Quem entra em uma boutique da maison Cartier não quer apenas escolher um relógio ou uma joia que pode custar uma pequena fortuna. Quer viver uma experiência: conhecer os lançamentos, ver modelos clássicos e entender o que a tradicional marca de luxo francesa tem a oferecer. O consumidor brasileiro, em especial, gosta de passar algumas horas sendo atendido pela equipe antes de sair com um produto guardado em uma chamativa embalagem vermelha. Essa experiência parece impossível de ser reproduzida em um ambiente digital. Mas a Cartier vem mostrando que o desempenho do e-commerce, lançado poucos meses antes da chegada da pandemia ao Brasil, está superando as expectativas.

“Nós já percebíamos um crescimento mês a mês tanto de visitas quanto de vendas desde o lançamento da plataforma, em setembro de 2019”, disse Maxime Tarneaud, gerente-geral da Cartier no Brasil. “É claro que quando todas as boutiques fecharam, em março de 2020, esse crescimento foi ainda mais acelerado.” A empresa não revela os valores, mas confirmou à DINHEIRO que o faturamento do e-commerce já superou o que era previsto para o quinto ano de operação. Segundo Tarneaud, esse resultado está relacionado à abordagem que vem sendo oferecida aos clientes. Além da loja on-line, a plataforma apresenta conteúdos adicionais, que vão de imagens das campanhas publicitárias a vídeos que mostram os bastidores da confecção das peças.

Uma central de relacionamento fica disponível para eventuais dúvidas sobre os produtos. Há ainda uma série de mimos aos clientes. Em São Paulo, por exemplo, é possível receber as compras em até três horas, e as jóias, relógios e outros produtos são entregues nas tradicionais caixas vermelhas. A estratégia, agora, é personalizar ainda mais o atendimento. A grife já oferece um acompanhamento pós-venda, mas quer enviar, por exemplo, convites para eventos presenciais aos clientes — assim que eles voltarem a ser realizados.

ANALÓGICO NO DIGITAL O relógio Panthère é um dos clássicos à venda no site. Em apenas 24 meses, vendas bateram as metas projetadas para cinco anos. (Crédito:Divulgação)

O ambiente on-line oferece uma vantagem óbvia: a expansão geográfica além das lojas físicas. Atualmente, a Cartier possui apenas duas boutiques, ambas em São Paulo, nos shoppings Iguatemi e Cidade Jardim. Além delas, há 18 concessionárias que vendem uma seleção de produtos da marca em cidades como Belo Horizonte, Curitiba, Fortaleza, Porto Alegre e Recife. Para qualquer cliente fora dessas praças, a solução era viajar até uma unidade. Isso mudou. O e-commerce também derrubou o receio que alguns consumidores tinham de entrar na loja.“As pessoas tendem a achar que não podem ir a uma boutique da Cartier e não comprar nada. É importante entrar e conhecer”, disse Tarneaud.

A chegada de novos clientes elevou o tíquete médio das compras. Sem gastar com viagens, muitos decidiram investir em joias. “São produções icônicas que transmitem muita segurança”, disse Tarneaud. “Nas grandes crises, as marcas mais tradicionais resistem melhor. E a Cartier mostrou resiliência durante a pandemia não apenas no Brasil, mas no mundo.”
O canal adicional de vendas tem contribuído para o bom desempenho financeiro da Cartier. A joalheria francesa vem subindo posições na lista de marcas mais valiosas do planeta elaborada pela revista Forbes e divulgada anualmente. Com valor de mercado estimado em US$ 12,2 bilhões e US$ 6,2 bilhões de receita, a Cartier ocupa hoje o 56º lugar no ranking, à frente de Porsche e Rolex. É a principal marca do conglomerado de luxo Richemont, o quarto maior do mundo, que tem em seu portfólio Montblanc e Chloé.

EMBAIXADORES E, assim como outras grifes e joalherias com história centenárias, a Cartier vem trabalhando na modernização de sua base de clientes. O e-commerce é apenas uma das frentes. De acordo com Tarneaud, muitos dos novos compradores têm pouca idade. O executivo estima que cerca de 60% dos atuais consumidores da Cartier no mundo são millennials. No mercado asiático, especialmente na China, a geração Z (de até 25 anos) representa 25% do total.

Joao Sal

“Nas grandes crises, marcas tradicionais resistem melhor. E a Cartier mostrou sua resiliência” Maxime Tarneaud gerente-geral da Cartier no Brasil.

A marca também tem escolhido com cuidado seus embaixadores, ou “amigos da maison”. No início de setembro, anunciou uma parceria com Timothée Chalamet, o mais jovem a receber uma indicação ao Oscar de Melhor Ator, por Me Chame Pelo seu Nome e que estará na nova adaptação do clássico de ficção científica Duna. Ele se junta à atriz Lily Collins, da série Emily em Paris. As campanhas recentes mostram a preocupação em convidar rostos conhecidos pelo público mais jovem. Em 2020, a atriz Maisie Williams, de Game of Thrones, a cantora Willow Smith e o ator Rami Malek, que interpretou Freddie Mercury nos cinemas, foram chamados para divulgar produtos Cartier. Ser tradicional não é ficar parado no tempo.