Durante mais de duas horas na noite da terça-feira (29) na cidade de Cleveland, dois senhores de idade gritaram e se ofenderam, tentando mostrar ao eleitor que eram a escolha mais óbvia para liderar a maior economia do mundo. O primeiro debate entre o presidente Donald Trump e o candidato democrata Joseph Biden, ambos postulantes à Presidência dos Estados Unidos, foi digno das mais folclóricas republiquetas bananeiras. Houve um pouco de tudo. Das interrupções de Trump, que cortou a fala de Biden 73 vezes, segundo cálculos da rede de televisão CBS, às reações agastadas do democrata. “Cala a boca, cara”, “racista” e “palhaço” foram alguns dos termos usados por Biden. O democrata chegou a sugerir a criação de um consórcio internacional de US$ 20 bilhões para conter o desmatamento e as queimadas na Amazônia, e a imposição de sanções ao Brasil caso o governo brasileiro falhe em interromper o processo.

Em termos políticos, nada muito diferente do esperado. Biden não conseguiu derrubar Trump, e o candidato à reeleição não conseguiu pressionar o democrata a repetir as barbeiragens das últimas semanas (ele às vezes se esquece do que estava dizendo no meio da frase). Como diria a crônica esportiva tradicional, ambos perderam por 0x0. No entanto, o que mais preocupou os especialistas foram as reiteradas acusações do presidente de que o processo eleitoral não é “confiável” e que ele pode contestar o resultado se for derrotado. A única certeza é que a campanha deverá agitar bastante os mercados até a data
do pleito, em 3 de novembro.

As pesquisas eleitorais mostram uma vantagem constante de Biden (observe o gráfico à esquerda). Isso, porém, não significa muita coisa, uma vez que a eleição é indireta: os eleitores elegem delegados, que votam no presidente. Isso derrotou Hillary Clinton em 2016, apesar de ela ter tido 3 milhões de votos a mais do que Trump. O republicano venceu em estados-chave, como Ohio e Flórida. Outra característica são os votos postais. O eleitor preenche a cédula, vai até uma caixa de correio e resolve o assunto. Os processos de votação e de contagem demoram um pouco mais, mas funcionam sem problemas. Como é possível votar antecipadamente em alguns estados, a eleição, na prática, já começou. Ao lançar acusações sobre o processo, porém, Trump vai obrigar a uma verificação muito mais demorada em caso de perda, com indefinição sobre o resultado.

PROPOSTAS DIFERENTES Os investidores se preocupam porque as propostas para os mercados são radicalmente diferentes. Trump e os republicanos são reverenciados por Wall Street, pois defendem pouca regulamentação para as atividades econômicas e impostos baixos para as corporações e para os americanos ricos. Já os democratas são vistos como favoráveis a controles mais rígidos para as empresas e para o sistema financeiro. Também são considerados propensos à extinção dos incentivos fiscais que foram generosamente ampliados por Trump ao longo dos quatro anos de seu governo.

Tudo isso, claro, é matizado e nuançado. Um democrata moderado como Biden é menos assustador do que seu colega Bernie Sanders, visto como muito mais radical. Mesmo assim, o dinheiro teme os democratas. Biden tem 77 anos e, se eleito, será o presidente mais velho a tomar posse. E sua vice é a senadora Kamala Harris, uma democrata considerada radical e temida como eventual sucessora de Biden. “Uma vitória democrata deve provocar um impacto fiscal tanto para pessoas físicas quanto para empresas, o que trará volatilidade”, disse o presidente da gestora de recursos Ladenburg Thalmann, Philip Blancato. Esperam-se emoções à frente.