Misturar tradição com disrupção – características à primeira vista antagônicas – é o sonho de consumo de um tipo específico de empresa: bancos tradicionais, instituições de ensino e grupos de saúde. São setores em que a transformação tecnológica e cultural precisa ser conduzida de maneira que a confiabilidade e a segurança nunca sejam abaladas. “Quando a gente fala de saúde, os movimentos de mudança são posteriores aos de outros segmentos, em especial os relacionados a bens de consumo”, disse à DINHEIRO Eduardo Reis de Oliveira, CEO da recém-lançada plataforma de medicina do Grupo Fleury. “É um segmento que sempre agirá com mais cautela.”

A questão decisiva, e que se tornou explícita em 2020, pela pandemia, é que os gastos em saúde sempre são crescentes em relação a outros indicadores macroeconômicos, como PIB ou inflação. Mesmo em anos menos atípicos como este. Para Oliveira, o nó que encarece o sistema é evidente. “Tudo é separado, segregado. Tanto nas informações, quanto na forma de atuar dos diversos players”, afirmou. O resultado é que a curva da qualidade é uma, e a curva de custos está sempre acima. O que se transformou num desafio para os departamentos de RH contornarem dentro de seus orçamentos.

No Brasil, 47 milhões de pessoas, menos de 25% da população, têm acesso ao sistema privado e destas 70% são bancados pelos planos corporativos. Para buscar saída a essa curva de custos sempre mais inclinada, o Grupo Fleury partiu de uma pergunta: ‘O que é disruptivo e dá certo hoje?’, independentemente do setor de atuação. E a resposta estava nas plataformas. “Aconteceu assim nos transportes, no sistema hoteleiro, na alimentação, no varejo”, disse Oliveira, médico que fundou a SantéCorp, comprada pelo Fleury em 2018. Nos estudos para lançar Saúde iD buscaram experiências como as das chinesas Ping An Good Doctor (346 milhões de pessoas cadastradas e 57 milhões de usuários ativos mensais) e We Doctor (do grupo Tencent, com 210 milhões de cadastrados e 27 milhões de ativos).

Para desenhar o tipo de plataforma, a primeira decisão foi optar pelo modelo aberto a qualquer player relevante do ecossistema. Isso incluirá concorrentes do próprio Grupo Fleury. “O que importa é a experiência do usuário. Ele vai decidir o que é melhor.” Algo que a Amazon adota. Serviços próprios e de concorrentes. O consumidor decide. O modelo de negócios passa a ser rentabilizado tanto pela venda direta quanto pela intermediação das transações de terceiros. “A essência é ter engajamento”, afirmou o CEO. Isso significa buscar primeiro uma base relevante – Saúde iD nasce com 7 milhões de vidas, vindas das bases da SantéCorp e do Fleury –, depois atrair parceiros e multiplicar o número de transações. “Aí a receita cresce ainda mais. É o que chamamos de efeito de rede.”

Há um segundo ganho no modelo plataforma. Oliveira, que estuda o sistema de saúde há mais de 20 anos, acredita que uma grande solução no market place será um ecossistema transformador no segmento. E quebrará a inércia que faz a curva de qualidade subir e a de custo subir acima. Com uso de ferramentas tecnológicas como Inteligência Artificial e machine learning, Saúde iD pode potencializar tratamentos mais assertivos e derrubar custos nesse ganho em escala. Ele acredita que uma plataforma autônoma, aberta, ágil e agnóstica produzirá melhores resultados que decisões estratégias individualizadas. O que pode contribuir para realizar um legado que Oliveira traz de seus pais. “Encontrar um caminho para que todos possam ter atendimento de saúde digno.”

ENTREVISTA: Eduardo Oliveira, CEO saúde ID

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Quanto foi investido?
Inicialmente, R$ 50 milhões, a maior parte para a tecnologia.

Por quê?
Porque éramos uma empresa de saúde com serviços de tecnologia. E agora somos uma empresa de tecnologia com serviços de saúde.

Num primeiro momento o número de vidas está restrito aos brasileiros que já acessam o sistema de saúde privado. É possível buscar a outra massa, de mais de 150 milhões de pessoas?
Teremos um foco B2C também.

Farmácias farão parte?
Sim. Tudo o que diz respeito à jornada do paciente deve ser contemplado.

Por que permitir concorrentes?
Nossa proposta junta uma questão tecnológica a uma visão colaborativa. E sempre guiada pela experiência do usuário. Ele decide o que é mehor para ele. Isso é uma questão inegociável.

Há outros ganhos?
Um ganho complementar e igualmente decisivo é que a plataforma vai gerar dados aos players. Isso trará otimização, levando as pessoas mais para a atenção primárria (menos custosa). Hoje, 70% dos atendimentos em pronto-socorro não deveriam ser resolvidos ali. Isso gera custo a todos.

Uso inteligente reduz preço…
Você começa a otimizar o sistema, com qualidade e custo reduzido. Em resumo, mais saúde a mais pessoas.