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Os fundadores O russo Brin (à esq) e o americano Page criaram uma marca de US$ 87 bilhões

Os mineiros honraram a tradição de guardar segredo e trabalhar em silêncio. Durante os últimos nove meses, a empresa de tecnologia Akwan escondeu uma negociação que se transformou na quarta-feira da semana passada em um dos maiores negócios da internet brasileira. O serviço de buscas mais badalado da Internet e empresa de mídia mais valiosa do mundo, o Google, comprou a Akwan. Também anunciou a criação no Brasil de um centro de pesquisa e desenvolvimento, e a disposição de brigar pela liderança  da audiência dos 32 milhões de usuários da Internet no País. O valor do negócio foi mantido em sigilo e protegido por um contrato de cláusulas leoninas. Nem a Akwan nem o Google comentaram à respeito. Executivos do setor, analistas de mercado e concorrentes estimam em US$ 25 milhões o valor total da operação, incluindo a compra da companhia mineira e os investimentos que serão feitos  nos próximos dois anos no País. Só em engenheiros para trabalhar no laboratório brasileiro, o Google pretende recrutar 200 profissionais. ?Vamos explorar a partir daqui o potencial de oportunidades na América Latina?, diz Alan Eustace, vice-presidente de tecnologia do Google. Essa declaração pode ser traduzida em um único número: os negócios de internet movimentam cerca de R$ 7 bilhões por ano no Brasil.

Ao comprar a Akwan, a empresa americana deu apenas o primeiro passo para garantir o ingresso na festa da internet local. Para chegar ao topo da rede terá pela frente alguns fortes concorrentes. O maior deles é a Microsoft, que hoje lidera a audiência entre os internautas brasileiros e elegeu o Google como o seu maior adversário global. Segundo o levantamento em julho do IBOPE/NetRatings, o Google está na quarta colocação com 6,4 milhões de visitantes mensais. Em média eles ficaram 30 minutos no seu site contra as quatro horas gastas pelos freqüentadores no site do MSN, o portal da Microsoft. ?O Google traz mais oxigênio para o nosso mercado?, afirma Fernando Madeira, presidente do provedor Terra. O portal, que integra o grupo da espanhola Telefônica, já acionou a sua equipe de 150 engenheiros de computação para criar novidades que devem fazer frente ao novo concorrente e ainda abastecer outras praças onde tem operações na América Latina. Executivos de outros portais, como o Yahoo e o Universo On Line, também se preparam para enfrentar a avalanche tecnológica do Google, cujo valor de mercado estava na semana passada em US$ 87 bilhões. Número bem superior aos US$ 78 bilhões alcançados pelo ex-líder das empresas de mídia, o grupo Time-Warner. Em outro estudo da empresa de avaliação de marcas Interbrands, o Google surgiu na 38º colocação num universo de 100 companhias mais valiosas do planeta.

