Desde que aceitou embarcar no projeto político conservador do ainda presidenciável Jair Bolsonaro, o economista Paulo Guedes se destacou por traçar metas que pareciam ousadas demais ao Brasil de hoje. A criação de um superministério da Economia foi encarada com ressalvas entre seus antecessores. Nas contas dos analistas, parecia bem improvável a hipótese de zerar o déficit fiscal no primeiro ano. Agora, o que está em jogo é a viabilidade da redução de gastos com a reforma da Previdência, de R$ 1 trilhão em dez anos. Enquanto os parlamentares antecipam mudanças no texto, o mercado tenta estimar a economia possível de ser alcançada após as alterações no Congresso. Como nas metas anteriores, importa mais a tendência sugerida por Guedes e não tanto se o resultado será atingido por completo. Desde que o ministro esteja no cargo para apontar a direção.

Na terça-feira 26, Guedes titubeou ao se ausentar de uma audiência na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), primeiro passo da tramitação da reforma na Câmara. Com a desistência do ministro, o dólar inverteu a trajetória de queda e passou a subir, até terminar cotado a R$ 3,86. No dia seguinte, ele se redimiu e compareceu à Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado. Em vez de alívio, uma nova surpresa. A Bolsa fechou em baixa de 3,57%, a maior queda desde a greve dos caminhoneiros, em 28 de maio de 2018. A retração foi acentuada pelo risco-Guedes, já aventado na campanha, de que o economista não aguentaria muito tempo no cargo. “Estou aqui para servi-los, se ninguém quiser o serviço, terá sido um prazer ter tentado”, afirmou aos senadores. “Não tenho apego ao cargo, mas não terei irresponsabilidade de sair na primeira derrota.”

Suor frio: depois de faltar a uma audiência na câmara (acima, protesto de deputados), Guedes encarou os senadores e sugeriu que pode deixar o cargo (Crédito:Fátima Meira/Futura Press)

Na verdade, o chefe da economia sofre uma derrota atrás da outra. Na quarta-feira 26, o Congresso aprovou um projeto que reduz ainda mais a margem de manobra do Executivo sobre o Orçamento, na contramão da desvinculação pregada pelo ministro. O texto foi aprovado por ampla maioria (448 votos) e precisa agora ser apreciado pelo Senado. A ameaça de Gudes em deixar o cargo demonstrou a irritação dele com os deslizes da articulação política, um cenário reconhecido até por membros do partido do governo. “Sou um soldado na guerra, tenho compromisso com o presidente, mas é preciso ter a arma, a logística, a munição”, afirma o líder do governo no Senado, Major Olímpio (PSL-SP). “Hoje não temos essa articulação ainda.” Olímpio reclama, por exemplo, da falta de orientação do Executivo sobre o projeto votado de forma relâmpago na Câmara na quarta-feira 26.

Para aprimorar a interlocução no Congresso, o governo precisa começar pelo próprio partido. Dentro do PSL, o apoio à reforma da Previdência ainda não é um consenso claro, o que vem contaminando as outras siglas. Passados 15 dias, o presidente da CCJ, deputado Felipe Francischini (PSL-PR) não indicou ainda um relator para o texto. O presidente também tem mandado sinais ambíguos e contribuído para a elevar a temperatura no embate com o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ). Num novo bate-boca, Maia pediu para Bolsonaro parar de “brincar de presidir o Brasil” e citou os 12 milhões de brasileiros à espera de respostas contra o desemprego. “O clima está difícil. Estamos longe de um consenso”, afirmou o ex-presidente do Banco Central, Armínio Fraga, após apresentar seu projeto de reforma administrativa num evento da FGV e da consultoria Oliver Wyman, em São Paulo. “O governo vai ter de mobilizar toda a sua energia e capital político para conseguir esse resultado, que precisa ser impactante porque nossos problemas são enormes. Tem de fazer política com ‘p’ maiúsculo”.

