A mais complexa das proposições científicas tem uma expressão matemática bem simples: E=mc2 (energia é igual à massa vezes a velocidade da luz ao quadrado). A equação resume a teoria da relatividade criada pelo físico alemão Albert Einstein (1879-1955). Com a pandemia causada pelo novo coronavírus, outra equação simples, mas de resultados importantes, passou a vigorar no País. Ela se chama Coalizão Covid Brasil – e contraria a matemática ao provar que um mais um pode ser maior que dois. Na prática, significa que esforços individuais produzem menos que os coletivos. Por isso, uma força-tarefa inédita reúne polos de excelência na medicina: o Hospital Israelita Albert Einstein, o Sírio-Libanês, o Hospital Alemão Oswaldo Cruz, a Beneficência Portuguesa e o HCor (todos em São Paulo), além do Moinhos de Vento, no Rio Grande do Sul, e a Rede Brasileira de Pesquisa em Terapia Intensiva (BRICNet). O objetivo é criar uma estratégia unificada de ação contra a pandemia, além de desenvolver, em conjunto, estudos médicos com pacientes em vários estágios da doença no Brasil. “Por meio da liderança do nosso instituto de pesquisas clínicas, conseguimos realizar de forma rápida a configuração desse grupo com outros hospitais, até levando em conta nossa expertise em outras epidemias”, afirmou à DINHEIRO o presidente do hospital Albert Einstein, Sidney Klajner. Foi no Einstein que o primeiro paciente confirmado com a doença no Brasil recebeu tratamento, em fevereiro. “Começamos a nos preparar para a chegada da doença em dezembro, quando surgiram os primeiros casos na China, com grupos de trabalho de diversas áreas, que se reúnem frequentemente e, com base na proteção individual, organizamos rapidamente nosso fluxo, com ambiente em que houvesse leitos de isolamento e criamos diversas diretrizes.”

O antigo rival Sírio-Libanês criou um centro de operações em Brasília, chamado de linha de emergência, para unificar os números de 100 hospitais no Brasil. A sala de comando, embora exista desde 2016 e estivesse ociosa, está totalmente dedicada às ações de combate à Covid-19 e estabelece padrões de ação para hospitais desde Itapecerica da Serra (SP) até São Leopoldo (RS). “Tivemos de instituir um gabinete de crise e um plano de catástrofe porque o sistema hospitalar no País não está preparado para situações de calamidade como esta”, afirma a superintendente de responsabilidade social do Sírio, Vânia Bezerra, uma das coordenadoras na nova estrutura. “Como não temos guerra, furacão ou terremoto, percebemos que faltava uma direção única, uma coordenação.”

CENTRO DE OPERAÇÕES: No Hospital Albert Einstein, o primeiro a tratar paciente com Covid-19 no Brasil, o plano de ação contra a pandemia tem ajudado outros centros de saúde pelo País. (Crédito:Divulgação)

Com esse diagnóstico, os seis maiores hospitais privados da coalização também farão, de imediato, as análises em seus centros de pesquisas clínicas. Serão testados 1.354 pacientes de 77 hospitais (40 deles também possuem laboratórios de estudos clínicos) no Brasil. A gigante farmacêutica EMS será responsável pelo fornecimento de 20.640 comprimidos de hidroxicloroquina (normalmente usado para tratamento de lúpus, artrite reumatóide e malária) e 5.160 de azitromicina (antibiótico produzido na fábrica em Hortolândia, no interior de São Paulo), além de doar R$ 1 milhão para a realização dos estudos.

O plano de ação coordenada inclui três séries de pesquisas. A primeira, chamada de Coalização I, vai analisar, em 630 pacientes, se a hidroxicloroquina vai ajudar a melhorar o quadro respiratório de pacientes que tenham sintomas leves. Nessa fase também será estudado se a ação pode ser potencializada com a adição da azitromicina. A Coalizão II vai focar 440 pacientes com infecção moderada, que também receberão hidroxicloroquina e azitromicina. Na Coalização III vão ser estudados 284 pacientes com insuficiência respiratória grave, com necessidade de uso do respirador, e que serão testados com dexametasona – o nome comercial é decadron, para tratamentos de alergias e inflamações. A aprovação para implementação das duas primeiras fases foi publicada no Diário Oficial da União do dia 27 de março. A terceira deve sair nos próximos dias, ainda sem data definida.

O diretor médico-científico da EMS, Roberto Amazonas, afirma que a proposta de realizar estudos com os medicamentos veio antes de o presidente americano Donald Trump anunciar, no dia 19 de março, que o FDA – a Anvisa dos Estados Unidos – estava prestes a aprovar a utilização da hidroxicloroquina em pacientes graves com a Covid-19, após bons resultados em testes. “Fizemos todo o trabalho para implementação do projeto em tempo recorde. O prazo entre a formatação da pesquisa clínica e a aprovação por parte do Conselho Nacional de Ética em Pesquisa (Conep), do Conselho Nacional de Saúde e da Anvisa foi de apenas uma semana”, diz o executivo da EMS. “Os recursos que doaremos serão utilizados para enviar os medicamentos aos hospitais, já que é necessário que o transporte seja feito de forma correta e também para contratar seguro que possa resguardar os envolvidos, além de remunerar parte dos pesquisadores”, afirma Amazonas.

