Bolsonaro usa a possível escassez de fertilizantes devido à guerra na Ucrânia para defender a mineração em áreas indígenas. Para especialistas, porém, lei promovida pelo presidente não resolveria crise dos fertilizantes.O presidente Jair Bolsonaro obteve uma vitória na Câmara dos Deputados na semana passada, quando se aprovou a urgência para a votação do projeto de lei que pretende liberar a mineração em terras indígenas. Na prática, a proposta poderá ser votada diretamente no plenário da Casa sem passar por comissões temáticas.

“A mineração em terras indígenas estava na plataforma de campanha do presidente Bolsonaro. Ele enviou o projeto e nós não votamos, e agora vamos votar”, lembrou Ricardo Barros, líder do governo na Câmara dos Deputados. Ele protocolou o requerimento para acelerar a tramitação do projeto, que deverá entrar na pauta em meados de abril.

Guerra na Ucrânia como pretexto

Bolsonaro citou a guerra na Ucrânia como pretexto para a tramitação urgente do projeto. A Rússia e seu aliado Belarus estão entre os maiores exportadores de potássio e fosfato que, por sua vez, estão entre os componentes mais importantes para a fabricação de fertilizantes.

A Rússia parou de exportar potássio no início de março. Desde meados do ano passado, os preços dos produtos à base de potássio no mercado mundial dobraram. O Brasil é o maior importador de fertilizantes do mundo, e seus maiores fornecedores são Rússia e Belarus.

Portanto, a escassez de potássio não é fruto da imaginação do presidente brasileiro e, em casos extremos, poderia limitar não apenas os lucros, mas também a produtividade da agricultura brasileira. E isso poderia não só colocar em risco a segurança alimentar dos brasileiros, mas também ter efeitos globais, já que o país é um dos maiores produtores de alimentos do mundo.

“Lei não vai resolver crise dos fertilizantes”

No entanto, os críticos veem a crise dos fertilizantes como pretexto. “Mudar a lei para explorar essas áreas é uma falsa solução que não vai resolver a crise dos fertilizantes, mas irá gerar enormes problemas socioambientais”, tuitou Raoni Rajão, professor do Departamento de Engenharia de Produção da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

Rajão e seu colega Bruno Manzolli concluem que apenas 11% das minas de potássio estão em territórios reivindicados por povos indígenas, mas ainda não demarcados. Dessa forma, nenhum dos depósitos está localizado em reservas já designadas.

A busca por novas minas também não é urgente, já que as reservas nacionais já conhecidas dessa matéria-prima poderiam, segundo os pesquisadores, cobrir as necessidades de potássio do Brasil para além do ano de 2100.

No entanto, pode levar alguns anos até que o Brasil possa produzir quantidades significativas. Por isso, a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) lançou uma campanha, em março, para ensinar os agricultores a usar fertilizantes de forma mais eficiente. As autoridades esperam que a iniciativa resulte numa diminuição de até 25% na necessidade de importação de fertilizantes até 2030.

Ameaças ao meio ambiente e povos indígenas

Embora a lei proposta pelo governo federal tenha pouco impacto na produção de fertilizantes no Brasil, as consequências para os povos indígenas e a Floresta Amazônica poderão ser devastadoras, especialmente na Amazônia, onde a principal atividade de mineração é de ouro e minério de ferro, afirmam os ambientalistas.

Os efeitos da mineração na floresta tropical são desastrosos, diz Larissa Rodrigues, da organização não governamental Instituto Escolhas. “Não são apenas o desmatamento e os produtos químicos usados na mineração – por exemplo, o mercúrio – que contaminam o solo e a água”, afirma.

Joênia Wapichana, a única parlamentar indígena no Congresso, teme que a subsistência seja destruída e que os povos indígenas que estão longe das cidades fiquem à mercê dos ataques muitas vezes mortais de gananciosos e aproveitadores sem escrúpulos. “O projeto de lei, que será votado em meados de abril, é o projeto de morte e destruição dos povos indígenas”, opinou.

Oponentes do projeto poderão acionar o STF

Em 9 de março, os deputados aprovaram o requerimento para a tramitação em regime de urgência do projeto de lei por 279 a 180 votos. No entanto, não é certo que a própria lei funcionará, diz Larissa Rodrigues, do Instituto Escolhas. “É difícil dizer o que vai acontecer, porque esse projeto de lei existe desde 2020 e nada aconteceu até Bolsonaro surgir com esse pretexto da guerra na Ucrânia.”

Se o projeto obtiver maioria na Câmara dos Deputados, o próximo passo será a votação no Senado. Se os senadores mudarem o texto, o projeto voltará então para os deputados.

Essas idas e vindas no Congresso custariam a Bolsonaro um tempo valioso, já que as eleições presidenciais estão marcadas para outubro. O resultado das votações desse projeto poderá até ajudar a determinar a reeleição de Bolsonaro, já que os setores do agronegócio e da mineração estão entre os maiores apoiadores do presidente.

Se o Congresso aprovar a lei, os oponentes poderiam tentar derrubá-la no Supremo Tribunal Federal (STF), já que os direitos dos povos indígenas sobre seus territórios estão consagrados na Constituição brasileira.