Mudou ou não mudou? Mudou, mas continua igual. Na prática, é isso que está acontecendo com a substituição de Ricardo Salles por Joaquim Pereira Leite como titular da pasta do Meio Ambiente. Ao menos quando se trata da agenda do clima. O que por si só já seria ruim para o Brasil torna-se mais preocupante quando se olha para o calendário: em novembro, as mais relevantes lideranças globais se reunirão em Glasgow (Escócia), na Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, a COP26. A expectativa é que o Brasil leve uma proposta robusta para o mercado de carbono. Nada indica que haja tal empenho em Brasília. “O Brasil chegará à COP26 sem credibilidade alguma”, disse Eugênio Pantoja, diretor do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam). “E com poucas chances de a agenda andar no Executivo nos próximos dois anos”, afirmou à DINHEIRO.

Os sinais dados pelo governo reforçam esse descrédito. Um exemplo: o presidente Jair Bolsonaro cortou o orçamento da pasta um dia após anunciar que “duplicaria os recursos destinados a ações de desmatamento” e que anteciparia a neutralidade de carbono do País para 2050. O anúcio foi feito durante a Cúpula do Clima convocada pelo presidente dos EUA, Joe Biden. Desde então, o desmatamento da Amazônia foi recorde, alcançando 3.325 km² no semestre. Diante dos fatos, silêncio do novo ministro, que é considerado mais aberto ao diálogo e mais preocupado com a agenda climática do que seu antecessor. Leite tem no currículo experiência em manejo florestal e créditos de carbono.

MODELO DESEJADO Enquanto o Executivo patina, a iniciativa privada avança em propostas para que o Brasil entre de vez no mercado que deve gerar investimentos de R$ 230 bilhões no mundo até 2030, segundo dados da International Emission Trading Scheme. A luta do Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (CEBDS) é pela precificação do carbono em um modelo de mercado compulsório, de acordo com Marina Grossi, presidente da entidade. “Com força de lei, as empresas terão de aderir e o ganho de escala será mais rápido”, afirmou. Outros modelos são o mercado voluntário, em que as empresas transacionam o carbono se assim o desejarem, e a taxação de emissões. “Mas o Brasil não aguenta mais taxas”, disse Marina.

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“O Brasil chegará à COP26 sem credibilidade alguma e com poucas chances de a agenda da mudança do clima avançar no Executivo nos próximos dois anos ” Eugênio Pantoja, Ipam.

Para o mercado, a leniência do governo chega a ser inexplicável uma vez que no Brasil existem programas e práticas bem desenvolvidas. É o caso das políticas de combustíveis renováveis, da adesão das empresas ao mercado voluntário e de projetos de desenvolvimento baseados na natureza. Uma das falhas, segundo Davi Bomtempo, gerente-executivo de Meio Ambiente e Sustentabilidade da Confederação Nacional da Indústria (CNI), é a falta de governança. “É preciso sistematizar o que já foi feito e o que está sendo realizado”, afirmou. Para ele, as empresas brasileiras teriam a créditos a receber por 380 milhões de toneladas de CO2 que deixaram de emitir e que não foram vendidas pelo fato de o mercado não estar consolidado.

O volume de crédito gerado vem da adoção de boas práticas. A Klabin é um exemplo. Com menos uso de combustível fóssil e expansão de energias limpas em sua matriz a empresa conseguiu reduzir em 64% as emissões no período de 2003 a 2020. Única companhia a integrar o grupo da COP26, a Klabin lançou em parceria com a Rede Brasil do Pacto Global da ONU o projeto ImPacto NetZero. O objetivo é incentivar a adoção de metas de descarbonização em outras empresas. “Queremos um instrumento de mercado que tenha um custo-efetivo”, afirmou Betânia Vilas Boas, especialista em clima da empresa.

Mesmo indústrias altamente expostas à emissão de carbono, como as divisões que produzem cimento e alumínio do Grupo Votorantim, querem um mercado regulado. “Se por um lado temos um governo refratário à agenda climática, temos uma iniciativa privada altamente engajada no assunto”, afirmou Rafael Gioielli, gerente geral do Instituto Votorantim que vê nos processos de redução de carbono oportunidades de ganhos reputacionais e competitivos para as empresas. Ou seja, o setor privado luta por ferramentas que permitam uma alternativa de transação de carbono em que os custos sejam equilibrados entre agentes econômicos e que resulte em impacto positido efetivo ao meio ambiente.

Os esforços das empresas, porém, não serão suficientes sem um mercado regulado pelo governo federal. E a posição do Planalto refletida na postura do ministro Joaquim Pereira Leite preocupa agentes do setor. Um deles é Felipe Bittencourt, CEO da Waycarbon. “Muitas empresas brasileiras acreditaram e investiram em crédito de carbono. Perder isso causará muita tensão”, afirmou. Não precisava ser assim. “Com nossos ativos ambientais, temos uma voz relevante. Só é preciso usá-la.” A COP26 estará aí para isso.