Quando os irmãos Richard e Maurice ‘Mac’ McDonald abriram uma pequena lanchonete em San Bernardino, na Califórnia, no fim da década de 1940, eles foram revolucionários e inovadores. A proposta inicial da casa era vender hambúrguer, batatas fritas e milk-shake pela metade do preço. Mais que isso. A dupla foi revolucionária ao criar um sistema de produção baseado em linha de montagem (os alimentos eram preparados em 30 segundos) e sem garçons. Os próprios clientes pegavam sua comida. O modelo ganhou o mundo a partir da visão expansionista do empresário Ray Kroc, que se juntou à marca nos anos 1950 e virou seu dono. Atualmente, 68 milhões de pessoas em 120 países são atendidas diariamente em um McDonald’s. No Brasil, onde iniciou as operações em 1979, no Rio de Janeiro, são 2 milhões de consumidores por dia.

Com 1.030 lojas, o País sresponde por 50% dos negócios da rede na América Latina e vai ganhar novos pontos de vendas em 2021. É o que está no planejamento da Arcos Dorados, que administra a rede McDonald‘s na região. A companhia pretende investir US$ 130 milhões e inaugurar até 50 lojas, 80% delas em território nacional. Os recursos também serão aplicados em projetos nas áreas de digital, infraestrutura e tecnologia da informação. “Já passamos por diferentes planos econômicos, coisas boas e ruins, e estamos no País olhando sempre a longo prazo”, disse o executivo Paulo Camargo, presidente da divisão Brasil da Arcos Dorados. “A pandemia vai passar.”

O investimento faz parte da estratégia da marca para recuperar mercado no Brasil. Em 2020, a crise sanitária derrubou as vendas em 21,8% nas lojas com mais de um ano de operação. Na América Latina, a redução foi um pouco maior: 22,3%. O menor consumo afetou diretamente nos resultados. No terceiro trimestre, a receita bruta caiu 44,4%. De US$ 346,2 milhões para US$ 192,4 milhões, na comparação com o mesmo período de 2019 – os dados referentes ao quarto trimestre ainda não foram divulgados.

Os resultados também foram afetados pela desvalorização de 26% do real em relação ao dólar. O faturamento global da rede no quarto trimestre caiu 2%, de US$ 5,42 bilhões para US$ 5,31 bilhões, com lucro de US$ 1,38 bilhão. Marcelo Rabach, presidente da Arcos Dorados, enxerga ensinamentos no difícil ano passado. “Os aprendizados de 2020 renovaram o otimismo com nosso negócio”, disse. “Em 2021, seguiremos focados em garantir a segurança de nossos funcionários e clientes e em expandir nosso market share.”

Segundo dados da pesquisa de monitoramento do foodservice brasileiro, realizada pela Crest, a participação de mercado do McDonald’s no País cresceu de 37% para 39,4% entre setembro de 2018 e o mesmo mês do ano passado. Paulo Camargo comemora. “Esses dois pontos são muita coisa. Significa colocar o faturamento de um dos concorrentes para o nosso lado”, afirmou. E foram fruto de transformações realizadas desde 2018. A empresa implantou o Mc Evolution, estratégia para modernizar a marca baseada em três pilares: modernização dos restaurantes, do serviço e inovação em produtos. As medidas envolveram a reforma das então cerca de 960 unidades. Isso incluiu novos produtos, cores distintas nas lojas, uso de nova grafia (Méqui) na identificação de alguns endereços, redução do ritmo de inaugurações e adoção de uma linguagem mais coloquial entre os atendentes, com o fim do ‘fritas acompanha?’.

SEM PARAR A transformação veio embalada no que a empresa chama de 3Ds – drive-thru, delivery e digital. Por causa do isolamento social, as vendas do drive-thru cresceram 50% no período e se tornaram a principal fonte de receita. Para reforçar o serviço neste ano, a Arcos Dorados planeja ampliar o atendimento a três vias para carros em algumas unidades, após constatar melhora de 48% no tempo do serviço, puxado pela utilização de tablets e do Sem Parar, meio de pagamento automático. Nos Estados Unidos, o McDonald’s já utiliza Inteligência Artificial para ajudar o cliente na escolha. “Qualquer segundo no drive-thru pode ser considerado um carro a mais ou um a menos na fila”, afirmou Camargo. “E, quando você multiplica isso pela quantidade de restaurantes pelo Brasil, pode imaginar uma variação de milhares ou milhões de reais durante o ano.”

O delivery também faz parte do combo de serviços que ganhou força na rede. Apesar de não fazer parte do DNA do McDonald’s, de acordo com o presidente da divisão brasileira o sistema recebe atenção especial desde 2018, após a chegada de parceiros comerciais agregadores, como os serviços iFood, Rappi e Uber Eats. Apenas em 2020, o segmento apresentou crescimento de 150% e share de 14% das vendas. Isso, no entanto, não provoca pleno entusiasmo em Camargo, que revela “insatisfação diária por saber que 2% dos clientes ainda têm alguma experiência ruim com o sistema”, disse. “Temos um tremendo desafio para melhorar isso.”

