Os quinhentos prefeitos que desembarcaram em Brasília na semana passada deram uma aula prática de como acumulam dívidas e aplicam indevidamente o dinheiro da arrecadação das prefeituras. De dia circularam pela Esplanada dos Ministérios e pelo Congresso Nacional. À noite, porém, o principal ponto de encontro do pessoal estava longe dos endereços oficiais. O local preferido nesse caso era a StarNight, uma casa de garotas de programa repletas de ?Capitus?, a garota de programa personagem da novela das oito. Lá eles se entregaram ao prazer de gastar o dinheiro do contribuinte. Somente o ingresso no estabelecimento custa R$ 40. Para sair com uma das meninas paga-se muito mais. O preço varia de R$ 100 a R$ 150, dependendo do poder de barganha do cliente.

 

No ambiente enfumaçado da boate, os prefeitos deslumbravam-se com a beleza das meninas, algumas com corpo e pinta de modelo. Elas usavam sapatos com saltos plataforma, calças muito justas e cabelos oxigenados. O som era de arrasar: o melhor e o pior da música caipira.

Com garrafas de uísque espalhadas pelas mesas, não é difícil imaginar quanto cada político gastou na noite da Capital. Eles não chegavam sozinhos. Um grupo atravessou a boate em fila indiana, formando um trenzinho de engravatados que desfilavam para as meninas do StarNight. Outro, liderado pelo prefeito de São Bento do Norte, do Rio Grande do Norte, Ademir Elias de Moraes, andava trôpego pelo salão. Havia os que preferiam uma coisa assim mais intimista, à meia luz, em pequenos sofás estrategicamente dispostos para permitir a troca de sussurros. Homem e mulher só entravam juntos após uma advertência dos leões de chácara: ?Aqui não é boate e sim uma casa de garotas de programa.?

Antes das generalizações é bom deixar claro dois pontos. Primeiro: nem todos que estavam na boate eram prefeitos. Segundo: nem todos os prefeitos que desembarcaram em Brasília passaram pela StarNight. Lá também podiam ser encontrados parlamentares do chamado baixo clero, assessores e jovens que estreavam na vida mundana da Capital. Mas os prefeitos compareceram. Outros preferiram um programa mais sofisticado. Um deles, de uma cidade paranaense, optou por um jantar com assessores no restaurante Piantella, o mais famoso entre os políticos da Capital. Salgada mesmo foi a conta: R$ 200. ?Eles fizeram do Piantella uma feira de Caruaru?, disse Marco Aurélio Costa, dono do restaurante. Outros preferiram os restaurantes da rede Francisco, cujo cardápio varia de picanha a pirarucu na brasa, passando pelo bacalhau ao forno. ?Nossas oito casas estiveram lotadas quase todo o tempo?, informou à DINHEIRO um gerente da rede. No mais famoso deles, o da Asa Sul, pelo menos 50 prefeitos jantaram em uma única noite. Outra filial da rede, o Francisco da Asbac, o clube dos funcionários do Banco Central, localizado às margens do Lago Paranoá, teve seus 113 lugares ocupados durante os dias em que os prefeitos permaneceram em Brasília.

 

?Diária prefeitura?. A ironia é que apenas 500 dos 3 mil prefeitos endividados, que dizem precisar de 5 bilhões de reais, proporcionaram um sopro a mais na rica economia brasiliense. Os hotéis de cinco, quatro e três estrelas estiveram abarrotados. Durante a estada em Brasília, a maioria dos prefeitos preferiu não se identificar como gestor público, mesmo pagando a conta com o dinheiro da Viúva. Outros colocavam a profissão na entrada. No Hotel Nacional, criou-se a ?diária prefeitura?, ao preço de R$ 120 para solteiro e R$ 140 para acompanhados, uma inovação que permite que o público e o privado se misturem em um só negócio. ?Somente dez prefeitos conseguiram a diária prefeitura, mas o restante, como chegou em cima da hora, pagou mais?, diz o gerente do hotel. Nos hotéis, os políticos de passagem aproveitaram os serviços de quarto. Pediram vinhos e jantares, engordando o preço da conta. ?A movimentação ajudou os negócios dos hotéis por aqui. Seria bom se eles viessem sempre?, comentou o gerente de um dos hotéis escolhidos pelo grupo dos 500 prefeitos. Na quarta-feira, o presidente da Confederação Nacional dos Municípios, Paulo Ziulkoski, almoçou com mais de 20 prefeitos em um restaurante a seis reais o quilo. O exemplo não foi seguido. Os políticos municipais, em sua grande maioria, preferiram o restaurante da Câmara ou os outros mais sofisticados espalhados pela cidade. Durante o dia, os 500 prefeitos pressionaram parlamentares e ministros pelo adiamento da vigência da Lei dos Crimes Contra Finanças Públicas, aquela que pune com prisão o governante inconseqüente que gasta mais do que a própria receita permite, ferindo a Lei de Responsabilidade Fiscal. Na crença de que a conta acaba mesmo sempre com a Viúva, na semana passada conseguiram a primeira vitória: a Lei de Crimes contra as Finanças Públicas passa a vigorar a partir de 19 de outubro. Como a lei fora promulgada nesta data, estariam salvos da prisão os prefeitos que se locupletaram durante o período eleitoral. ?Não existe crime retroativo?, explicou o presidente da Câmara, Michel Temer. Só não estouraram a champanhe para a comemoração porque ainda pretendem cobrar da Viúva uma divida de 5 bilhões de reais, que é o total devido pelas 3 mil prefeituras.

Colaborou Estela Caparelli