Lá vem o empresário Antônio Ermírio de Moraes, ou melhor, o dr. Antônio, como os funcionários, os políticos, os conhecidos e até alguns familiares o chamam. O corpanzil de quase dois metros de altura e quase 80 anos de idade entra no showroom da Companhia Brasileira de Alumínio, a CBA, no terceiro andar da sede do grupo Votorantim, num antigo edifício no centro velho de São Paulo. Seu caminhar é lento, os ombros, um pouco curvados.

Cercado de bobinas de alumínio e peças dos mais variados formatos do metal, o dr. Antônio cumprimenta a todos com um sorriso ? e começa a falar. Não, ele não perdeu sua proverbial argúcia, sempre utilizada para expor suas opiniões. As palavras que poderiam soar mais duras recebem um manto de suavidade confeccionado com sorrisos abertos. Sem eles, suas palavras poderiam soar grosseiras. Com eles, tornam- se a deliciosa manifestação de um humor sutil e inteligente. Nesse final de manhã de outubro, dr. Antônio tem mais um motivo para seu bom humor.

O assunto é a própria CBA, a ?menina de meus olhos?, como ele mesmo afirma, a empresa que ele acompanha desde a gestação há 52 anos. Nesse período tornou-se uma potência. De janeiro a setembro deste ano, de sua fábrica saíram 334 mil toneladas de alumínio primário, o que a coloca como a segunda maior fabricante do País, colada na líder, a Albras. Em 2006, seu faturamento atingiu mais de R$ 2,7 bilhões e o lucro operacional atingiu R$ 712 milhões ? uma margem bruta de 26%. Nos últimos cinco anos, a empresa desembolsou R$ 5 bilhões para ampliar e modernizar suas linhas de produção.

Apenas 30% dessa dinheirama veio de bancos ou outras fontes externas de financiamento. O restante saiu do cofre do grupo. Essa invejável saúde levou a CBA ao título de Empresa do Ano do ranking de AS MELHORES DA DINHEIRO. ?No início, não imaginava que a empresa atingisse este porte?, afirma Ermírio de Moraes.

?Nossa idéia era apenas sobreviver.? Sobreviveu e se tornou uma das maiores fabricantes de alumínio do mundo, a sexta, para ser mais exato. O principal impulso veio de um modelo de negócios único, com vantagens que dificilmente os concorrentes poderão superar. A fábrica da CBA, por exemplo, ocupa uma gigantesca área de 700 mil metros quadrados e é a maior unidade integrada do mundo ? ou seja, a matéria- prima, a bauxita, entra em estadobruto e só sai na forma de produto acabado. Tudo circula internamente por ruas limpíssimas, margeadas por canteiros desenhados pelo próprio diretor da unidade, o engenheiro Renato César Brito de Moura. De lá, caminhões e trens saem lotados de placas, lingotes, vergalhões e perfis. Da produção final, 60% é destinada a clientes brasileiros e os outros 40% seguem por navios para clientes externos concentrados, sobretudo, nos EUA e na Europa. É por trem que a bauxita chega depois de extraída das três unidades de mineração do grupo localizadas em Minas Gerais.

Em uma operação rápida, o vagão é virado e despeja, de uma só vez, oito mil toneladas do minério ainda misturadas com muita lama em enormes silos.

Máquinas e homens iniciam um trabalho meticuloso que transformará o minério em metal. A bauxita é separada dos resíduos e ganha a forma de um pó acinzentado, o óxido de alumínio. Um pequeno caminhão coleta o material e depois abastece os 1,5 mil fornos da unidade. Cada um trabalha com temperatura exata de 950ºC. Com o calor, o pó vira metal incandescente e o alumínio surge pela primeira vez em forma líquida.

Cada forno consome 14 kw/hora para a produção de um quilo de alumínio, abaixo da média mundial de quase 15 kw/h ? e aí reside outra vantagem competitiva da CBA. Por isso, a energia elétrica é, na verdade, o principal insumo da produção do alumínio. ?Alumínio é a energia empacotada?, compara Antônio Ermírio. Por isso, o empresário orgulha-se tanto em afirmar que a autogeração de energia é um diferencial da CBA. Hoje, a empresa produz 60% da energia elétrica consumida pela companhia. São 18 usinas hidrelétricas, 13 delas, próprias.

