Daniela Fagundes (sócia da Méliuz). Lívia Soares (diretora da Emailage). Luanna Toniolo (fundadora da Troc). Paula Gusmão (CEO da eÓtica). Sandya Coelho (diretora do GetNinjas). Uma baita seleção. Cinco mulheres. Cinco histórias de sucesso. Infelizmente, cinco exceções. O estudo Panorama Mulher, elaborado pela Talenses em parceria com o Insper, mostra que em 2019 a participação feminina em cargos de liderança foi baixíssima: 26% no caso de diretorias, 23% em vice-presidência, 16% como integrantes de conselho deliberativo e apenas 13% no papel de presidentes. Nesse caso, o percentual é ainda menor ao da pesquisa de 2018, quando 15% das organizações eram presididas por mulheres, apesar de o resultado estar acima do de 2017, quando elas ocupavam apenas 8% dos postos de CEOs. “O fato é que o avanço das mulheres em cargos de comando está bastante lento”, afirma o economista do Insper Fernando Ribeiro Leite Neto, coordenador da pesquisa.

CEO da eÓtica, empresa nacional de e-commerce de óculos, Paula Gusmão é exemplo de profissional que se preparou muito até conseguir o cargo. Formada em Administração pela Fundação Getulio Vargas (FGV), fez curso em economia pela Stockholm School of Economics e tem mestrado pela Universidade de São Paulo (USP). Começou a carreira no mercado financeiro, de onde saiu por causa da crise de 2008. À época, resolveu tirar um ano sabático. Quando voltou ao Brasil, recebeu convite para atuar no e-commerce do grupo Pão de Açúcar (GPA), na área de pagamento eletrônico, e depois migrou para o projeto de marketplace do Extra. Também teve passagem pela Netshoes e Essilor Latam, antes de ser contratada para presidir a eÓtica. Toda essa bagagem foi primordial para ascender profissionalmente, mas não evitou que ela sofresse algum tipo de preconceito, que credita também aos segmentos.

Segundo Paula, o mercado financeiro é muito machista e preconceituoso com relação à presença feminina. “O setor de e-commerce é mais aberto à diversidade”, afirma a executiva. Mais aberto sim, mas não imune. “Já aconteceu de o representante de um fornecedor perguntar se não havia um superior (homem) acima de mim. Mas a gente não pode dar muita atenção a isso”. O fato é que, desde que Paula assumiu a presidência, a eÓtica tem crescido na casa dos dois dígitos ao ano. Em 2019, foi 200% mais rentável do que em 2018.

“É difícil ter voz em um mundo masculino. Existe preconceito até por parte de outras mulheres. A gente precisa trabalhar o dobro para provar a capacidade” Luanna Toniolo, Fundadora da Troc.

DRIBLE Não enfrentar o problema da desigualdade é burrice. Um estudo de 2015, da McKinsey, mostra que a igualdade de gênero poderia adicionar US$ 12 trilhões ao PIB global em dez anos. Liliane Rocha, fundadora e CEO da Gestão Kairós, empresa de consultoria em sustentabilidade e diversidade, diz que uma das formas encontradas pelas mulheres para driblar as barreiras e crescer profissionalmente é montar o próprio negócio. “Eu mesma não conseguia subir de cargo, apesar de comandar um departamento com orçamento de R$ 40 milhões. Percebi que as funções de liderança estavam destinadas aos homens naquela empresa”, diz a consultora. Liliane considera isso um erro, porque equipes com diversidade têm olhares diferentes sobre a mesma situação e probabilidade maior de apontar riscos e soluções. Ela se baseia também numa pesquisa da McKinsey, feita com cerca de mil empresas em 12 países, que aponta que os resultados das companhias melhoram em até 21% quando há mulheres na liderança.

“Com uma mulher na liderança, fica mais fácil trabalhar unida e não ter medo da concorrência, porque há empatia entre nós” Lívia Soares, Diretora de Vendas da emailage.

Mas se uma das saídas é montar o próprio negócio, parte-se para esse caminho. Foi a estratégia de Luanna Toniolo desde o começo da carreira. Especializada em Direito Tributário e mãe de dois filhos, a curitibana tinha seu próprio escritório de advocacia e um ganho financeiro que afirma ser bastante satisfatório. Seu sonho, porém, era trabalhar com moda. Após uma viagem com o marido para Boston, nos Estados Unidos, com a finalidade de estudar, Luanna resolveu empreender em algo que a aproximasse do seu sonho.

Depois de muita pesquisa, fundou a Troc, brechó online que só faz crescer desde que entrou em atividade, em 2016. Segundo a empresária, em outubro de 2017 já havia faturado o primeiro milhão e, antes de completar o terceiro ano de funcionamento, já faturava R$ 10 milhões ao ano, com cerca de 2 mil pedidos mensais. A empresa busca as peças de roupas na casa de quem pretende vender, analisa se tem qualidade para ser colocada na vitrine virtual, faz o cadastro, medição, fotografia e anuncia. Mas mesmo o fato de ser dona do próprio negócio não a livrou do preconceito. Ao iniciar a montagem do brechó e buscar apoio de investidores, percebeu que os participantes das reuniões, a maioria homens, não conversavam diretamente com ela, e sim com outros homens que estavam à mesa. “É difícil ter voz em um mundo masculino. Existe preconceito até por parte de outras mulheres. A gente precisa trabalhar o dobro para provar a capacidade”, diz.