Outra ação do Albert Einstein, que compõe a tática de combate à pandemia dentro da Coalizão Covid Brasil, prevê o fortalecimento de iniciativas da porta para fora. Na quarta-feira 1º, a Prefeitura de São Paulo concluiu a montagem do hospital de campanha construído no gramado do Estádio do Pacaembu, que terá 200 leitos (192 de baixa complexidade e oito de semi-intensivo) e que será administrado pelo Instituto de Responsabilidade Social do Einstein. Para esse trabalho, o hospital irá contratar 509 profissionais de Saúde. “Serão, ao todo, cerca de 1,5 mil contratações temporárias pelo período de três meses, por conta dessas novas ações”, afirma Klajner.

remédio O laboratório EMS iniciou estudos com hidroxicloroquina antes mesmo dos EUA. (Crédito:Divulgação)

Na quarta-feira 1, o hospital informou que, dos 15 mil colaboradores, 348 haviam sido diagnosticados com a Covid-19, dos quais 15 estavam internados. Desse total, 169 eram de técnicos de enfermagem, enfermeiros e médicos e 36 já haviam retornado ao trabalho. Hoje o hospital tem 637 leitos de atendimento. “No hospital municipal de M’Boi Mirim (Zona Leste de São Paulo), está sendo construída, pela iniciativa privada (Ambev e Gerdau) uma ala anexa que terá, até o fim de abril, 100 novos leitos, e tirar os casos de baixa complexidade de dentro do hospital”, afirma o dirigente do Albert Einstein.

EXPANSÃO Com 58% dos pacientes com idade acima de 60 anos – o grupo de risco para o coronavírus –, o Hospital Alemão Oswaldo Cruz ampliou em 150 o número de leitos, chegando a 582 (entre internação e UTI) e contratou 200 pessoas, que se somaram aos 2.700 colaboradores da unidade hospitalar. “Até o fim de março, tínhamos 66 funcionários afastados, dos quais 38 com teste positivo para a Covid-19 e 28 aguardando resultados dos testes. Tivemos aumento, nos últimos três dias, de pacientes internados por conta do coronavírus”, diz o presidente Paulo Bastian. “Cada hospital vai atuar por intermédio de seus pesquisadores na coalizão, como se fosse uma equipe única. Esse comitê, com pelo menos um representante de cada centro médico, se reúne praticamente todos os dias para discutir os passos do trabalho. No nosso caso, temos mais 52 pesquisadores na retaguarda”, afirma o presidente da instituição, que registrou o primeiro caso da doença no dia 10 de março. Bastian acredita que o pico do coronavírus no Brasil deve se estender de segunda-feira 6 até o final de abril.

Entre os grandes hospitais, o plano tem sido mais prevenir do que remediar. Segundo a CEO da Beneficência Portuguesa de São Paulo (que recentemente passou a se chamar apenas BP), Denise Santos, o assunto coronavírus começou a entrar em pauta nas reuniões dos dirigentes a partir de janeiro. “Naquele momento já havíamos tomado a decisão de suspender qualquer viagem internacional e, de forma rápida, colocamos cerca de 750 colaboradores em sistema home office”,afirma a executiva. “Além disso, separamos fluxos de entrada e criamos tendas de pré-triagem, antes mesmo de entrar no hospital, para pacientes e funcionários, quando passamos a checar a temperatura de todos que entram na BP”, acrescenta. O hospital hoje tem 7,2 mil funcionários, além de 3,2 mil médicos. Do quadro total, 40 foram afastados por conta da doença e dois seguem estáveis dentro da unidade.

 

Para manter um número razoável de leitos para possível – e esperado – aumento de casos –, a instituição cancelou, há 10 dias, todas as cirurgias eletivas. “Temos cerca de 1 mil leitos, dos quais 162 são de UTI. E hoje temos ocupação de 60%, justamente para as vagas abertas a novos atendimentos de pacientes com a doença”, afirma Denise. Sobre a coalização, a presidente da Beneficência Portuguesa acredita que, por conta das atuais 120 pesquisas clínicas hoje realizadas, será possível disponibilizar para esse novo grupo boa parte dos profissionais das áreas de pesquisa e ensino. “Por meio desse processo colaborativo, tenho certeza que vamos poder dar uma grande contribuição para o Brasil.”

Fórmula Cloroquina lidera pesquisas pela cura. (Crédito:Monty Rakusen)

Defendido por todos os dirigentes das redes hospitalares, o isolamento social tem sido, na avaliação dos profissionais, adotado de maneira eficaz, seguindo os protocolos das principais autoridades sanitárias, além de governos estaduais. Os profissionais também apontam um possível crescimento de notificações nos próximos dias por conta do aumento significativo dos testes realizados no Brasil.

Otimista com o resultado das pesquisas da coalização, Roberto Amazonas, da EMS, afirma que, por enquanto, não há comprovação científica que já garanta o uso da hidroxicloroquina como tratamento eficaz. “O uso dessa medicação só deve ser feito com acompanhamento médico, já que ainda não há dado que respalde o uso profilático. Houve, inicialmente, muita ansiedade a partir dos primeiros estudos, até por falta de conhecimento, mas é importante que o remédio só seja usado com a prescrição. E tenho certeza que a população já começa a entender isso”, afirma o diretor da EMS.