O ensinamento do educador e filósofo brasileiro Paulo Freire (1921-1997) sobre a relação entre discurso e ação ultrapassa as cercas do setor de ensino e tem sido encampado no mundo dos negócios. “É fundamental diminuir a distância entre o que se diz e o que se faz, de tal forma que, num dado momento a tua fala seja a tua prática”, dizia ele. A presidente da Microsoft Brasil, Tania Cosentino, é daquelas executivas que falam e fazem. Na mesma intensidade. Dar voz e vez às bandeiras que a paulistana do bairro de Santana, Zona Norte de São Paulo, tem levantado é fundamental para que a sua fala ecoe tanto quanto suas ações. Desde que assumiu, em janeiro de 2019, o comando da operação brasileira de uma das maiores empresas de tecnologia do mundo, que faturou US$ 168,1 bilhões ano passado – incríveis US$ 460,5 milhões por dia –, Tania tem se dedicado a projetos relacionadas a diversidade, questões raciais e de meio ambiente. O intuito é integrar o mundo moderno e bilionário da tecnologia ao mundo real, mais especificamente ao Brasil real, marcado por profundos problemas sociais e de falta de oportunidades. São essas ações realizadas durante 2021 que renderam a Tania Consentino a eleição de Empreendedora do Ano da DINHEIRO. Outros 10 nomes, em sete categorias, são homenageados pelo trabalho realizado neste ano.

Com foco em atacar e derrubar essas barreiras e encabeçado por Tania Cosentino, o plano Microsoft Mais Brasil completou um ano no dia 20 de outubro e impactou centenas de milhares de pessoas. “Um dos compromissos da Microsoft no País é apoiar a recuperação econômica inclusiva do Brasil, onde atuamos há 32 anos”, disse a executiva, que administra aqui uma carteira de 25 mil parceiros. Na prática, o programa ajuda a preparar a população para o futuro do trabalho, incentiva a inovação e o crescimento.

Uma das ações do plano da empresa é a Escola do Trabalhador 4.0, plataforma de ensino remoto, em parceria com o Ministério do Trabalho, que inclui cursos da gigante da tecnologia por meio da ferramenta Microsoft Community Training. São 50 mil usuários impactados e 15 mil capacitados, que adquirem habilidades digitais demandadas pelo mercado. A capacidade de atendimento é de 5,5 milhões de candidatos a emprego até 2023. Hoje existem 45 formações, divididas em 11 trilhas de aprendizagem de tecnologia em diferentes níveis – desde a alfabetização digital até módulos mais avançados de computação em nuvem, IA e ciência de dados. Outra iniciativa importante é o apoio ao Programa Minha Chance, do governo de São Paulo. Lançado em abril de 2021, já disponibilizou 1,2 mil vagas gratuitas em treinamentos.

Para fomentar o empreendedorismo feminino na área tecnológica, a Microsoft criou no dia 31 de março, em parceria com o International Finance Corporation (IFC), um programa de capacitação. Mais de 1 mil mulheres tiveram oportunidade de aperfeiçoar o modelo de gestão de negócios e puderam ampliar sua visão para captar investimentos para startups lideradas por elas. Em trabalho associado ao LinkedIn, do grupo Microsoft, a companhia lançou o Global Skilling Initiative. O Brasil foi impactado e durante o ano de 2021 foram oferecidos gratuitamente 96 cursos em português, com a missão de ajudar na recapacitação e procura de novas oportunidades. Foram 3 milhões de pessoas que deram início a um treinamento no Brasil, sendo que 260 mil concluíram.

Os pilares de diversidade e inclusão também estão no plano da Microsoft. O Black Women in Tech, iniciativa focada na capacitação e formação de mulheres negras para o mercado de tecnologia, atendeu mais de 100 mulheres em suas três edições em 2021 – algumas já conseguiram se empregar em funções técnicas e outras 15 tiraram certificações da Microsoft. O objetivo é levar ensino de qualidade para que mulheres pretas e pardas possam alavancar suas carreiras em tecnologia. Os mentores são funcionários voluntários da Microsoft.

Ainda na linha de capacitação de grupos sub-representados, em março de 2021 a companhia lançou a plataforma digital MaisMulheres.Tech, que visa capacitar 100 mil mulheres em todo o Brasil. Em parceria com a comunidade de tecnologia WoMakersCode, o programa ofereceu seis trilhas de treinamento gratuitas e on-line nas áreas de Computação em Nuvem, Infraestrutura, Segurança da Informação, DevOps, Desenvolvimento e Ciência de Dados e IA. Até novembro, foram 33 mil mulheres completaram ao menos uma das trilhas.

Todas as iniciativas promovidas pela Microsoft. Mas Tania Cosentino quer levar muitos desses projetos para fora da empresa, e ampliar ainda mais o impacto nos próximos anos. “Tudo isso é pouco porque no Brasil tudo é gigante, tudo é enorme”, disse a presidente, que está em contato com companhias e organizações para engajá-los nas causas. “Temos de esquecer concorrentes, quem é grande ou pequeno, e juntar forças para trabalhar. Existe um desafio maior do que nossas empresas, maior do que nossos negócios. É esse olhar que temos.”