O drama do desemprego: cerca de 15 mil pessoas compareceram ao centro de São Paulo, na terça-feira 26, para concorrer a vagas de emprego. Sem a aprovação da reforma da Previdência, as contratações vão seguir em ritmo lento (Crédito:Divulgação)

Ao lado de outros 12 partidos, o Democratas sinalizou ser favorável à reforma desde que não haja mudanças nos benefícios rurais e na regra que torna mais dura a aposentadoria para idosos miseráveis (BPC). O grupo é composto por 291 deputados. Na audiência do Senado, Guedes admitiu os dois pontos como passíveis de mudança, mas reiterou a meta de alcançar R$ 1 trilhão. “Os dois temas fizeram o governo largar atrás na batalha da comunicação”, afirma Efraim Filho (DEM-PB). “Com a retirada deles, pode recuperar espaço.” Parlamentares da base reconhecem que o projeto do governo é o ideal, e não o possível. “Tenho a convicção que aprovaremos, mas os termos, as regras, a idade da mulher no campo serão temas de discussão acalorada”, afirma Olímpio. Paulo Tafner, especialista em Previdência, estima que os dois temas rejeitados na carta elaborada pelos partidos sejam responsáveis por uma economia de R$ 100 bilhões. “Acho um equívoco tirar o BPC e o rural.”

MILITARES A revisão de regras para os militares também já não ajudou. A redução de despesas, de R$ 97,3 bilhões em dez anos, foi praticamente anulada pelos aumentos propostos no ajustes para a carreira. A economia líquida passou a apenas R$ 10,45 bilhões no período. Foi mais uma derrota de Guedes. Segundo apurou DINHEIRO com fontes da equipe econômica, embora reconheça a necessidade de ajuste nas carreiras, o sentimento do grupo é de que o projeto de reajuste dos militares não deveria ser atrelado às alterações nas regras para a reserva. O esforço da equipe agora se concentrará em aumentar a potência da reforma dos no Congresso, ampliando, por exemplo, a alíquota de contribuição da categoria. Outro ponto de desconfiança no mercado é o já aventado pelo presidente, de reduzir de 62 para 60 anos a idade mínima para as mulheres.

É esperado que um tema tão amplo e complexo como a Previdência sofra mudanças no Congresso, como ficou claro na reforma do governo Temer. As revisões diminuíram a economia esperada para o período de dez anos dos cerca de R$ 850 bilhões iniciais para R$ 550 bilhões, segundo cálculos do Itaú Unibanco. “Se tivesse aprovado a reforma do Temer, era um valor menor, mas já ia ser muito bem recebida”, afirma Bernard Appy, ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda. “O erro foi ter colocado um número mágico de R$ 1 trilhão.”

Armínio Fraga, ex- presidente do Banco Central: “O clima está difícil. O governo vai ter de mobilizar toda sua energia e capital político.” (Crédito:Daryan Dornelles/Folhapress)

No mercado, a maioria das projeções do PIB incluem a aprovação da reforma neste ano. Para a 4E Consultoria, as desidratações devem gerar uma economia entre R$ 350 bilhões e R$ 500 bilhões. Para Tafner, o ideal é que a economia fique acima de R$ 800 bilhões, mesma visão compartilhada pelo banco UBS. “Abaixo disso será bom, mas colocará o País numa trajetória complicada”, afirma Tafner. “Teremos de fazer muito mais coisas e muito mais rápido para reverter o déficit primário estrutural.”

O rombo das contas públicas está hoje em 1,7% do PIB. Para conter a trajetória de crescimento da dívida, o País precisa de um superávit próximo de 3,4% do PIB. Daí a razão para o tema ser apontado como essencial para destravar investimentos. Sem a reforma, empresários temem aumento da inflação e baixo crescimento. Relutam, portanto, em tomar decisões e fazer contratações. Enquanto isso tornam-se comuns cenas como o mutirão de 15 mil desempregados que tomou o Vale do Anhagabaú, no centro de São Paulo, na terça-feira 26, em busca de vagas.