Os investidores que tentaram comprar títulos públicos prefixados e indexados à inflação na manhã da segunda-feira (11) ficaram frustrados, ainda que por um período breve. No início dos negócios daquela manhã, as transações com esses títulos foram suspensas no Tesouro Direto, que permite às pessoas físicas comprar e vender títulos públicos. O motivo da suspensão dos negócios, que está previsto nas regras do portal, foi a dispersão excessiva das taxas. Quando a volatilidade ameaça sair do controle, a Secretaria do Tesouro suspende os negócios até que o mercado se acalme, para evitar que os pequenos investidores percam dinheiro com a volatilidade.

Houve bons motivos para esse aumento da turbulência. Na sexta-feira (8), o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgou uma inflação de 1,62% em março. Foi mais do que o 1,01% de fevereiro e bastante acima das projeções do mercado, que estavam ao redor de 0,85%. No ano, a inflação acumulada até março está em 11,30%. É mais que o triplo da meta de inflação de 3,5% definida pelo Conselho Monetário Nacional (CMN) para 2022. Mesmo considerando-se a tolerância de 1,5 ponto percentual, que eleva a meta para 5,0%, a inflação em 12 meses é quase o dobro do máximo permitido.

Há algumas semanas, o Banco Central (BC) via essa alta de preços no primeiro trimestre deste ano como um fenômeno temporário, que chegaria ao máximo em abril para depois arrefecer. No entanto, os números da sexta-feira levaram Roberto Campos Neto, presidente do BC, a um inesperado rasgo de sinceridade na manhã de segunda-feira (11). Em um evento do mercado financeiro, ele disse que o comportamento da inflação foi “surpreendente”, e também afirmou que o BC “está aberto a analisar novamente o cenário se houver algo diferente do padrão”.

COMIDA CARA Os preços dos alimentos in natura, como a cenoura, vêm pressionando os índices de inflação. (Crédito:Evandro Leal)

Segundo Campos Neto, o problema não está apenas nos suspeitos habituais, como combustíveis e alimentos — considerando por exemplo a alta de 166% nos preços da cenoura nos 12 meses até março. O núcleo da inflação, que desconsidera os preços mais voláteis dos alimentos e dos combustíveis, também está elevado. E a dispersão da inflação, que contabiliza quantos dos itens da cesta de preços aumentaram, está em preocupantes 72%. Segundo a Genial Investimentos, a inflação está “persistente e disseminada entre as categorias, sem alívio da pressão sobre bens industriais”, segundo um relatório de José Márcio Camargo e Eduardo Ferman. “Com isso, fica mais difícil para o BC fazer a inflação convergir para o centro da meta”, disse o sócio da Valor Investimentos Wagner Varejão.

APERTO NA SELIC Tradução: a expectativa de que a taxa de juros chegasse a 12,75% ao ano no início de maio e permanecesse nesse patamar até começar a recuar em 2023 deixou de valer. O forte endurecimento da política monetária, em que o BC elevou a Selic de 2% para 11,75% ao ano entre março de 2021 e março deste ano, vai demorar para acabar. Isso elevou os preços no mercado futuro de juros, e as taxas dos contratos para janeiro de 2024 superaram 13% ao ano.

Há outro fator para pressionar os juros para cima. A inflação está elevada também nos Estados Unidos. Na terça-feira (12), o Bureau of Labor Statistics (BLS), equivalente americano do IBGE, divulgou o Consumer Price Index (CPI) de março. Os preços subiram 8,5% no acumulado em 12 meses, a maior inflação desde 1980, o que está levando os investidores americanos a esperar que, também lá, os juros subam mais que o previsto.

Em março, o Federal Reserve (Fed), o banco central americano, elevou os juros pela primeira vez desde 2019. A alta foi pequena, apenas 0,25 ponto percentual. A expectativa do mercado era que o Fed elevasse os juros mais seis vezes neste ano, sendo que todas as elevações seriam nesse percentual. Porém, a alta da inflação e declarações de diretores do Fed alteraram esses prognósticos. O professor de finanças Rodrigo Simões diz que a inflação americana segue em um patamar muito alto, “o que torna um aumento de juros pelo Fed quase uma certeza”. A expectativa de juros americanos mais altos torna mais atraentes os investimentos em dólares, o que eleva os preços por aqui também, visto que muitos itens da cesta de consumo têm seus preços balizados pelo mercado internacional. Ou seja, o dragão da inflação terá de receber doses maciças de juros antes de parar de carbonizar a economia.