No escuro da crise, há gente pensando o impensável: e se o Brasil voltasse a lançar mão da energia nuclear? Na semana passada, em entrevista à DINHEIRO, o engenheiro Ronaldo Fabrício, ex-presidente de Furnas e da Nuclen, pôs a questão em voz alta. ?O governo deveria determinar a retomada imediata de Angra 3?, disse ele. ?Temos a sexta reserva mundial de urânio, o projeto está aprovado pelo Ibama e há US$ 750 milhões em equipamentos empacotados ao custo de US$ 600 mil por ano em conservação.? Se fosse apenas a voz isolada de um velho lobista do setor ? Fabrício é conselheiro da associação para o desenvolvimento da energia nuclear ? essa pregação não mereceria maior atenção. Mas o fato é que Fabrício não está sozinho. Há duas semanas, ninguém menos do que o presidente dos Estados Unidos garantiu que as usinas atômicas terão ?um papel importante? no futuro energético americano. No contexto de uma grave crise energética que causa apagões na Califórnia e medo em Nova York, os americanos estão redescobrindo o óbvio: que embora não se erga uma usina nuclear no País desde 1978, 20% da sua energia elétrica vem das 103 plantas em atividade. E que essa energia, embora polêmica, é barata, confiável e tem se mostrado segura. Logo, parece haver um futuro para os geradores de urânio, dentro e fora dos EUA e, talvez, no Brasil.

?Para a conclusão de Angra 3 seriam necessários US$ 1,7 bilhão?, diz Fabricio. ?E o custo da energia gerada seria de R$ 54 kW/hora, contra R$ 95 nas térmicas que queimam gás natural.? Estas contas não encontram eco no interior da comunidade de especialistas. O professor Maurício Tomalsquin, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, tem números abundantes para mostrar que o histórico das usinas nucleares brasileiras não recomenda confiança. Angra 1, por exemplo, deveria ter sido concluída em 1977 mas foi entregue a Furnas apenas em 1984. Desde então, tem estado mais parada do que operando, e só conseguiu produzir 28% da energia que deveria ter entregue ao sistema. Tomalsquin diz que existe somente uma usina no mundo, na Índia, com performance pior. Já Angra 2, que deveria ter entrado em operação em 1995, foi entregue no ano passado ao custo de quase US$ 6 bilhões, mais que o dobro do previsto. Logo, diz o professor carioca, não se deve tomar ao pé da letra a afirmação de que erguer Angra 3 custaria US$ 1,7 bilhão. ?Pode facilmente ser US$ 3 ou US$ 4 bilhões?, diz ele.

Mesmo nos Estados Unidos, onde está em curso uma espécie de renascimento nuclear, ainda existem reservas quanto à viabilidade prática dessa retomada. É fácil fazer lucro com uma usina velha e já paga, mas gerar dividendos com uma nuclear nova não é tão simples. As plantas atômicas demoram 10 anos para serem erguidas e custam cerca de US$ 5 bilhões. Os investidores têm de ter bolsos bem fundos para esperar 10 anos pela conclusão de uma obra. Além disso, há uma grave incógnita ambiental em torno dos resíduos radioativos produzidos pelas usinas, que levam 100 mil anos para tornar-se menos letais.

?Fora dos Estados Unidos, a energia nuclear está em recuo em toda parte?, afirma o professor Tomalsquin. Como os Estados Unidos não são pequenos, e nem é pequena a sua influência mundial, a boa performance econômica das geradoras nucleares americanas pode influenciar empreendedores em outros países e sensibilizar outros governos. Afinal, as fontes fósseis de energia estão se tornando mais caras e a importância das chamadas fontes alternativas ainda é relativamente pequena (veja quadros). E a energia nuclear, embora banida recentemente na Alemanha, ainda tem enorme importância em países como França e Suécia. Logo, é provável que não exista futuro para a energia nuclear no Brasil, que dispõe de várias outras fontes de energia. Mas já não é tão certo que não haja futuro para a energia nuclear no resto do mundo. O fantasma está de volta e não assusta tanto.