A tradicional São Paulo Alpargatas viveu os primeiros seis anos da década de 90 de nariz empinado. Arrogante, se omitiu frente aos desejos de seu consumidor, não ouviu o que os funcionários tinham a dizer, não se modernizou, apesar dos apelos da globalização e, pior, perdeu dinheiro, tirando a paciência dos acionistas. Em 1997, os controladores decidiram que era hora de mudar. Para chacoalhar a fabricante das marcas de calçados Rainha, Mizuno e Timberland e das sandálias Havaianas, era preciso buscar uma fera no mercado. Convidaram, então, Fernando Tigre, ex -Alcoa e ex-GE, para comandar a guinada. ?Os problemas se acumulavam há muito tempo?, reconhece. ?Era como cinema velho. Um dia cai o braço da cadeira, no outro o encosto rasga, até que o filme engasga na máquina?, compara. ?Quer dizer, piorava a cada dia.? Tigre virou a Alpargatas de ponta-cabeça com medidas drásticas. Fechou fábricas, se desfez de negócios e passou a tesoura nos custos. Eliminou sem receios privilégios como o luxuoso restaurante da diretoria, na sede paulista, os serviços de garçons ? mordomia em tempo integral para os altos executivos ? e os dois carros importados a que cada diretor tinha direito. Hoje, só os vendedores e gerentes de vendas, que rodam o Brasil inteiro, podem usar carros da empresa.

A mudança de rumos capitaneada por Tigre refletiu nos números que a equipe dele apresenta com orgulho. ?A companhia vinha perdendo dinheiro, tinha um endividamento alto e não encontrava alternativas?, resume Francisco Cespede, diretor-financeiro. ?Hoje, a Alpargatas está saneada.? Do prejuízo de R$ 26 milhões de 1996, passou para um lucro de R$ 50 milhões no ano passado. Nos primeiros nove meses de 2000, a Alpargatas já ostenta um lucro de R$ 47,5 milhões. O nível de endividamento de quatro anos era o dobro do caixa da empresa. Hoje, a dívida é de R$ 73 milhões, enquanto o volume financeiro disponível em caixa chega a R$ 76 milhões. O faturamento da companhia é ascendente: em 1999, foram R$ 586 milhões. De janeiro a setembro deste ano, a receita bruta bateu na casa dos R$ 500 milhões. Detalhe: no ano passado, o último trimestre representou 60% das vendas. Traduzindo, as expectativas para o encerramento deste ano são otimistas.

Para trazer a Alpargatas à tona, Tigre, carioca de 56 anos, impôs seu estilo. Dono de um temperamento forte, trabalha pelo menos 12 horas por dia e costuma falar alto. Chega a ser obsessivo com números. ?Meu objetivo é dinheiro, muito dinheiro e, se possível, mais dinheiro?, afirma. ?Dou autoridade, autonomia, mas cobro resultados.? Em 1997, a credibilidade em baixa da companhia repercutia no chão da fábrica. ?Os empregados iam trabalhar como se já tivessem perdido de cinco a zero?, afirma. Para reverter o pessimismo, passou a se reunir com os funcionários ? e não somente com diretores ? e criou um canal direto de comunicação, via correio eletrônico, com todos os empregados. De 1997 para cá, Tigre reduziu o quadro de pessoal de 14 mil para 10.500, mas o nível de satisfação melhorou. Em 1998, esse índice era de 55% (ou seja, 55 entre 100 empregados estavam satisfeitos) contra 59% do setor. Hoje, na Alpargatas, o nível é de 65% e no mercado, 60%.

Para recuperar a rentabilidade da Alpargatas, Tigre também cerrou as portas de duas das 12 fábricas da companhia, encerrou contratos de licenciamento com a Polo Ralph Lauren e a Fido Dido, fechou a cadeia de lojas Jeanaration e parou de produzir as camisas Arrow. ?Nós nos concentramos nos negócios mais rentáveis?, explica. Deu certo. Nos últimos três anos, as vendas de tênis das marcas da Alpargatas saltaram de 10 milhões para 12 milhões anuais. No caso das sandálias Havaianas, 100 milhões de pares foram vendidos em 1999. ?Um pouco mais e a gente chega a 170 milhões, o tamanho da população brasileira?, brinca Tigre. Para ampliar o mercado de atuação da Alpargatas, ele mudou a estrutura de gestão da empresa, instalando cinco unidades de negócios ? de artigos esportivos, sandálias, calçados Timberland, Megashop (cadeia própria de 19 lojas de desconto) e lonas e coberturas. ?Antes, a empresa era administrada por diretores de áreas diferentes, de marketing, vendas etc. Os executivos não falavam a mesma lingua?, avalia. ?Eles eram tão arrogantes que não procuravam se entender e nem saber o que o consumidor queria.? Hoje, a equipe de Tigre, na briga por mercado, sabe rugir em alto e bom som.