Carta aos acionistas da Amazon: “Hoje, o comércio on-line economiza dinheiro e tempo precioso dos clientes. Amanhã, por meio da personalização, o comércio on-line acelerará o processo de descoberta de dados. A Amazon.com usa a internet para criar valor real para seus clientes e, ao fazê-lo, espera criar uma franquia duradoura, mesmo em mercados estabelecidos e grandes”. O documento é de 1997. Sim, de 25 anos atrás. Mas soa bem atual, como reconhece o CEO da gigante americana, Andy Jassy. “O que está escrito lá é tão verdadeiro hoje como em 1997”. Em meados do ano passado, Jassy substituiu o fundador da companhia, Jeff Bezos. Mas manteve sua filosofia. A mensagem é histórica para a empresa. Está em todos os reports desde aquele ano, em que a Amazon comemorava aumento das vendas de US$ 15,7 milhões, em 1996, para US$ 147 milhões, alta de 836%. A companhia cresceu e virou um colosso. Bezos, um bilionário, entre os mais ricos do mundo. Aqueles mesmos US$ 15,7 milhões de faturamento conquistados a duras penas em 365 dias são registrados hoje em apenas 18 minutos, diante de uma receita que bateu US$ 469,8 bilhões no ano passado.

“Nosso negócio de consumo cresceu 23% ao ano nos últimos dois anos, com um crescimento extraordinário em 2020 de 39% ano a ano”, afirmou o CEO. Uma das principais razões para esse desenvolvimento foi proporcionado pela expansão em mercados internacionais, em que a empresa faturou US$ 127,8 bilhões em 2021, 22% a mais do que em 2020. Na América do Norte, os US$ 279,8 bilhões em vendas ano passado foram 18% superiores ao período anterior.

TRAJETÓRIA Jeff Bezos começou os trabalhos com a Amazon na garagem de sua casa, em Seattle, vendendo livros, em 1994. Com a empresa, ficou e está entre os homens mais ricos do mundo. (Crédito:John Locher)

O Brasil, juntamente com a Índia, está no centro da estratégia. O País recebeu boa parte dos US$ 18 bilhões de investimentos que a Amazon aplicou desde 2020 para sua expansão global. “Brasil é o local que vai nos trazer dezenas de milhões de clientes nos próximos anos. Poucos países podem fazer isso”, disse à DINHEIRO Daniel Mazini, presidente da Amazon Brasil. Em parte porque se trata de uma das maiores populações do planeta, o que é decisivo para qualquer varejista internacional. Mas em parte também pelos hábitos intensivos de consumo do brasileiro.

A empresa começou aqui em 2012 comercializando apenas livros pela internet — exatamente como Bezos iniciou a história da Amazon, em 1994. Em 2017, em uma segunda fase, ativou o marketplace local. E desde 2019, quando abriu seu e-commerce para mais de 20 categorias de produtos e inaugurou seu primeiro Centro de Distribuição (CD), em Cajamar (SP), está em seu terceiro ato no País. Nos últimos três anos, a evolução foi meteórica — para usar um termo ao qual Bezos está mais acostumado agora com sua Blue Origin, de projetos espaciais. Hoje são 12 CDs, 10 mil funcionários, entregas em até um dia para 100 cidades e em até dois dias para 1 mil municípios.

CONTINUIDADE Andy Jassy foi escolhido para suceder Bezos no comando da Amazon, em meados de 2021. Com mais de 15 anos de casa e experiência em tecnologia, tem conduzido a companhia em momento global complicado. (Crédito: Image Press Agency)

Também em 2019 a empresa lançou no Brasil o Amazon Prime, que combina compras e entretenimento em uma única assinatura. Ao mesmo tempo que o cliente tem acesso ao Prime Video, o serviço de streaming da empresa, pode também comprar produtos no site com desconto e frete grátis. A Alexa, assistente virtual da Amazon, passou a falar português. O Echo, dispositivo inteligente de interação de voz da marca, começou a ser vendido em território brasileiro. Uma série de ações em 36 meses que colocam a Amazon atualmente como o terceiro maior e-commerce do País em número de acessos, segundo dados da consultoria Conversion. A gigante americana tem 6,9% de share em acessos (149,8 milhões em setembro), atrás apenas da Shopee, com 10% de mercado (217,6 milhões de acessos) e do líder Mercado Livre, com 14,1% (308,8 milhões).

Segundo Marcio Welter, fundador e CEO da Lumen Academy, especialista em marketing e gestão empresarial, o diferencial que uma empresa pode oferecer aos seus clientes é um ecossistema de soluções que possam suprir as demandas. “Dentro da proposta de valor da Amazon ela buscou diversificar suas soluções e ampliar o seu alcance de vendas [cross sell].” Para o presidente da Cherto Consultoria e especialista em formatação e expansão de negócios Marcelo Cherto, outro diferencial é a complementariedade do ambiente Amazon. “Todos os negócios permitem a captura de dados de hábitos de consumo, localização, perfil de cliente. Ela é cada vez mais uma empresa de dados e informações.”

