Quanto ganha o presidente da sua empresa? E os demais diretores executivos e conselheiros da administração? A remuneração dos executivos, um tabu no meio empresarial brasileiro, deixou na semana passada de ser um segredo guardado a sete chaves pela alta cúpula das organizações e pelos caçadores de talentos, os headhunters.

 

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Na quarta-feira 30, venceu o prazo para que as companhias abertas divulgassem esse tipo de informação no novo Formulário de Referência, um documento obrigatório criado pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM) para aumentar a transparência na gestão das empresas que captam recursos junto ao público.
 

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“A abertura dos salários poderá criar problemas na relação entre diretores e conselheiros” 
Marcelo Mariaca, consultor em recursos humanos

Como é comum em alguns países desenvolvidos, o Brasil ficou conhecendo alguns dos supersalários. Supondo-se que o maior valor pago seja recebido pelo presidente da diretoria, José Antonio Grabowsky, da PDG Realty, ganhou R$ 7,2 milhões em 2009. Edemir Pinto, da BM&FBovespa, levou R$ 5,4 milhões para casa.
 

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“Os sindicatos vão usar essas informações nas próximas negociações salariais” 
Paulo Pereira da Silva, deputado ligado à força sindica

José Sérgio Gabrielli, da Petrobras, recebeu R$ 975 mil. A revelação de cifras como essas está causando rebuliço nos mercados e marca o início de uma revolução nos hábitos e costumes corporativos no Brasil, com implicações positivas e negativas em várias esferas do mundo dos negócios.
 

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“Quanto maior a transparência, maior será a atração de capital pelas companhias abertas” 
Alexandre di Miceli, especialista em governança

O Brasil estava entre os países com menos informações disponíveis sobre os supersalários. Sabia-se apenas o valor global gasto anualmente com a diretoria e o conselho de administração das empresas abertas. Desde janeiro, em cumprimento à Instrução 480 da CVM, elas têm de detalhar as políticas de pagamentos e os valores recebidos pelo grupo de administradores, separando remuneração fixa e variável.

A transparência ainda não é total e individualizada, como acontece nos Estados Unidos, na Alemanha, na França e no Reino Unido. Sabe-se, por exemplo, que o maior salário pago a um executivo americano (Lawrence Culp Jr.) foi de US$ 141 milhões e que o bilionário Warren Buffett tirou apenas US$ 100 mil de remuneração da Berkshire Hathaway em 2009.
 

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“O investidor tem o direito de saber quanto a empresa onde ele investe paga a seus executivos” 
Maria Helena Santana, presidente da CVM
 

Aqui, a xerife do mercado de capitais queria dar nome aos bois, mas a reação contrária dos empresários e executivos foi muito grande. Os opositores da medida alegaram motivos de segurança e direito à privacidade e a CVM aceitou um meio-termo na elaboração da norma. As companhias devem informar o maior salário, o menor e o médio, tanto na diretoria como nos conselhos fiscal e de administração. É uma maneira indireta de mostrar quanto ganham os presidentes executivos, supostamente os donos dos maiores contracheques e bônus, e os presidentes dos conselhos. São informações preciosas para os donos do capital. “Os acionistas estavam mal informados.
 

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Nas ruas: a crise de 2008 colocou em xeque o modelo de remuneração voltado para o curto prazo
 

Agora poderão comparar valores e decidir se os parâmetros de remuneração das empresas são desejáveis ou não”, afirma Maria Helena Santana, presidente da CVM. “Quem capta recursos junto ao público ou ocupa cargos públicos precisa ser transparente”, defende ela, que ganha R$ 11.179,36 mensais. 

De posse das novas informações, os investidores e os analistas poderão fazer estudos e comparações entre o dinheiro pago aos executivos e o desempenho das companhias. Poderão esmiuçar suas políticas de recursos humanos e descobrir aspectos da governança corporativa fundamentais para o futuro da empresa.

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Verão se as estratégias de longo prazo poderão ser afetadas por objetivos de curto prazo dos administradores e se estes estão mais interessados em bônus trimestrais do que em resultados anuais. Decisões de investimento ou venda de ações e títulos de dívida poderão ser tomadas a partir da análise dos números, com influência nas cotações em bolsa e no valor de mercado.

“Tudo vai ficar mais claro, escancarado”, afirma o especialista Alexandre Di Miceli da Silveira, autor do livro Governança Corporativa no Brasil e no Mundo (Campus). “As empresas terão de revelar sua política de remuneração e os investidores terão certeza sobre os sistemas de incentivo dos administradores.

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Quanto mais transparência, maior é a atração do capital pela companhia.” Há outros impactos importantes. Negociações trabalhistas, contratações de executivos, ambiente de trabalho e até a competitividade das companhias são questões que podem ser afetadas pela prática de maior transparência na remuneração dos diretores e conselheiros.

