Supermerkel, mamãe protetora, mulher mais poderosa do mundo… Não foram poucos os apelidos e rótulos dados à chanceler alemã Angela Merkel desde sua posse, em 22 de novembro de 2005. Durante 16 anos de poder, ela se tornou um alicerce para a Alemanha — terceiro maior exportador do mundo e principal economia da Europa, com PIB de US$ 3,8 trilhões — e para o próprio continente. Gerou estabilidade em tempos de desafios monumentais. Com ampla aprovação popular, conduziu o governo na crise financeira global em 2008, nas ameaças de dissolução da União Europeia, no tsunami migratório de 2015 e na pandemia de Covid-19. “Merkel, a primeira mulher eleita para ser chefe de governo na Alemanha, é inspiração para as mulheres e certamente um exemplo para os homens”, afirmou o ex-presidente do Parlamento alemão Norbert Lammert, em discurso em homenagem a Merkel.

Cristã formada em física e doutora em química quântica, Merkel está de partida. Embora seu sucessor ainda esteja indefinido, já que não houve acordo para formar maioria no Parlamento nas eleições do domingo (26), Merkel, a líder do partido de centro-direita União Democrata-Cristã (CDU), está decidida a se aposentar em 17 de dezembro, aos 67 anos. Sua saída deixa também um vácuo de incertezas sobre os rumos políticos e econômicos do país. Afinal, dentro e fora da Alemanha a chanceler também lidera as principais iniciativas sociais, ambientais e na diplomacia do bloco europeu. Foi ela quem encarou o ex-presidente Donald Trump em temas sensíveis, como comércio exterior e combate às mudanças climáticas, assim como atuou nos bastidores para pressionar o presidente Jair Bolsonaro a recuar em sua política de desmatamento da Amazônia. A Alemanha é um grande financiador de investimentos em cooperação internacional com o Brasil e o segundo maior doador do Fundo Amazônia (R$ 192 milhões), atrás apenas da Noruega (R$ 3,1 bilhões).

SOBREVIVÊNCIA O legado de conquistas de Merkel não garante que o próximo chanceler terá pouco trabalho na agenda, segundo avaliação do economista-chefe do Centro para a Reforma Europeia, Christian Odendahl, em Berlim. Para ele, a Alemanha terá de enfrentar a crise do euro, que impõe dificuldades da moeda única a países tão distintos, liderar reformas e disseminar a austeridade a países de governos historicamente perdulários, como Espanha, Itália e Grécia. “A flexibilização das iniciativas de controle de gastos, permitidas por Merkel nos últimos anos, terá de ser revista em nome da sobrevivência do bloco”, afirmou o economista.

A linha do novo governo será conhecida só daqui alguns meses. Por enquanto, o cenário mais cotado é o de uma coalizão entre o mais votado, o Partido Social-Democrata (SPD), com o Partido Verde e com o Partido Democrático Livre (FDP). Com isso, o ministro das Finanças e vice-chanceler Olaf Scholz, do SPD, tem as maiores chances, até aqui, de suceder Merkel.

O fim da era Merkel é — ou pelo menos deveria ser — um tema de atenção para o governo brasileiro. A Alemanha é um dos principais parceiros comerciais do Brasil. De acordo com o Ministério da Economia, o país foi o sétimo maior comprador do Brasil em 2020, com importações de US$ 4,1 bilhões. No mesmo período, a Alemanha foi o terceiro maior exportador para o Brasil: R$ 9,3 bilhões. Ao considerar o perfil de Scholz, que personifica os estilos de economista e de ambientalista, ele poderá ser um obstáculo à diplomacia brasileira. O Brasil aguarda a UE ratificar o acordo de livre comércio com o Mercosul, aprovado em 2019, que já tem a antipatia do presidente francês Emmanuel Macron.

PULSO FIRME Considerada a principal líder da Europa, Markel enfrentou Donald Trump em questões econômicas e ambientais. (Crédito:Jesco Denzel/AP)

Seja qual for o rumo da Alemanha, da Europa e do mundo na era pós-Merkel, num cenário de pandemia, Brexit e expansão do populismo, o fato é que, até que se defina o próximo líder alemão, a economia global estará em compasso de espera. A ansiedade e a incerteza, se fosse na era de Merkel, já estariam resolvidas.