O empresário gaúcho Daniel Randon é apaixonado por caminhões. Herdeiro e atual presidente das Empresas Randon, um dos maiores conglomerados industriais do País, ele tem tanta afinidade com carretas e estradas também porque seu sobrenome é quase um sinônimo do setor de implementos rodoviários. Nos últimos anos, a antiga paixão por caminhões passou a dividir a preferência de Daniel Randon com outra: a inovação introduzida por startups. Isso inclui metais mais leves e resistentes, tintas com nanotecnologia, eixo de carretas impulsionado por motores elétricos e uma infinidade de outras novidades que vêm definindo novos rumos para a companhia de Caixas do Sul, no coração da Serra Gaúcha. “Deixamos de ser apenas uma indústria de metalurgia e autopeças para nos tornar uma fabricante de pesquisas e de todo tipo de produção de conhecimento para o nosso setor”, disse Randon, em entrevista à DINHEIRO. “Nossas 29 fábricas pelo mundo são também laboratórios de ciência e inovação.”

Aos 45 anos, Daniel comanda o grupo Empresas Randon, companhia com faturamento de R$ 9,1 bilhões no ano passado, 16 mil funcionários e negócios em 120 países. Fundada por seu pai, Raul Anselmo Randon (1929-2018), a empresa já foi pilotada por seu irmão mais velho, David, e nunca deixou o guarda-chuva da gestão familiar. Sob sua direção, a Randon tem se tornado uma máquina de resultados. A companhia projeta alcançar faturamento de R$ 11 bilhões este ano, o primeiro bilhão de dois dígitos em 74 anos de história. E os números crescem na velocidade de um caminhão — controlado — na banguela. Em 2021, com o balanço da receita líquida de R$ 9,1 bilhões, a empresa fechou com resultado 215% acima de cinco anos antes. Em 2017, o faturamento foi de R$ 2,9 bilhões.

A companhia começou 2022 embalada. De janeiro a março, a receita líquida somou R$ 2,5 bilhões, aumento de 29,5% na comparação com o mesmo período do ano passado. Esse é o maior patamar para um primeiro trimestre em toda a sua história. O Ebitda consolidado foi de R$ 401,4 milhões, com margem de 16,2%, crescimento de 15% em relação ao que foi registrado no primeiro trimestre de 2021.

O desempenho chamou a atenção não apenas pelos números, mas pelo cenário macroeconômico. Em tese, a alta dos combustíveis — que comprime as margens de lucro das empresas de transporte e de profissionais autônomos —, a alta da taxa de juros, que passou de 2% um ano atrás para os atuais 12,75%, e recuperação econômica ainda patinando no pós-pandemia deveriam esfriar o ritmo do setor. Mas não é o que ocorre com a Randon. “Parte do que deixamos de vender no segmento de veículos comerciais novos foi compensada pelo segmento de reposição. Quem não comprou caminhão novo investiu em manutenção do caminhão que já tem”, afirmou Randon.

MERCADO EXTERNO Assim como no segmento de peças de reposição, a performance da companhia neste começo de ano foi puxada pelos bons resultados no mercado internacional. Com oito fábricas no exterior e exportação para 120 países, essa receitas aumentaram 48% no primeiro trimestre na comparação com o mesmo período do ano passado, alcançando US$ 99,9 milhões. Segundo o presidente das Empresas Randon, mesmo com as dificuldades em algumas regiões do mundo, especialmente nas mais afetadas pela guerra da Ucrânia e pelo lockdown na China, há uma demanda aquecida nas economias mais maduras.

O começo de 2022 também marca um importante movimento de captação de recursos para sustentar a estratégia de crescimento. A Randon fez a nona emissão de debêntures no valor de meio bilhão de reais, dentro de um plano para turbinar o caixa e acelerar expansão orgânica e aquisições. Em paralelo à emissão de títulos, o grupo fez em abril um follow-on da controlada Fras-le (de componentes para freios). A operação coordenada pelos bancos Itaú BBA, BTG, Bradesco BBI e Safra, levantou R$ 629 milhões para investir em novos projetos. As Empresas Randon ampliaram para 52,57% a participação no capital da controlada.

Para o economista Hemerson Sousa, analista de indústria, o cenário é promissor. “A Randon, nos últimos anos, vem num claro movimento de fortalecimento de suas posições de caixa e consolidação das operações em suas frentes mais rentáveis de negócios”, afirmou. “A solidez da companhia, aliada a um ambiente favorável para o setor de transporte no Brasil e no mundo, eleva o potencial de crescimento para o grupo nos próximos anos.”

