O maior vilão do custo de vida nos últimos dois anos, o Índice Geral de Preços (IGP-M) pode morrer por inanição e desuso neste mês. Mais de 30 sindicatos empresariais entraram com ação no Supremo Tribunal Federal (STF) contra a utilização do indicador na correção de aluguéis comerciais e residenciais. Segundo as entidades, o índice, que acumula alta de 33,83% nos últimos 12 meses, prejudica tanto inquilinos quanto proprietários de imóveis, que convivem com a incerteza da renovação dos contratos. A ação no STF reivindica a aplicação do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), a inflação oficial, que acumula alta de 8,99% em 12 meses, em substituição ao IGP-M. O relator da ação é o ministro Alexandre de Moraes.

Algumas das maiores imobiliárias do País, como o QuintoAndar, já adotam a substituição do IGP-M pelo IPCA como forma de pacificar a relação entre as partes. Para André Penha, cofundador da imobiliária digital, todo mundo perde com um reajuste fora do contexto econômico do País. “Um porcentual desse não é bom para ninguém”, afirmou Penha, em recente entrevista à DINHEIRO. “Por um lado, os donos dos imóveis não conseguem repassar e correm o risco de ter o contrato rescindido. De outro, cria desgaste para inquilinos, que precisam negociar ou buscar outro imóvel.”

Na locação de imóveis comerciais, a substituição do IGP-M por um índice mais real também é bem vista. “A aplicação de um valor superior a 30% deixa claro a distorção do índice em relação à realidade econômica brasileira, ao não retratar a inflação anual real”, afirmou, em nota, o Sindlojas São Paulo. A Associação Brasileira de Franchising (ABF) é outra que apoia a mudança. “Já acompanhamos este tema desde o ano passado, com estudos que demonstravam a total inadequação deste índice.”

INTERFERÊNCIA Trocar o IGP-M pelo IPCA não é uma unanimidade. Na avaliação de Marcel Fracarolli Nunes, especialista em legislação imobiliária do escritório Trench Rossi Watanabe, a decisão seria uma interferência grande do Estado na relação entre particulares, e afronta o princípio da autonomia das partes e a livre iniciativa prevista na Constituição. “A Lei de Locação atual prevê que as partes são livres para estabelecer o índice de reajuste. Elas discutem, em comum acordo e com base no princípio da boa-fé e razoabilidade, qual seria o índice adequado para reajuste daquele aluguel”, afirmou Nunes. “É claro que se houver uma situação de onerosidade excessiva, que muito raramente seria aplicada a uma relação locatícia, o abuso poderia ser discutido em juízo.”

A lei atual, de fato, não estabelece que o IGP-M é o índice que deve ser utilizado no reajuste dos aluguéis, mas por uma questão de mercado, acabou se tornando comum aplicá-lo. A intenção do projeto é travar no IPCA, mas isso pode ser bom ou ruim a depender da situação. Segundo Nunes, a pandemia trouxe a discussão se o IGP-M cabe ou não como um índice de reajuste e se ele realmente refletiria de fato a inflação no período. “Por essas razões, não vejo necessidade de o Estado se impor dessa maneira em uma questão entre particulares.”

A maioria dos especialistas no assunto, no entanto, diz que a mudança é bem vista. Ana Carolina Osório, advogada especialista em direito imobiliário e sócia do escritório Osório Batista Advogados, entende ser essencial preservar o equilíbrio do contrato diante das oscilações inflacionárias. “A aplicação do IGP-M causa efeito contrário ao pretendido pelas partes, onerando em demasia o locatário, já que o índice não tem acompanhado a inflação”, disse. “As partes têm total liberdade para fixar outro índice, como o IPCA.” Na língua falada e nos indicadores econômicos, cair em desuso é sentença de morte. Mas não haveria essa barulho todo se o IGP-M estivesse num patamar razoável.