O sol ainda nem nasceu e o ônibus velho, sujo do pó da terra vermelha da região de Ribeirão Preto (SP), segue rumo ao campo carregando cerca de 30 bóias-frias. São seis horas da manhã e os trabalhadores se preparam para mais uma jornada na safra de cana-de-açúcar. A maioria tem de pular da cama por volta das 4h30 e só volta para casa no fim do dia. Mas ninguém reclama. Afinal, é nesta época do ano que a população de municípios como Sertãozinho ? maior produtor de açúcar e álcool do mundo, distante 20 quilômetros de Ribeirão Preto ? muda sua rotina e transforma o verde dos canaviais em dinheiro. A cultura da cana funciona como fonte de energia para a economia da região, sendo responsável por 42 mil empregos no campo e mais 30 mil nas usinas. Em 1999, a produção do Estado de São Paulo foi de 194 milhões de toneladas de cana, equivalentes a R$ 5,7 bilhões em produtos finais. Esse setor do agribusiness movimentou US$ 8,65 bilhões no Estado no ano passado, levando-se em conta máquinários e insumos agrícolas. Os paulistas são responsáveis por 70% da cana plantada no País, o que coloca o Brasil como o principal produtor e exportador de açúcar do planeta: foram 18,4 milhões de toneladas em 1999, metade para o mercado internacional.

A primeira a descer do ônibus é a franzina Maria Rita Ferreira Magalhães, de 55 anos. Ela amola o podão (facão usado no corte da cana) e, em seguida, veste o ?uniforme de guerra?: panos e mais panos coloridos, da cabeça aos pés, para proteger do sol e da fuligem que sobra da queima do canavial. Essa rotina que se repete há 21 anos na vida desta senhora, nascida em Minas Gerais, é revelada nas marcas que o tempo e o trabalho esculpiram em seu rosto. ?Meu corpo já reclama do cansaço, mas enquanto tiver saúde quero continuar trabalhando e juntar meu dinheirinho?, diz. Graças às toneladas de cana cortadas em mais de duas décadas, ela construiu a casa onde mora e criou oito filhos.

Maria Rita é uma das 600 mil pessoas que todos os anos se embrenham nos canaviais do interior paulista à caça de sustento. A atividade muda o cotidiano da região e faz surgir, diariamente, pequenos negócios nas imediações de Ribeirão Preto. Bares, restaurantes, prostíbulos e barracas ambulantes proliferam nas esquinas. É um mundo diferente que se forma a cada safra, capaz de fortalecer o comércio local e produzir até os primeiros ?heróis? nativos, como o ?Furacão da Cana? José Fernando da Silva. Ele é o campeão de corte na Usina Santa Elisa, com a marca recorde de 18 toneladas/dia. A média de corte de um trabalhador fica entre 9 e 10 toneladas diárias. Silva não acompanha o noticiário na tevê e não tem idéia do que acontece no País. Mas quando o assunto é o preço da cana, o ?furacão? fica atento. ?Ganho de acordo com o que corto. E é nesta época que a gente lucra mais.?

As toneladas de cana que Silva e seus pares cortam todos os dias, apesar de importantes, já não representam o mesmo que no início da década passada para a região de Ribeirão Preto. Segundo levantamento da Unica (União da Agroindústria Canavieira de São Paulo), de 1992 até o ano passado o crescimento de produção não acompanhou o de outras regiões como Presidente Prudente e Franca, que vêm se destacando na atividade. No caso de Ribeirão Preto, os usineiros estão especialmente apreensivos nesta temporada. Ao mesmo tempo em que levam as mãos ao céu ? fazendo promessa para que São Pedro mande um pouco de chuva ?, acompanham dia a dia as cotações internacionais. As atenções dos produtores estão divididas porque, por um lado, já se sabe que a seca vai comprometer em pelo menos 20% a safra de 2000. Por outro, os estoques internacionais dos produtos derivados da cana vêm diminuindo e os preços começam a se recuperar. ?O produtor que tiver capital de giro não deve fechar seus contratos de venda agora, principalmente os de exportação. Deve negociar preços melhores?, diz Maurilio Biagi Filho, dono da Usina Santa Elisa, de Sertãozinho. Biagi teme que até o fim da safra, em novembro, as perdas na produção superem os 25%, um número histórico. Por isso ainda não dá para comemorar a recuperação dos preços.

A queda dos preços internacionais nos últimos anos ? o valor histórico da tonelada de açúcar era de US$ 243 e hoje não passa de US$ 110 ? desanimou os usineiros e os levou a investir em outras culturas. Alguns tentaram encontrar alternativas na própria cana, como a Usina Vale do Rosário, em Orlândia (a 80 km de Ribeirão), que alimenta 5 mil cabeças de gado com ração produzida a partir do bagaço da cana. Esse subproduto também gera energia elétrica, sendo que algumas usinas já vendem para distribuidoras (como a CPFL). Os restos de cana podem ser usados ainda em adubos e produção de celulose. Existe até usina que este ano vai transformar canaviais em plástico biodegradável. A mais incrível possibilidade foi desenvolvida por um pesquisador da Unicamp, de Campinas (SP): descobriu na cana uma fórmula para fazer diamantes. Até a Nasa se interessou pelo projeto. É a altíssima tecnologia de olho na planta abatida pelo rudimentar podão de Silva e Maria Rita.