Em um esforço para diminuir o déficit fiscal de R$ 139 bilhões projetado para o ano que vem, o governo vem buscado elevar sua arrecadação. Entre as iniciativas está mais uma tentativa de mudar a forma de cobrar imposto dos cotistas de fundos de investimento fechados. Hoje, esses fundos só pagam Imposto de Renda (IR) sobre os rendimentos no resgate dos recursos ou na hora que o fundo encerra suas atividades. No fim de julho, o governo enviou ao Congresso o Projeto de Lei 10.638/18, que pretende igualar essa categoria a dos fundos abertos, que sofrem a mordida do leão duas vezes por ano, pelo regime conhecido como “come-cotas”.

A proposta é semelhante a uma Medida Provisória (MP) editada em outubro do ano passado. Sem acordo para votação, a MP caducou em abril. Agora, nova tentativa. Segundo os cálculos da Receita Federal, a mudança pode incrementar a arrecadação em R$ 10,7 bilhões em 2019 com a tributação retroativa desses investimentos.

Essa possibilidade preocupa as famílias mais ricas do País, que utilizam os fundos fechados para gerir o patrimônio. Esses endinheirados não contavam com a possibilidade de ter de pagar imposto antes de resgatar os seus rendimentos. A situação incerta diz respeito a 3.276 fundos, que possuem um patrimônio de R$ 329,7 bilhões, segundo dados da Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima). Advogados destacam que a tributação do estoque, prevista no texto da lei para acontecer até 31 de maio do ano que vem, é um dos pontos que deve gerar mais questionamentos na Justiça, se for aprovado. “Estaria correto alterar a tributação a partir da mudança na legislação, mas a cobrança retroativa dos impostos deve motivar diversas ações judiciais”, diz Marcos Paiva, sócio do Choaib, Paiva e Justo Advogados Associados. “O contribuinte pode depositar o valor cobrado em juízo e aguardar a decisão judicial”.

Marcos Paiva, sócio do Choaib, Paiva e Justo Advogados Associados: “A cobrança retroativa dos impostos deve motivar diversas ações judiciais” (Crédito:Divulgação)

O sócio do escritório Mattos Filho, Flavio Mifano, aponta outro problema. Quem investe em um fundo de ações só vai pagar o imposto de 15% sobre o ganho de capital quando resgatar seu dinheiro, se houver ganho, claro. Essa regra também vale para os investidores em fundos imobiliários com cotas negociadas em Bolsa. Os rendimentos são isentos mas, se houver ganho com a venda das cotas, ele será tributado. Segundo Mifano, isso pode alterar toda a tributação para quem investir nestes fundos imobiliários ou de ações por meio de fundos fechados.

É comum que essas carteiras de fundos fechados reúnam diferentes tipos de ativos ilíquidos, além de aplicações financeiras não sujeitas ao regime de come cotas como fundos de ações e imobiliários. Ao instituir um “come-cotas”, o leão estará antecipando a tributação dessas aplicações, se estiverem consolidadas em um fundo fechado. “O regime de ‘come-cotas’ foi desenhado para os fundos de renda fixa. Por isso, a lei pode gerar distorções se usar o mesmo mecanismo para tributar os fundos fechados com ativos ilíquidos ou de renda variável”, diz Mifano. “O governo vai acabar antecipando o pagamento de impostos sobre um ganho que pode nem ocorrer.”

O advogado diz que alguns investidores estão estudando cindir o patrimônio. Por exemplo, retirando os fundos de ações do escopo do fundo fechado, para evitar a tributação de renda não realizada. Uma das saídas para a incongruência, de acordo com especialistas, seria o governo conceder um prazo para os investidores fazerem esses acertos, se a lei for aprovada. “Pode ser um período de 90 dias”, afirma Pierre Moreau, sócio da Moreau Advogados.

Flavio Mifano, sócio do escritório Mattos Filho: “O governo vai acabar antecipando a tributação de um ganho que pode nem ocorrer.” (Crédito:Divulgação)

Há outras estratégias para evitar a tributação. Uma delas é transferir o dinheiro para planos de previdência. Outra é mover os recursos para veículos de investimento no exterior. “A única possibilidade que continua atrativa é utilizar os fundos fechados para conduzir a sucessão patrimonial”, afirma Paiva. Nesse cenário, a família coloca os recursos em um instrumento desse tipo, transfere o patrimônio para ele e pode doar cotas para os herdeiros, mantendo o usufruto dos bens. “A vantagem é que não há necessidade de inventário, pois o usufruto se encerra com a morte do possuidor”, diz Paiva.

Além dos fundos fechados, o PL 10.638/18 também prevê mudanças nos Fundos de Investimento em Participação (FIP), que agregam investimentos em empresas. Hoje essa categoria funciona como um condomínio e as compras e as vendas são isentas de IR. O texto prevê duas formas de tributação: os FIPs que atuam como entidades de investimento pagarão impostos quando houver alienação dos investimentos. Os outros serão tributados como pessoas jurídicas e pagarão imposto.

Para Paiva, a aprovação da lei pode abrir espaço para outras mudanças nas regras fiscais dos investimentos. Uma das mais temidas pelos investidores é a taxação dos dividendos, defendida até por candidatos à Presidência apoiados pelo mercado, como Geraldo Alckmin (PSDB). Sua proposta é reduzir as alíquotas do IR e da Contribuição Social sobre Lucro Líquido (CSLL) para as empresas e compensar a queda na arrecadação com a mordida nos dividendos. Moreau leva em consideração a possibilidade de a lei não ir à plenário. “Há uma discussão importante no Congresso de que não é possível simplificar a mudança de impostos em ações pontuais. Essas discussões devem ser abandonadas agora para serem retomadas em meio ao planejamento da potencial reforma tributária no próximo governo”, diz.