A virada do milênio foi dramática para uma ala tradicional do varejo brasileiro. Duas das marcas de maior longevidade do setor saíram do mercado antes da chegada do ano 2000. No dia 29 de julho de 1999, a rede de lojas Mappin encerrou as atividades, iniciadas na capital paulista em 1913. A Mesbla, filial da gigante varejista criada na França e que chegou ao Brasil em 1912, também teve a falência decretada em 1999. Passados 23 anos, ambas estão de volta. Sem abrir lojas físicas, a aposta dos atuais donos das duas marcas é no comércio eletrônico. E, claro, na nostalgia ligada à experiência de comprar em grandes magazines quando eles ainda tinham um certo glamour, algo que se perdeu no tempo.

O marketplace Mesbla.com, lançado no início do mês com um catálogo de 250 mil produtos, é uma iniciativa dos irmãos e sócios Marcel Jeronimo e Ricardo Viana. Eles investiram R$ 500 mil no projeto, idealizado ao longo de um ano. Os dois possuem uma forte ligação pessoal com a Mesbla, que foi empregadora do pai, da mãe e do próprio Marcel. Segundo ele, o momento é propício para a abertura do negócio. “Foi uma conjunção de fatores que, felizmente, nos auxiliaram a voltar com a marca dentro de parâmetros muito bons para o mercado”, afirmou.

No ano passado, o comércio eletrônico faturou R$ 161 bilhões no Brasil, 26,9% acima do resultado de 2020, segundo dados da Neotrust. O retorno da Mesbla como marketplace segue o caso do Mappin, que ressurgiu como marca de comércio eletrônico em 2019, sob o comando dos controladores da rede Marabraz. Com venda própria e e-commerce, atualmente o Mappin vende produtos de decoração, sofás, roupas de cama e iluminação. No caso da Mesbla, o portfólio é bem mais diversificado.

Divulgação

“Foi uma conjunção de fatores que, felizmente, nos auxiliaram a voltar com a marca dentro de parâmetros muito bons para o mercado. Há espaço para todo mundo e a concorrência é normal” Marcel Jeronimo, sócio da Mesbla.

Para o sócio da Sponsorb e co-fundador da Malbec Angels, Fernando Moulin, a volta das marcas que fizeram sucesso no varejo do século 20 pode ser explicada pela combinação de duas tendências. A primeira é a transformação digital do varejo. Embora as vendas por sites e aplicativos sejam predominantemente endereçadas aos consumidores mais jovens, a necessidade de expandir a base de clientes força a inclusão de gerações de pessoas com mais idade. São exatamente esses consumidores que possuem ainda vivas na lembrança as marcas do passado, com as quais tiveram uma relação afetiva e emocional por décadas. Outro fator que explica a valorização de grifes já extintas é o que Moulin chama de “referência de marca”. Segundo o especialista, ao mesmo tempo em que tem pleno acesso às transações digitais, o ser humano busca se relacionar com empresas que tenham valor e propósito.

COMPETIÇÃO Apesar de reunir esses atributos, a Mesbla faz sua estreia no varejo eletrônico competindo com marcas que se consolidaram nesse ambiente. Enfrentá-las será um enorme desafio. De acordo com levantamento da Conversion, mais de 80% do marketplace nacional está concentrado em cinco empresas: Mercado Livre (33,7%), Americanas (15,3%), Amazon (13,4%), Magazine Luiza (12,6%) e Casas Bahia (8,3%). Para Marcel, esse cenário não assusta. “Há espaço para todo mundo e a concorrência é normal.” Apesar da confiança, a Mesbla ainda está construindo sua base de vendedores. Para o lançamento, foi montado um hub com 2,5 mil vendedores parceiros de médio e pequeno portes.

VOLTEI, MUITO PRAZER! A Mesbla tem investido em publicidade digital e também off-line, como a ação no Metrô do Rio de Janeiro, para se reapresentar ao atual consumidor. (Crédito:Divulgação)

Um segundo desafio da Mesbla é balancear a experiência do passado com o modelo de negócio atual, para entregar as experiências desejadas hoje pelos consumidores. Para o CEO da TM20branding, Eduardo Tomiya, tradição por si só não ganha o jogo. “A marca é um residual de experiências. É preciso associar a tradição com uma proposta de valor clara.” Para isso, os executivos à frente da empresa apostam no atendimento e em preços competitivos. A marca também tem investido em publicidade e on e off-line. Até envelopou vagões de metrô no Rio de Janeiro para se reapresentar ao mercado. Fundador da Varese Retail, o consultor Alberto Serrentino entende que isso é necessário uma vez que as novas gerações não têm o vínculo emocional com a marca. Segundo ele, os clientes mais jovens “terão de ser conquistados dentro dos ambientes em que hoje se engajam. E isso vale um esforço parecido ao de começar uma marca nova”. É o varejo vintage.