No artigo deste mês não vou falar de literatura – pelo menos a princípio –, mas sim de cinema. É que há poucos dias tive a alegria de rever A Grande Beleza, de Paolo Sorrentino, filme ganhador do Oscar de melhor película estrangeira em 2014. Pagando tributo para a melhor tradição do cinema italiano, em especial a Federico Fellini, A Grande Beleza é um filme impactante, com uma fotografia primorosa e direção de arte magistral. Com uma narrativa construída desde o início a partir do paradoxo, Sorrentino nos mostra uma realidade dominada pela superficialidade em contraste com o profundo e o eterno, na qual se destaca, como cenário e ao mesmo tempo grande protagonista, Roma, a Cittá Eterna.

A Grande Beleza conta a história de Jep Gambardella (magistralmente interpretado por Toni Servillo), um escritor de um único livro, intitulado O Aparato Humano, que fez sucesso estrondoso nos anos 1960/70. Depois de quase 50 anos, Jep vive apenas da fama e dos dividendos que esta obra ainda lhe rende. Transitando num ambiente de luxo e riqueza, o inteligente e sofisticado Jep parece ter tudo o que um homem sonha: sucesso, prestígio, sex appeal. Nas entrelinhas de uma vida glam0urosa, entretanto, o afamado escritor não consegue esconder o vazio e a profunda melancolia que o corrói por dentro. Aliás, não só ele, mas toda a sociedade que o cerca: representantes de uma burguesia que, frustrada, trocou os sonhos e ideias da juventude pelas baladas exóticas, bens luxuosos e, claro, as drogas – muitas drogas.

Como forma de driblar o vazio e continuar, de alguma forma, a permanecer no jet set cultural da “discreta burguesia”, Jep trabalha como jornalista freelancer numa sofisticada revista cult. Convocado por sua editora a realizar uma entrevista com uma personagem absolutamente insólita, Irmã Maria (uma religiosa velhíssima que realiza trabalho missionário na África), Jep a convida para um jantar em seu apartamento. Rodeada de famosos do mundo da política, da mídia e da Igreja, Irmã Maria não pronuncia uma palavra sequer, provando apenas folhas e raízes que consegue “pescar” no meio dos saborosos pratos que se sucedem no festim. Jep, aproveitando a presença de um cardeal entre os comensais, começa a manifestar suas inquietações existenciais e espirituais, mas este desvia o assunto, demonstrando mais interesse em falar de seus incríveis dotes culinários. Decepcionado, Jep se retira e, ao entrar no seu quarto, leva um grande susto ao encontrar a quase cadavérica Irmã Maria dormindo no chão. Ao despertar pela manhã, encontra Irmã Maria entretendo-se com centenas de rosados e graciosos flamingos que haviam pousado no magnífico terraço de Jep. Pela primeira vez desde que ali chegou, Irmã Maria lhe dirige a palavra e lhe pergunta: “Por que você não voltou a escrever?”. Jep, desconcertado e pensativo, responde-lhe: “Porque não consegui encontrar a Grande Beleza”. Irmã Maria então lhe responde com outra pergunta: “Você sabe por que eu só me alimento de raízes?” Jep levanta os ombros, indicando desconhecer a resposta. E a velha freira então lhe diz: “Porque elas são o mais importante”.

Num mundo infestado de coisas, aparatos e aparências; num mundo caracterizado pelo fútil e superficial, onde encontrar a Grande Beleza, aquela que nos salva do efêmero e do vazio? Sorrentino nos aponta uma resposta por intermédio de Irmã Maria: nas nossas raízes. Não à toa Dostoiévski disse: a Beleza salvará o mundo. E eu que disse que não falaria de literatura, ei-la aqui, de braços dados com a sétima arte, para nos lembrar que precisamos desesperadamente da Grande Beleza, aquela que se esconde nas raízes.