Fato é que há uma grande via de crescimento a ser explorada. Por aqui não existem lojas físicas, como na Inglaterra e nos EUA. Os consumidores conhecem a Amazon por publicidade, principalmente em canais digitais e em datas comemorativas do comércio. O foco é na entrega rápida das compras, para fisgar e fidelizar o cliente. “Ter loja física não atrapalha, mas ajudaria a Amazon a focar no que ela é boa: conectar produtos com consumidores, por meio de sua excelência operacional”, afirmou Welter. Para “Marco Quintarelli, consultor de varejo da Azo Negócios, a Amazon está amparada pela estrutura e confiabilidade da marca, forte e consolidada. “O digital é um canal que atende principalmente as gerações Y e Z, de novos consumidores.”

DIFERENCIAL Para conquistar clientes, a Amazon trabalha seu e-commerce em parceria com outros braços do grupo, como o streaming Prime Video, a assistente de voz Alexa e o serviço e cloud AWS. (Crédito:Divulgação)

Não à toa a Amazon é uma das que mais investem em tecnologia e conteúdo (mas pode chamar de pesquisa de desenvolvimento) no mundo. Em 2021, foram US$ 56 bilhões, US$ 13 bilhões a mais do que em 2020. Apenas no Brasil são 300 profissionais de tecnologia e, de acordo com Mazini, “contratando”. Em marketing, foram aportados US$ 32,5 bilhões globalmente ano passado, US$ 10 bilhões a mais do que no período anterior. Mais uma vez o Brasil é um dos principais receptores dessa massa bilionária de dinheiro, que faz a máquina registradora de vendas da empresa girar a centenas de bilhões de dólares anualmente.

BLACK FRIDAY O momento da empresa no Brasil é de comemorar bons números, que mostram sua evolução e seu potencial de crescimento. Este ano, as vendas no Prime Day, evento de descontos exclusivos para assinantes do Amazon Prime, superaram em 2,1 vezes as de 2021. As assinaturas Prime são outro balizador importante. Os números absolutos não são divulgados, mas Mazini afirma que o Brasil é o país do mundo em que mais clientes assinaram o programa em três anos. Agora, a expectativa é alta para a Black Friday, dia 25 de novembro.

INFRAESTRUTURA Amazon possui 12 Centros de Distribuição no Brasil, localizados em regiões estratégicas do País, como o de Guarulhos, em São Paulo (foto). O primeiro foi criado em Cajamar (SP), em 2019. (Crédito:Divulgação)

Seja para atender ao dia a dia ou datas especiais, a Amazon Brasil tem aperfeiçoado seus serviços e lançado outros para oferecer melhor as lojas parceiras que anunciam no marketplace ­— responsável por 57% das vendas globais, percentual semelhante registrado no mercado nacional. Já foram treinados 130 mil sellers no País para usar os serviços de logística e entrega da Amazon. São três opções disponibilizadas pela companhia. O Fulfillment By Amazon (FBA) é um programa de logística em que a empresa americana é responsável pela entrega e pós-venda, com logística reversa, de reembolsos e devoluções. É voltado para pequenos e médios negócios, mas já começa a atender grandes comércios. Denis Bueno, que abriu a Webbar em 2019, deu sobrevida ao seu negócio durante a pandemia. Ele trabalhava no setor de eventos, que parou. Começou a entregar kits de produtos e utensílios para coquetéis pela internet por meio do FBA. “Foi quando comecei a estruturar essa parte de vendas on-line. Eu não conhecia nada de e-commerce”, disse Bueno, que chegou a vender 4 mil itens em um único dia. “Sem me preocupar com a entrega, sobra tempo para cuidar do meu produto, separar, negociar com fornecedores e entender melhor como eu posso melhorar meu processo.”

O segundo serviço é o Delivery by Amazon (DBA), lançado em outubro de 2021, em que operadores logísticos parceiros buscam os produtos em lojas de 1 mil cidades e entregam nos 5,5 mil municípios do País. O ganho é em capilaridade. E o terceiro, recém-lançado no País, é o Vendas Internacionais (Global Selling), em que os vendedores brasileiros expõem seus produtos no site americano da Amazon para entrega nos Estados Unidos. Letícia Soares Lemos, da Lenna’s, marca de pastas, mochilas e bolsas, começou no FBA e já está no Vendas Internacionais. “Nossa maior dificuldade era de logística. Durante seis anos eu levava pecinha por pecinha para a transportadora”, disse a empresária, que começou a vender mais para o Nordeste e agora sonha em ter sua marca conhecida no mundo inteiro.