AMAZÔNIA O olhar de Tania Cosentino também está voltado para o meio ambiente. Em junho, a Microsoft lançou a ferramenta PrevisIA, que ajudará na prevenção do desmatamento da Amazônia com uso de inteligência artificial. O projeto tem como parceiros o Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon) e o Fundo Vale. A partir da análise de dados é possível identificar tendências de conversão da floresta pelo desmatamento e riscos para terras indígenas e unidades de conservação. A solução foi apresentada na COP 26, no início de novembro, em Glasgow (Escócia). “IA tem ajudado não só o Brasil mas o mundo. O desafio do meio ambiente é global”, disse a presidente. Mais um projeto em que Tania Cosentino falou e fez. Uma executiva que mostra não ter distância entre seu discurso e a prática.

ENTREVISTA: Tania Cosentino, presidente da Microsoft Brasil
“Se quisermos ir mais longe, precisaremos formar mais profissionais”

Claudio Gatti

Qual palavra define 2021?
Desafiador. Pelo medo. Nós nos achamos superfortes, com muita saúde, sempre acreditei que se a gente trabalhar duro consegue o que quer. E aí de repente vem um vírus e mostra que isso não é verdade, que a gente pode ficar doente, que algum familiar ou algum amigo querido pode ficar doente e morrer. Essa finitude foi muito impactante para mim. Estou com 56 anos e nunca senti que a morte pode acontecer a qualquer momento. Foi o grande problema deste ano. Não me parou, mas me fez repensar uma série de coisas e pensar em como é bom aproveitar cada segundo que temos com as pessoas queridas, porque podemos não ter isso mais amanhã.

Também foi desafiador profissionalmente…
Quando começo a olhar o mundo híbrido, avaliamos que pode trazer desafios adicionais para nós. Ele pode não ser inclusivo. Fizemos uma pesquisa para avaliar o retorno ao escritório e as mulheres com filhos têm menos vontade de voltar ao escritório, dada a demanda que aumentou para as mães. Temos medo de que o mundo do escritório vire o mundo do homem branco. E a mulher fique apartada, assim como outros grupos. Em 2022 teremos outro ano de grandes desafios por causa de um retorno a um mundo que a gente não conhece.

Isso reflete internamente para as companhias e para os negócios também?
Tem o lado bom que a demanda por tecnologia é crescente e não retrocede. Eu que sou desse setor fico feliz com isso. Mas entender onde essa demanda vai levar a empresa e como preparar a empresa é o desafio. Recentemente saiu estudo da Brascomm (Associação das Empresas de Tecnologia da Informação e Comunicação) sobre o mercado de trabalho no setor. Mão de obra qualificada é um desafio gigantesco no Brasil e em TI tem desafio adicional. O gap de profissionais até o ano passado era de 40 mil profissionais por ano. O mercado demandava 80 mil e formávamos 40 mil. Agora o gap é de mais de 100 mil profissionais anualmente. O mercado forma 53 mil e nós demandamos 159 mil.

A que isso poderá levar?
Se a gente não reverter teremos colapso social, porque a tecnologia chegando da forma como está elimina trabalho de baixa e média qualificações. Mas cria um monte de postos de alta qualificação. Se eu não for capaz de cruzar pontes, fazer com que as pessoas desempregadas ganhem conhecimento, se especializem e conquistem um trabalho de melhor qualificação, podemos ter problema social. Temos desafios para o mundo do trabalho com adoção de tecnologia para a qualificação de mão de obra do futuro.

Essa foi uma das coisas que faltaram fazer neste ano?
Os desafios são tão grandes que não conseguimos cobrir tudo. Quando olhamos o mundo da qualificação profissional e o gap, vemos que tivemos uma transformação digital acelerada das empresas, que só não avançou mais porque faltaram profissionais. E estamos falando de empresas de todos os tipos, do varejo, de grandes bancos, de óleo e gás, de manufatura ou as próprias big techs. Se quisermos ir mais longe, precisaremos formar mais profissionais. Estou feliz com os resultados do Mais Brasil, dos investimentos feitos no Brasil, mas não é suficiente. É algo incansável e estamos pensando no que mais podemos fazer.

O Brasil vai efetivamente mudar essa curva e formar profissionais na quantidade suficiente para atender à demanda?
Sou otimista. Não é a Microsoft sozinha que consegue fazer isso. Precisamos da união de grandes setores para alcançar as pessoas na ponta. É triste ver os jovens da periferia dizendo que jamais pensaram que trabalhariam na Microsoft. É isso que queremos fazer, devolver o direito das pessoas de entenderem que elas podem trabalhar onde elas quiserem. Levamos qualificação profissional e o resto vem na sequência.

O que foi mais acelerado e teve grande evolução?
A aceleração da transformação digital. Muitos clientes não estavam maduros e foram corajosos, até por necessidade. As necessidades criam muitas oportunidades. Clientes de diferentes setores estão mudando o negócio, alavancados na transformação digital. Outro ponto foi o PrevisIA, ferramenta de inteligência artificial que ajuda na prevenção ao desmatamento na Amazônia. Vamos avançar ainda mais. IA ajudado não só o Brasil, mas o mundo. O desafio do meio ambiente é global.

Qual a palavra para 2022?
Esperança. Tomei a terceira dose da vacina, estou superimunizada. Aos poucos vamos retornar à vida, a um novo normal, construir um mundo melhor. Esperança em diminuir as desigualdades. É ano de eleição, com esperança de trabalhar e lutar por um Brasil melhor.

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