As outras são parceiras. A média mundial de autogeração do setor é de 28%.

Ainda em forma líquida, o alumínio é despejado em uma espécie de panela gigante. Um caminhão passa e recolhe o material para levá-lo ao prédio ao lado, onde é resfriado até se solidificar. A capacidade de produção bate em 475 mil toneladas. É pouco para a ambição de Antônio Ermírio. Num dos prédios da fábrica, uma enorme cortina azul esconde uma área recém-construída para receber o maquinário para aumentar a capacidade para 615 mil toneladas nos próximos três anos. As obras causam certo constrangimento a Moura. ?O chão de taco está cheio de madeira, mas assim que o equipamento for instalado vamos lixar e envernizá-lo novamente?, diz, meio sem graça, revelando um traço da cultura da CBA, a preocupação com a qualidade. ?Desculpa a bagunça.?

O desconforto desaparece quando ele aponta para outro local. ?Ali vamos construir um novo prédio?, diz. O edifício será equipado com uma inédita linha de pintura. Esse novo investimento é a concretização de um dos pontos da estratégia da companhia. ?Queremos agregar valor a nossos produtos?, explica Paulo Pisauro, diretor de finanças e recursos humanos da CBA. Exemplo: uma laminação inaugurada há pouco tempo (ao custo de US$ 200 milhões) gera lâminas de alumínio de dois metros de largura. Até então, quem quisesse placas com mais de 1,3 metro teria que importá-las. Os fabricantes de grandes embalagens industriais e de carrocerias de ônibus, principais consumidores desse tipo de produto, agradeceram. ?Não podemos acreditar que o jogo está ganho?, afirma Antônio Ermírio. ?Precisamos crescer 7% ao ano.

Pelo menos enquanto eu estiver aqui.? O único índice que se mantém estável na CBA diz respeito aos recursos humanos. ?A motivação e a capacitação dos funcionários são alguns de nossos principais trunfos?, afirma o diretor Pisauro. A rotatividade de pessoal não ultrapassa 0,67% ao ano, índice raquítico no universo corporativo brasileiro. O tempo médio de casa dos sete mil funcionários só caiu quinze para dez anos porque 1,5 mil novos colaboradores foram contratados nos últimos oito anos. A pouca rotatividade, lembra Pisauro, é fundamental para a preservação do conhecimento no interior da empresa. A valorização da prata da casa tem seu melhor exemplo na própria diretoria. Todos os seis principais executivos da cúpula desenharam suas carreiras na própria CBA. ?Tenho 55 anos de idade,

37 de empresa e sou o caçula da diretoria?, diverte-se Pisauro. A estreita ligação entre a empresa e a cidade onde está localizada, significativamente batizada de Alumínio, ajuda a explicar a estabilidade do quadro de pessoal. Metade dos funcionários mora no pequeno município de 15 mil habitantes. A CBA faz parte da vida da cidade até nos momentos de lazer. Recentemente uma área de vivência foi inaugurada e fica aberta à comunidade todos os dias. Trata-se de um grande bosque com riacho, auditório, playground, biblioteca e uma área onde mais de duas mil mudas foram plantadas. É possível comer jabuticaba, pitanga e até jaca no pé. Pau-brasil, ipês e outras árvores nativas darão uma idéia do que é uma mata atlântica assim que crescerem. São os detalhes que fazem da CBA uma empresa campeã.

 

NO PRINCÍPIO, PARECIA IMPOSSÍVEL?

Bem-humorado, o empresário Antônio Ermírio, 79 anos, recebeu a reportagem da DINHEIRO na sede da CBA e falou sobre a história da empresa

Dizem que a CBA é a menina de seus olhos no Votorantim. É verdade? Vamos dizer que eles não estão desprovidos de razão (risos). Trabalho na empresa desde o primeiro dia de elaboração do projeto. Foi nesta empresa que enterrei meus sapatos na lama. É uma coisa que vem do coração.

