações na Bolsa, Tesouro Direto e até planos de previdência privada VGBL e PGBL. “Os investidores brasileiros se deram conta que hoje conseguem, pelo mesmo valor aplicado nos grandes bancos, uma rentabilidade muito maior”, diz Rodrigo Puga, CEO da ModalMais, plataforma de investidores pessoa física que aplicam em Bolsa. “Esse movimento de isenção de custos é uma forma de atrair os investidores de poupança para o Tesouro Direto, por exemplo, sem penalizá-los na entrada com taxas e tarifas”, afirma o executivo, que já enxerga no horizonte o lançamento de seu banco digital, ao ter uma operação mais robusta com a chegada de novos clientes. Para as corretoras, a estratégia deu resultados. Desde maio, os grandes bancos captaram menos dinheiro que os demais concorrentes na segmento de previdência, um fenômeno raro no País (confira gráfico ao final da reportagem).

O primeiro gigante a contra-atacar à febre da taxa zero, mesmo que de forma tímida, foi o Bradesco, em junho do ano passado. Na modalidade Tesouro Direto, passou de 0,50% ao ano para zero. No mês passado, Itaú, Banco do Brasil e Santander também isentaram Tesouro, renda fixa e previdência. Segundo o diretor-executivo de investimentos do Santander, Gilberto Abreu, o movimento de isenção de taxas de carregamento nos planos de previdência privada, de custódia no Tesouro e de tarifas de algumas modalidades do banco não tem relação com o modelo de operação das corretoras. “Esse movimento é próprio nosso, porque fomos os primeiros a fazer a reforma da previdência privada no País”, disse Abreu. Até o fim deste ano, o Santander investirá em uma grande ação publicitária para atrair pequenos e médios investidores de outros bancos para suas opções de custo zero. “Em apenas um mês e meio de campanha, triplicamos nosso número de clientes em previdência”, garante o executivo, sem revelar números. Na modalidade de títulos públicos, o número de investidores se multiplicou por seis vezes.

No Banco do Brasil, houve uma “elevação considerável” depois que parte de seu menu de investimentos teve taxas reduzidas. De acordo com Luciane Effting, diretora de captação e investimentos do BB, o banco aboliu, em definitivo, os custos para custódia do Tesouro Direto, papéis de renda fixa e de carregamento nos planos de previdência PGBL e VGBL, tanto para aplicações quanto para resgates, como forma de se alinhar às novas características do mercado. “O Banco do Brasil avalia continuamente o cenário concorrencial para assegurar a competitividade de seus produtos”, afirma a executiva. “E está sempre atento para auxiliar o investidor a alcançar as melhores rentabilidades possíveis, considerando o seu perfil e os seus objetivos de investimento.”

O discurso positivo por parte dos grandes bancos esconde, segundo o economista Fábio Tavares, da Fundação Getulio Vargas (FGV), um receio legítimo de perda de receita. “O setor bancário tradicional, com muitas agências físicas e equipes de gerentes, ainda depende do faturamento com taxas de tarifas”, afirma. Pelos cálculos da Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima), aproximadamente 34% da receita dos bancos provém de tarifas, incluído transferências de DOC e TED. Para Cassiano Scarpelli, vice-presidente do Bradesco, os grandes bancos levam vantagem na disputa por possuir uma carteira muito maior de clientes. “O cliente não quer buscar casa nova para obter os mesmos benefícios”, afirma. “A zeragem total e irrestrita preocupa porque existem custos operacionais. Teremos de encontrar um ponto de equilíbrio.”