O executivo sabe que o novo comportamento do consumidor é caminho sem volta. Por esse motivo outra estratégia é ampliar a atuação digital. O aplicativo do McDonald’s tem 26 milhões de usuários. Camargo vê na ferramenta uma maneira de ganhar força entre o público mais jovem. Atualmente, metade das vendas da empresa já é de alguma forma digital: por meio do delivery do aplicativo ou do totem de autoatendimento, por exemplo. “Passamos a nos comunicar com o cliente por meio do aplicativo em 2018, 2019. Esperávamos que fosse levar uns três anos para alcançar os números que obtivemos em três meses de pandemia.”

São alternativas que vêm acompanhadas de outras formas para estreitar a relação com os consumidores mais jovens. Casos do Méqui sem Fila (o usuário faz um pedido pelo aplicativo e retira na loja), do Méqui Zap (WhatsApp da marca que entre outras coisas oferece descontos) e do Méquizices (que valoriza as combinações que cada pessoa tem ao consumir produtos da rede). Camargo aponta para um movimento menos pautado em promoções. “Queremos individualizar essa conversa. A partir de agora, vamos criar um relacionamento mesmo”, afirmou. “Quer seja com informação relevante para o cliente, quer seja por programas de fidelidade que logo vão sair.”

Esse novo consumidor trará ainda um desafio que talvez seja o mais decisivo para a rede. O cardápio. Camargo diz que além de realizar “1 milhão de pesquisas” anualmente para saber o que o público quer consumir, o McDonald’s está de olho nos clientes vegetarianos e veganos, além dos que possuem outras restrições alimentares. A rede vai lançar o McPlant, hambúrguer feito de carne vegetal. Já em testes na Dinamarca e Suécia, ele ainda não tem data para estrear no Brasil.

O consultor do segmento de franchising e varejo Luiz Cury acredita no sucesso das iniciativas adotadas pelo McDonald’s. Ele afirmou que é uma questão de tempo para os consumidores se acostumarem, por exemplo, ao totem de autoatendimento disposto nas lojas e elogia respostas a novos problemas, como a criação da terceira faixa para carros no drive-thru para minimizar as “imensas filas que têm se formado nas unidades”. Cury disse que os lanches agora são preparados a contrapedido e não mais com antecedência para evitar perdas. E a questão do delivery é inevitável. “A maioria dos restaurantes passou de 5%, 6% de faturamento para 30%, 35% via delivery”, afirmou. O único senão que enxerga em relação às propostas do McDonald’s está no plano de expansão. Cury defende a abertura de unidades em cidades com 100 mil, 150 mil habitantes, e não apenas em capitais. “É possível pulverizar um pouco mais”, disse. Apesar de existir, como ele mesmo reconhece, uma barreira de entrada. O investimento mínimo em uma loja da rede, que estaria em torno de R$ 1,5 milhão. “Continua sendo muito alto para o investidor médio brasileiro.”

REFORMAS Qualquer decisão estratégica, em especial no segmento de alimentação, continuará a embutir dúvidas em relação aos desdobramentos da pandemia. Camargo acredita que as regras para aberturas e fechamentos dos restaurantes serão mantidas até que “haja uma vacina para todo mundo, o que vai levar um tempo”. Ainda assim, ele diz que a pandemia tornou mais ágil os processos na empresa. Segundo o executivo, não houve demissões entre os 50 mil funcionários porque foram adotadas as medidas que flexibilizaram as regras trabalhistas. “Esperamos que essas medidas sejam reeditadas. É a única forma de preservar empregos.” A questão, ao mesmo tempo, passa por mudanças estruturais. Camargo reforça a importância das reformas administrativa e tributária. “Nós, como qualquer outra empresa hoje, gastamos mais tempo para entender como pagar. A legislação é mutante. O sistema é arcaico”, disse. O McDonald’s sabe que não pode perder o espírito disruptivo que faz parte da empresa desde o seu nascimento. Para isso, precisa que o País acompanhe.

ACERTO DE CONTAS NA JUSTIÇA

As dificuldades enfrentadas pelo McDonald ‘s não se restringem à pandemia. No ano passado, a empresa foi condenada na Justiça do Trabalho a pagar Plano de Participação nos Resultados proporcional a 7 mil empregados e ex-colaboradores no período entre 5 de junho de 2012 e 5 de junho de 2015.

A ação foi movida em 2016 pelo Sindicato dos Trabalhadores de Hotéis, Bares, Restaurantes e Similares de São Paulo e região, que, na ocasião, acusou irregularidades nos pagamentos no período. Ao menos 3,8 mil contemplados já receberam R$ 2,6 milhões. Cada trabalhador tem direito a um valor mínimo de R$ 50 por mês trabalhado, quantia que pode chegar a R$ 1,8 mil mensais. “É um assunto já resolvido com a concordância do Sinthoresp e com a devida homologação da Justiça do Trabalho. O importante é que o PPR daquele período foi pago e que nenhum funcionário foi prejudicado, já que foi somente um tema de ausência na formalização.” Paulo Camargo, Presidente da Divisão Brasil da Arcos Dorados.