O sr. acreditava que a CBA atingiria o porte atual?
Para ser sincero, não. A idéia era simplesmente sobreviver. E nos primeiros anos parecia impossível.

Por quê?
Havia muita desconfiança. Para você ter uma idéia, nos primeiros dois meses de existência tivemos 70 títulos protestados. Falavam que não tínhamos condições de tocar o investimento.

De onde vinham os rumores?
Éramos uma companhia nacional entrando num mercado de grandes grupos. Havia um jornalista muito influente na época que nos atacava constantemente. Não falo o nome porque é passado.

Como a CBA sobreviveu?
Eu era mais jovem. E mais ousado também (risos). Fizemos algo inédito. Começamos a produzir sem fazer uma fábrica-piloto. Ou seja, montamos as máquinas e não houve um período de testes. É uma loucura nos dias de hoje. Mas fomos lá e fizemos.

Por que o sr. tomou essa decisão naquela oportunidade?
Porque tínhamos urgência em colocar o produto no mercado, já que havia muita procura. Foi um desafio e tanto, mas nós o superamos. O que nos conduziu foi nossa filosofia de negócios: trabalhar muito e não esperar nada do governo.

Hoje, apenas 30% dos recursos para investimentos vêm de fora. Trabalhamos sempre com recursos próprios. Também mantemos a humildade para não considerar que o jogo está ganho. Humildade é muito importante. Havia um italiano por aí que gostava de dizer que tinha uma fábrica por dia do ano. Ele não está mais aí. Mas não é preciso um ano para acabar com tudo isso. (Risos. Ermírio de Moraes refere-se ao empresáempresário Francisco Matarazzo, que se gabava de ser dono de 365 fábricas no Brasil.)

Essa independência levou o sr. a investir em hidrelétricas próprias?
Isso faz parte do modelo de negócios, que possui três pilares e nos deixa imbatíveis. Um deles é a fábrica integrada, a maior do mundo. Outro é a proximidade de São Paulo, maior mercado do País. O terceiro é a geração própria de energia. Cerca de 60% do consumo de energia vem de auto-geração, o melhor índice do mundo.

O sr. pretende aumentá-lo?
O índice é muito bom. Mas, se chegássemos a 70%, não seria ruim, seria? (Risos.)

Na época era mais fácil construir uma hidrelétrica no Brasil?
Era mais difícil. Havia muitas amarras e desconfianças. Perguntavam para mim: ?Se o governo não consegue construir, como você pretende fazer isso?? Hoje, continua difícil, mas já podemos mostrar nossa experiência e eles sabem que nós podemos fazê-lo.

Há uma consolidação no mercado de alumínio. A CBA é assediada?
A consolidação existe. Só espero que não venha para cima da gente. Somos compradores e temos condições de competir com os grandes grupos. Apanhamos bastante nos primeiros anos de existência e saímos fortalecidos desse processo.

Há uma corrida às bolsas e uma procura de sócios capitalistas. O sr. vê isso como uma possibilidade?
É uma possibilidade para as empresas que precisam se capitalizar. Mas o nosso grupo é capitalizado. Posso resumir para você: esse negócio de IPO, comigo não vai ter (risos).

O crescimento da economia veio para ficar?
Acho que sim. O País vai bem do ponto de vista empresarial. Há muitas oportunidades e a economia cresce, com aumento de renda e emprego em alta. Se eu tivesse 20 anos, sairia pelo Brasil fazendo negócios.

Em que setores o sr. investiria?
Aí me faltaria a experiência que tenho hoje para escolher (risos).

O sr. sempre foi crítico ao PT e agora elogia o governo de Lula. Esse governo foi uma surpresa positiva?
Para ser sincero, sim.

Dentro desse cenário, a CBA continuará crescendo?
Vai continuar crescendo, por volta de 7% ao ano. Pelo menos, enquanto eu estiver aqui, será assim.