Ainda em 2016, questionada sobre por que articulava com o centrão, a ex-presidente Dilma Rousseff afirmou que “governar sem partidos é flertar com o autoritarismo”. Mas e quando as relações partidárias se tornam tão intrínsecas a um governo que fica difícil identificar quem é quem ou onde começa um partido e termina outro? Essa é a dúvida que tem rondado a cabeça dos cientistas políticos do Brasil neste momento. O governo Jair Bolsonaro aproximou o Executivo ao Legislativo como nunca antes visto na nova República, e abriu uma categoria especial de relações: as que só valem para os amigos do rei. Uma espécie de institucionalização da barganha. E, como bom entendedor do Congresso, Bolsonaro e seus pares do centrão desenvolveram estruturas que, maquiadas na legalidade constitucional, passam uma falsa sensação de normalidade e permitiram que não juntássemos as peças de um quebra-cabeças perigoso.

E assim passaram-se três anos de governo. O problema é que estruturas políticas são feitas por pessoas. E pessoas mudam de lado. Principalmente quando o vento da eleição começa a ir para outra direção. Dessa maneira, algumas questões das profundezas do governo começam a chegar à superfície. Uma delas foi exposta pelo jornal Folha de São Paulo na segunda-feira (18) ao mostrar que caminhos estranhos de projetos, licitações e recursos financeiros apontavam para o mesmo lugar. A

Companhia de Desenvolvimento dos Vales do Rio São Francisco e do Parnaíba (Codevasf).
Segundo a reportagem, lá foram negociados termos do Orçamento secreto. Passaram licitações de tratores com preços que levantavam suspeitas, e também por lá eram fechados contratos com a Engefort, empresa de construção que ganhou 53 das 99 licitações que participou. E para poder atender essa demanda que cresceu mais de sete vezes entre 2018 e 2020 a estatal precisava de mais poderes. Antes focada em investir em recursos hídricos e obras de infraestrutura para uma região limitada, o presidente Bolsonaro autorizou, em 2020, que área de atuação da estatal passasse para 15 estados.

EMENDAS Em 2021, de acordo com dados do Portal da Transparência, a estatal recebeu R$ 3 bilhões do governo federal por meio de emendas parlamentares. O problema é que o site não detalha para onde foram os recursos, nem quais deputados destinaram a verba. Também não há informação de partidos nem dados de como se deram os processos licitatórios. E essa era a peça do quebra-cabeça que faltava. Sabíamos do Orçamento secreto (e ele era constitucional, como disseram os Três Poderes). Também víamos o centrão dominar o Palácio do Alvorada, mesmo sem cargos no governo (até aí, tudo dentro da normalidade). E havia uma peça faltando. Agora parece não haver mais.