“O setor de e-commerce é bem mais aberto à diversidade. Mas ainda há nichos de resistência. Já aconteceu de o representante de um fornecedor perguntar se não havia um superior (homem) acima de mim” Paula Gusmão (CEO da eÓtica). (Crédito:Divulgação)

EXCEÇÕES A mineira Daniela Fagundes é relações públicas e jornalista por formação, com passagem pela TV Globo e pelo Instituto Inhotim, de Minas Gerais. Ao contrário de Paula, da eÓtica, e Luanna, da Troc, não passou pelos perrengues preconceituosos profissionais. Ela conheceu o mercado de startups em 2016, quando foi contratada para trabalhar na Méliuz, empresa do segmento de cashback – que promove retorno de um percentual de dinheiro gasto em compras para o próprio consumidor. Passou para o cargo de coordenadora de Marketing de Produto da empresa e, há pouco mais de um ano, tornou-se uma das sócias, com base em um instrumento contratual conhecido pelo nome de vesting, adotado pela Méliuz. Esse modelo é muito usado por startups e prevê aquisição progressiva de direitos sobre a empresa, conforme o envolvimento real do funcionário no crescimento do negócio. “As coisas aqui vão na contramão do que acontece no mundo. No ano passado, 50% dos funcionários eleitos para sócio foram mulheres”, afirma Daniela, para quem falta representatividade feminina no mercado em geral. “Por haver poucas mulheres líderes, com algum tipo de poder, é difícil se destacar. Por isso, gosto tanto de trabalhar na Méliuz, pois a política é mais igualitária”, declara.

“Por ter poucas mulheres líderes, com algum tipo de poder, é difícil se destacar. Por isso gosto da Méliuz, pois a política é mais igualitária” Daniela Fagundes, Sócia da Méliuz. (Crédito:Divulgação)

Sandya Coelho também encontrou no mundo da tecnologia um ambiente menos desigual. Diretora de comunicação do GetNinjas, aplicativo de contratação de serviços que movimenta R$ 400 milhões ao ano, oferece cerca de 200 tipos de soluções e atua no Brasil e no México. Entrou na empresa há três anos, para estruturar a área de Comunicação, e depois se tornou diretora de Comunicação e Novos Negócios, na qual também é responsável pelo relacionamento do GetNinjas com grandes empresas varejistas.

Dentro da companhia, ela diz não ter tido problemas por ser mulher, mas no mercado tradicional, sim. “É muito desafiador ser mulher à frente das negociações. Eu já precisei ter muita firmeza para fazer a outra parte entender que não era necessário buscar alguém acima de mim, que ele poderia falar comigo”, afirma. Nas horas vagas, Sandya é praticante de ioga e dá aula de meditação uma vez por semana. A empresa que ela ajuda a comandar está presente em cerca de 3 mil municípios brasileiros, recebe em torno de 300 mil solicitações mensais e tem dobrado de tamanho ano a ano, conforme afirma a própria executiva.

Os casos de Daniela e Sandya são bem-vindos num segmento ainda predominantemente masculino como o de tecnologia – com apenas 20% de mulheres, segundo PNAD 2018. Mas isso não intimidou Lívia Soares, que hoje atua como diretora de vendas no Brasil da Emailage, fundada por brasileiros nos Estados Unidos e que atua no combate a fraudes online. A executiva iniciou a atuação no segmento há 12 anos, numa empresa pequena, e lembra que na época praticamente não havia mulheres na área. “Hoje, vemos mais mulheres até em cursos de tecnologia”, observa.

“É desafiador ser mulher à frente das negociações. Eu precisei ter muita firmeza para fazer a outra parte entender que não era necessário buscar um homem acima de mim, que ele poderia falar comigo” Sandya Coelho, Diretora de Comunicação do getninjas. (Crédito:Divulgação)

Ela começou como recepcionista e foi crescendo até passar ao cargo de gerente. Chegou a ser sócia da primeira companhia, até ser contratada pela Emailage, inicialmente para o cargo de diretora de Contas Estratégicas. Para a executiva, ter acima uma liderança feminina faz muita diferença. Ela, por exemplo, se reporta a Luciana Lello, gerente-geral para a América do Sul. “Eu fui apenas a segunda mulher contratada na região. Com uma mulher na liderança, fica mais fácil trabalhar unida e não ter medo da concorrência com os colegas, porque há empatia entre nós”, afirma Lívia. A diretora consegue ver mudança na cultura empresarial no que diz respeito à contratação de mulheres para cargos de liderança, mas confirma os dados da pesquisa Talenses/Insper. O processo ainda é extremamente lento.