Além dos serviços de entrega, que possuem tecnologia avançada de ponta a ponta — desde o anúncio de produtos, passando pelas vendas, preparação de etiquetas, entrega de logística reversa —, a Amazon Brasil tem investido agora nas chamadas estações de entrega. São miniarmazéns localizados em centros urbanos, onde há mais demanda de vendas. Já existem nove deles, espalhados por Belo Horizonte, Brasília, Curitiba, Goiânia, Rio de Janeiro e São Paulo. Segundo Ricardo Garrido, diretor da loja de vendedores parceiros da Amazon Brasil, as estações proporcionam entregas no mesmo dia ou no dia seguinte. “Temos uma expansão forte de entregas cada vez mais rápidas.”

FAVELA LLOG Nesse mesmo caminho de reforçar a velocidade e a precisão de entrega, a companhia firmou parceria com a Favela LLog, do Grupo Favela Holding, para ampliar atendimento a consumidores de comunidades brasileiras. O objetivo é focar em rotas localizadas em regiões periféricas como Paraisópolis, em São Paulo, uma das maiores comunidades do País, com mais de 100 mil habitantes. Com a ação, a população local tem mais facilidade em receber produtos adquiridos no site da Amazon, que mira um mercado que movimenta R$ 124,1 bilhões por ano, segundo o instituto Data Favela.

Mesmo a Amazon sendo colossal e bilionária, seu contínuo crescimento no Brasil — e no mundo ­— requer investimento sério e execução nítida contra líderes já estabelecidos no mercado. Conceito que também está na famosa carta de 1997 aos acionistas. “É tudo sobre o longo prazo.”

ENTREVISTA: Daniel Mazini, presidente da Amazon Brasil
“Juros e inflação deixam a rentabilidade mais desafiante”

Claudio Gatti

Quais são os principais desafios logísticos do Brasil?
Eu sempre mostro o mapa do Brasil de noite para os colaboradores [imagem de satélite], porque nos principais pontos de luz [capitais] dá para ver que não há nenhuma estrada de pista dupla ligando nenhum deles. Talvez Rio-São Paulo, mas tem uma serrinha com pista única no meio. Isso é impressionante. Desde que começamos aqui com os livros [em 2012], evoluímos demais. Dependíamos dos Correios, que tinha uma entrega lenta, limitada por volumes. Mas não é mais complicado do que na Índia, que é superdesestruturada, e no Japão, que não tem CEP.

Qual o feedback dos americanos sobre a operação por aqui?
Reportamos primeiro para um grupo que se chama Emerging Market, que cuida de mercados emergentes. Somos vistos muito bem. Estamos em um crescimento muito grande, continuamos trazendo mais clientes, mais assinantes Prime do que outros países em três anos. Isso reflete em compras, frequência de uso do site, e isso dá noção de que o Brasil tem potencial gigantesco. Já somos um dos maiores e-commerces do Brasil porque estamos investindo, investindo e investindo.

O dólar valorizado no Brasil aqui atrapalha para ajudar na receita global?
O custo também é mais barato. Mesmo com dólar nesse nível, estamos bem posicionados. Olhamos potencialmente o número de clientes. Nossos CFOs são focados em clientes. Não nos estressamos com isso [câmbio].

Juros e inflação preocupam?
Deixam a rentabilidade mais desafiante. Tentamos absorver um pouco dos custos e aumentar o tamanho do negócio para compensar isso. Gostaríamos de nos próximos anos ter mais estabilidade para nos planejarmos melhor. Se os juros forem altos, paciência. Mas a subida do último ano atrapalhou um pouco.

O que mudou na Amazon com a saída de Jeff Bezos e a chegada de Andy Jassy como CEO no ano passado?
Jassy está na Amazon há mais de 15 anos, é um superamazonian, exemplo de princípios de liderança ética de negócios. Tem sido muito inspirador. Está entendendo desafios de rentabilidade e suplly chain global com guerra e pandemia. Bezos é simbólico. Em 2012, quando eu morava nos EUA, apresentamos umas três vezes a ele o projeto Brasil. É superinteligente, tem insigths de consumidor interessantes. Brincou que tinha amigos no Brasil que compravam tênis, relógio e computador quando vinham para os EUA. “Vamos vender tudo isso no Brasil!”, ele dizia. Isso aconteceu aos poucos.

Qual o legado dele?
A cultura do Day One. De estar eternamente insatisfeito com o status quo. O que fazemos hoje, sabemos que estamos fazendo agora, mas ano que vem
faremos melhor.

Qual o produto mais desafiador para ser entregue?
Quando a gente começou a vender bombom ficamos preocupados como chegaria ao consumidor, se chegaria derretido. Pensamos em vender apenas chocolates com wafer, pois as chances de derreter são menores. Depois começamos a vender produtos com maior concentração de chocolate. Tivemos que trabalhar com nossos transportadores para garantir uma entrega mais controlada. O clima no Brasil é sempre complicado. Alguém do Reino Unido nunca pensaria nisso. Não vendemos nada fresco, como frutas, sorvetes, que precisam de refrigeração mesmo… Só produtos de prateleira.