Criado por dois estudantes de doutorado, americano Larry Page e o russo de nascimento Sergey Brin, da universidade de Stanford, o Google ganhou adeptos em toda a rede ao quebrar alguns paradigmas até então adotados pelos sistemas de buscas, como o pioneiro Altavista. Em lugar de apresentar páginas de maneira aleatória, o serviço introduziu o conceito de relevância nas pesquisas dos usuários. Com a ajuda de algoritmos matemáticos e programas de computador que varrem a rede em busca de conteúdo, as respostas são apresentadas pela ordem de importância dentro da internet. Nos computadores do Google estão indexadas 8 bilhões de páginas, metade das existentes no mundo virtual. Apesar da busca ser a vitrine de negócios, o Google pode ser visto realmente como uma empresa de mídia, que pretende colocar à disposição dos internautas o conteúdo das maiores bibliotecas do planeta ou os vídeos das principais emissoras de televisão do mundo. A capacidade de inovar da marca é diretamente proporcional a sua disposição em ganhar dinheiro. Os resultados financeiros são impressionantes. Na quinta-feira passada, a companhia divulgou os números do primeiro semestre. A receita chegou a US$ 2,6 bilhões e as ações sofreram uma valorização de 60,89% no período contra os 6,48% da média da Bolsa de Nova York. Metade do caixa do Google vem dos ganhos com publicidade que crescem a cada ano. Mesmo oferecendo um produto gratuito, a empresa criou uma fórmula mágica com os links patrocinados, nos quais os anunciantes escolhem palavras-chaves e pagam para associar os seus endereços na internet todas as vezes que alguém consegue uma resposta para uma busca. Esse números reforçam a importância do negócio em torno da Akwan. Todos os engenheiros da companhia mineira serão transformados em funcionários do Google. O comando do centro de pesquisa ficará com ex-diretor da Akwan, Bertier Ribeiro-Neto, pesquisador do Departamento de Computação da Universidade Federal de Minas Gerais. A equipe cuidará de desenvolver novos produtos para atender a demanda dos usuários do Google na América Latina e também interferir na versão em inglês do serviço de buscas. Até fechar o acordo, Ribeiro-Neto teve como sócio o cientista Ivan Moura Campos, um velho conhecido da comunidade brasileira de tecnologia. Foi Moura Campos que ajudou a quebrar, em 1995, a resistência da estatal Embratel em entregar a internet à iniciativa privada. Como integrante do ministério das Comunicações, o cientista venceu a disputa com a burocracia.

 

A competência dos pesquisadores mineiros sempre foi reconhecida internacionalmente, mas eles não conseguiriam chegar tão longe sem as conexões da Fir Capital. Os dois sócios desse fundo, o empresário Guilherme Emrich e o banqueiro Marcus Regueira, sempre se mostraram competentes em descobrir oportunidades fora do País para empresas brasileiras. A dupla, por exemplo, vendeu em janeiro de 2002 por US$ 70 milhões o fabricante nacional de insulina Biobras aos noruegueses da NovoNordisk. Emrich, antes de Regueira chegar ao negócio, já havia passado adiante, em 1999, outra empresa de buscas na rede, o Miner, para o Universo On Line. Como o negócio parecia promissor, a Fir e os cientistas  da UFMG fundaram a Akwan, em 2000, que significa ligeiro na língua Guarani. O casamento entre capitalistas e pesquisadores superou preconceitos de ambos lados e quebrou paradigmas. A empresa mineira foi montada na mesma época que o banco Opportunity reuniu cientistas da Universidade Federal de Pernambuco e criou o  Radix, outro serviço buscas. Em pouco tempo, o Opportunity desistiu do projeto e o vendeu para o provedor Ibest por cerca de US$ 12 milhões. ?Somos a a prova viva de que capital de risco funciona no Brasil?, diz Marcus Regueira.

O impacto do negócio vai bem além da euforia de Regueira. A venda da Akwan pode de fato reoxigenar o mercado de capital de risco no Brasil. Desde o fim da bolha da internet, em março de 2000, os investidores estavam ressabiados. Isso pode mudar. ?Haverá um positivo efeito cascata após essa operação?, afirma Joubert Castro Filho, diretor da Associação Brasileira de Capital de Risco. Ele acredita que companhias similares a Akwan sairão em busca de oportunidades e sócios no mercado internacional. ?Os nossos empreendedores precisam ter ambição global?, explica Guilherme Emrich. A tecnologia brasileira, sem dúvida, está entre as melhores do mundo. No caso dos serviços de buscas, produtos que são o estado da arte em tecnologia, o Brasil ocupa as primeiras posições. Fora dos Estados Unidos poucos os países se atreveram a investir nessa área. Por aqui foram criados nos últimos anos quatro bons serviços desse gênero: o Miner, na UFMG, o Radix, na UFPE, o Cadê, no Rio de Janeiro, e o TodoBR, a marca que a Akwan utilizava para a versão pública da sua tecnologia. ?Tudo o que aconteceu nesse mercado mostra que temos pesquisadores de primeira linha e investidores com visão de futuro?, diz o professor Silvio Meira, um fundadores do Radix. E à base de pão de queijo, os mineiros trabalharam em silêncio e melhor.