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Os sindicatos de trabalhadores poderão usar dados de aumentos recebidos pelos executivos em suas tratativas salariais. “Com certeza essas informações vão servir de argumento nas negociações”, diz o deputado federal e líder sindical Paulo Pereira da Silva.
 
A divulgação dos números pode criar mal-estar até mesmo na cúpula das empresas, pois os executivos com menores pagamentos poderão se sentir prejudicados. O equilíbrio de poder baseado no sigilo das informações está ameaçado. “Os dados vão interferir nos relacionamentos de diretores e conselheiros.

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Sua publicação gera perguntas do tipo ‘Será que isso não vai ser usado por alguém contra mim?’, afirma o consultor de recursos humanos Marcelo Mariaca. Segundo ele, pode haver conflitos dentro das equipes e das famílias. “Estamos caminhando para maior transparência das empresas, mas nesse caminho iremos enfrentar problemas e dilemas.”

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No fundo, em maior ou menor grau, todos as  partes relacionadas – os chamados stakeholders, como funcionários, clientes, fornecedores, órgãos governamentais e ONGs – poderão usar essas informações para defender seus interesses junto às companhias.

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Até a meia-noite da quarta-feira 30, 392 empresas já haviam enviado à CVM as informações em formato de texto ou pdf e 111 o fizeram por meio eletrônico. Dezenas de empresas se recusaram a fornecer os dados referentes aos salários máximos de diretores e conselheiros.

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Para isso, valeram-se de uma decisão liminar concedida ao braço carioca do Instituto Brasileiro de Executivos de Finanças (Ibef) pela Justiça do Rio de Janeiro. Nomes como AmBev, Oi, Santander, Itaú Unibanco, Souza Cruz, Suzano, OGX, Coteminas e Pão de Açúcar, entre outros, preferiram proteger os dados de seus executivos.

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“Estamos importando algo dos Estados Unidos que não é parte da nossa cultura. Lá é bem-visto você expor a sua remuneração. Aqui, essa exposição pode ser usada de várias maneiras e de formas muito negativas. Essa informação ficará disponível na internet por três anos”, afirma José Roberto de Castro Neves, advogado do IBEF-RJ.

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A maior queixa é a insegurança gerada nas famílias em um País com altos índices de criminalidade. “Essa divulgação é uma exposição muito grande do executivo”, diz Antonio Castro, presidente da Associação Brasileira das Companhias Abertas (Abrasca).

Essa não é uma opinião unânime entre os defensores da transparência, como o Instituto Brasileiro de Governança Corporativa. “A preocupação com a segurança não é uma desculpa válida. Há outros sinais de riquezas externas que expõem muito mais os executivos , como andar de Maseratti ou Ferrari”, afirma Heloisa Bedicks, superintendente-geral do IBGC.

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Antes que sejam superados os primeiros traumas da nova transparência nos salários, os analistas e pesquisadores trarão à luz questões ainda mais delicadas para o dia a dia dos executivos brasileiros. De suas respostas podem depender a permanência no cargo e o nível dos pagamentos. Os salários pagos por determinadas empresas são compatíveis com a realidade de mercado? Os executivos mais bem pagos têm melhor desempenho?

As empresas que remuneram melhor têm lucros compatíveis com essa política? Os resultados são sustentáveis com o tempo? Não se pode esquecer, neste debate, que um dos maiores problemas nos Estados Unidos e na Europa na crise de 2008 e 2009 foi um sistema de incentivos que privilegia a obtenção de ganhos de curto prazo – metas trimestrais de vendas, margens de ganho e valorização em bolsa – no pagamento de bônus, em detrimento de políticas sustentáveis de longo prazo.

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Essas práticas estimulam a formação de bolhas, que resultam em tragédias econômicas de grandes proporções. Pagar bem aos executivos não é um problema, diz Heloisa Bedicks. “O problema não é pagar muito, é pagar caro a um administrador que está levando uma empresa à falência”, afirma. Dick Fuld, presidente do banco Lehman Brothers, pivô da crise de Wall Street, recebeu US$ 300 milhões em bônus nos oito anos anteriores à quebra.

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Um estudo da Watson Wyatt com 234 empresas no País mostrou no ano passado a forte concentração nos resultados de curto prazo (veja quadro à pág. 68). Nos 12 meses da pesquisa, terminada em maio de 2009, os presidentes receberam 10,6 salários a mais, em média, em forma de bônus.

Já em incentivos de longo prazo, como opções de compra de ações, os presidentes receberam 7,8 salários. Detalhe: apenas 84 empresas (35%) possuíam políticas de compensações de longo prazo, das quais 88% eram multinacionais. Há muito, portanto, o que se avançar nesse ponto no Brasil. A revolução dos supersalários está apenas começando.

Colaborou Denize Bacoccina