FÁBRICA DE STARTUPS O Centro Tecnológico Randon (CTR), em Caxias do Sul, tem atraído empresas focadas no desenvolvimento de inovações para o setor de transporte. (Crédito:Divulgação)

A estratégia da companhia é, basicamente, apontar um binóculo para os resultados financeiros e um telescópio para a inovação. Nos últimos dois anos, com investimentos de R$ 184 milhões em P&D, o grupo fez aportes em novas tecnologias e expandiu o Centro Tecnológico Randon (CTR), uma espécie de incubadora de startups para aumentar a velocidade das pesquisas e novas tecnologias. O que já compõe a linha de produção da empresa é uma liga de metais mais leve e resistente. Menos peso, no setor de transporte, significa menor consumo de combustível e menos emissão de gases poluentes.

Uma das mais importantes iniciativas foi a parceria com a catarinense WEG para o desenvolvimento de um semieixo elétrico na carreta, que alivia a força do motor a combustão e reduz em até 40% as emissões de CO2. Outra novidade, também em parceria com a WEG, foi o desenvolvimento de tintas com nanotecnologia com óxido de nióbio, que apresenta ao mercado seu primeiro produto: uma pré-mistura com nanopartículas de óxido de nióbio. Sob responsabilidade da empresa Nione, uma das 14 que compõem o grupo, o revestimento aumenta em 400% a resistência de metais contra a corrosão. “Essa é uma descoberta disruptiva para o mercado mundial, com potencial de abrir novas oportunidades para diferentes setores industriais e que nos motiva a seguir investindo nesse propósito”, disse o vice-presidente, Sérgio Carvalho, braço-direito de Daniel Randon na ofensiva tecnológica do grupo.

Um dos mais disruptivos lançamentos da empresa é o Hybrid R, da Randon Implementos. Um sistema de tração auxiliar elétrico que recupera a energia gerada durante movimentos de descida e frenagem para momentos de necessidade de tração como subidas e ultrapassagens. Dependendo da aplicação, a economia de combustível pode chegar até a 20%, segundo a empresa, com redução na emissão de carbono de até 96 toneladas por ano. “Estamos construindo as bases para os negócios da companhia, com mais tecnologia, inovação e sustentabilidade, pelos próximos 70 anos”, disse o presidente. Assim, segundo ele, Randon será sinônimo de muito mais do que apenas caminhões.

ENTREVISTA: “O Brasil precisará atacar a questão tributária e a burocracia para ser competitivo”
Daniel Randon, presidente

Alex BattistelDaniel Randon, presidente. (Crédito:Alex Battistel)

O bom desempenho financeiro pode ser atribuído ao dólar?
Também, mas não foi só isso. Cerca de 20% da nossa receita vem dos negócios no exterior ou das exportações. A demanda cresceu forte no Brasil.

A crise das montadoras não impactou?
Como 55% dos nossos resultados vêm de autopeças, como freios, suspensões, material de fricção para caminhões, ônibus e semirreboques, o que não vendemos para montadoras, vendemos em reposição. A alta de um segmento compensou a queda de outro.

O cenário externo, com guerra, inflação e volta da pandemia em países importantes como a China, preocupa?
Sempre preocupa e estamos atentos para os desdobramentos. Mas o que mais gera incerteza é componente da instabilidade. Por isso que temos de estar bem posicionados em todo o mundo. Costumo comparar a Randon a um veleiro. Para ir do ponto A ao B, temos de ter agilidade nas tomadas de decisão e saber manejar as velas na mudança de vento.

É mais difícil velejar a empresa no Brasil?
O Brasil é sempre mais complexo. Mas, em médio prazo, as grandes oportunidades estão no Brasil. A crise na China e as incertezas na Europa, com o cenário de guerra, podem trazer grandes oportunidades para a nossa indústria.

Então, de alguma forma, a crise global pode favorecer o Brasil?
No futuro, sim. Em curto e médio prazo, guerra, inflação e crise é ruim para todos. Percebo que o mercado americano, por exemplo, diante das dificuldades com a China, tem demandado mais produtos do Brasil. Se a gente abre um novo canal para o cliente agora, teremos mais chance de competir com o restante do mundo no futuro. Isso é excelente.

Há planos de aquisições?
Sim. A gente acabou de fazer na Fras-le um aumento de capital de R$ 629 milhões. O plano é continuar crescendo e internacionalizando a empresa.

A Randon pré-pandemia é a mesma da quase pós-pandemia?
Com certeza, não. A pandemia trouxe um aprendizado para nós da Randon e para toda a indústria brasileira. Hoje somos mais preparados para a buscar fontes alternativas para matérias-primas, novos mercados e novos clientes. Isso nos proporciona mais segurança nos planejamentos de investimento.

No Brasil, o que mais preocupa?
É conseguir entregar o que for vendido, com tantas quebras nas cadeias de fornecimento. Mas são questões pontuais. No geral, a indústria está bem.

E a questão dos juros?
Isso é um problema. Mas como a prioridade é controlar inflação, esperamos que ocorram ajustes nas taxas nos próximos meses.

E o processo de desindustrialização?
O Brasil precisará atacar a questão tributária e a burocracia para ser competitivo. Nada é mais nocivo do que isso para os negócios.