O grupo que atende 100 milhões de clientes por dia no mundo vem crescendo no Brasil — e criou, aqui, tecnologias que aplica em 35 países

Uma das 20 maiores empregadoras privadas do mundo, com 460 mil funcionários em 72 países, a francesa Sodexo é um caso raro de empresa gigantesca que carrega uma cultura familiar. Criada em 1966, em Marselha, por Pierre Bellon, a companhia mantém 42% de ações nas mãos dos fundadores, que pretendem ficar no controle do negócio por pelo menos mais 50 anos.
Sophie Bellon, filha de Pierre, é a atual presidente do conselho de administração e também da companhia. Ela esteve no Brasil e falou com exclusividade à DINHEIRO sobre diversidade no ambiente de trabalho e a receita para crescer mesmo em ambiente de crise.

DINHEIRO — Qual é a importância do mercado brasileiro para a Sodexo?

SOPHIE BELLON — O Brasil é o terceiro maior mercado em número de pessoas e o quarto em receita. E é o único onde temos atividades fortes nas nossas duas divisões: a de cartões de benefícios, e a On Site, de prestação de serviços terceirizados para empresas. Em 2008, compramos a VR, que ampliou a nossa primeira divisão. E, em 2011, crescemos a On Site com a compra da Puras. Mais recentemente, no ano passado, adquirimos 80% da Pronep, empresa de hospitalização e de cuidados pessoais em residência. Esse é o terceiro pilar do nosso negócio — e era o único que não tinha presença no Brasil.

DINHEIRO — Como a empresa pode continuar a crescer depois de atingir o atual porte, que tem faturamento de € 20 bilhões?

SOPHIE BELLON — A Sodexo foi criada por meu pai há 53 anos e hoje temos 460 mil funcionários em 72 países. Somos o maior empregador privado da França e um dos maiores do mundo. E cuidamos das pessoas desde o nascimento, ao prestar serviços para hospitais e maternidades. Também estamos presentes em estádios esportivos, escolas, órgãos de defesa e justiça. E temos até o contrato de serviços de alimentação da Torre Eiffel. Ainda atuamos em casas de repouso e oferecemos cuidados para pessoas idosas nas residências. É muita coisa. Por 50 anos, fomos uma empresa voltada a vender serviços para empresas. Hoje isso não é mais suficiente. Vamos continuar atuando junto ao mercado corporativo, mas precisamos nos relacionar diretamente com os consumidores finais. Como organização, a chave para crescermos está em entender melhor os clientes e suas expectativas para personalizar as nossas ofertas.

“Avançamos mais rapidamente no digital e podemos testar novidades globais primeiro aqui. A disrupção traz oportunidades” (Crédito:Divulgação)

DINHEIRO — No Brasil, onde está o potencial de crescimento?

SOPHIE BELLON — O Brasil traz grandes oportunidades e o fato de estarmos atuando aqui com nossas três divisões mostra que acreditamos nesse potencial. Mesmo sendo muito grandes em serviços corporativos, ainda somos pequenos em saúde e educação no Brasil. E ainda não atuamos em esportes e entretenimento. Os serviços corporativos representam 70% dos nossos negócios no País. Mas o mercado de saúde local, envolvendo hospitais e casas de repouso, é grande, assim como o setor de educação. Nos EUA, já somos grandes em universidades e hospitais. É possível fazer isso também no Brasil.

DINHEIRO — Nos últimos anos, a empresa apostou em diversificação de serviços, como manutenção e jardinagem. Isso também acontece em outros países?

SOPHIE BELLON — É uma estratégia global e uma expectativa do nosso cliente, que espera que uma organização como a Sodexo o ajude a ser mais competitivo e a desenvolver melhores ambientes para os empregados. Havia uma demanda por serviços integrados, além da alimentação e, com isso, temos crescido no Brasil acima de 10% nos últimos quatro anos na divisão On Site. Estamos ficando mais especializados em cada segmento de mercado. Nos hospitais, fazemos limpeza de clientes, equipamentos, limpeza técnica e desinfecção. Em saúde, o contato é direto com os clientes finais do contratante, o que é diferente. Nas empresas, é com os funcionários.

DINHEIRO — Essa diversificação toda tem relação com as mudanças de relações de trabalhos? Afinal, as relações entre os trabalhadores e suas empresas estão ficando mais informais. Há cada mais terceirização e menos funcionários diretos. Isso pode impactar o resultado da Sodexo?

SOPHIE BELLON — Há uma disrupção digital, que impacta na nossa vida cotidiana e que também na forma como as pessoas trabalham. Temos de ter consciência disso, porque nos força a fazer as coisas de forma diferente. Isso pode ser visto como uma ameaça, mas vejo como uma grande oportunidade. Com as novas tecnologias, podemos propor algo diferente e melhorar a experiência das pessoas. Conseguimos ter contato direto de forma on-line e não apenas pessoalmente. Todos os dias, temos contato com 100 milhões de pessoas que usam nossos serviços e queremos chegar, no futuro, à marca de 1 bilhão.

DINHEIRO — Como vai ser essa customização de serviços?

SOPHIE BELLON — Com a tecnologia, se o paciente de um hospital não quiser ter almoço no mesmo horário que os outros, nós podemos flexibilizar isso. E até fazer um menu diferente. O consumidor quer ter a opção de escolher e por isso acontece essa disrupção de negócios pelo mundo. Devemos encarar isso como uma oportunidade. O negócio de benefícios e recompensas já passou por uma disrupção alguns anos atrás e por isso mudamos a forma de trabalhar. O Brasil foi pioneiro nessa transformação, ao migrar mais rapidamente do voucher em papel para o cartão, até por conta da inflação alta e do número de fraudes. Hoje, o Brasil é o país onde temos o maior negócio de cartões de benefícios. Agora, com a nova regulação trabalhista, podemos ter nova oportunidade de buscarmos inovações. Avançamos mais rapidamente no digital e podemos testar novidades globais primeiro aqui. No Brasil, já criamos soluções para 35 países. A disrupção traz oportunidades.

DINHEIRO — Para ter sobrevivido cinco décadas, a Sodexo virou uma especialista em mudanças?

BELLON — Essa capacidade de adaptação e flexibilidade é parte de quem somos e a Sodexo só é a empresa que é porque soubemos nos adaptar. Muito rapidamente, buscamos sair da França, pois sabíamos que deveríamos nos internacionalizar para crescer.
A visão do meu pai era que crescer era a única forma de satisfazer o cliente, o empregado e o acionista. Somos uma empresa voltada ao crescimento e queremos nos manter assim. Mas, para fazer isso, precisamos ser ágeis.

DINHEIRO — Nos últimos anos, com a maior velocidade das mudanças, ficou mais difícil crescer e se adaptar?

BELLON — Apesar de a adaptação fazer parte da nossa cultura, não significa que não temos problemas de vez em quando. Um ano e meio atrás, fizemos um anúncio de que o lucro ficaria abaixo do esperado por conta de resultados fracos na América do Norte. Estávamos com um desempenho pior do que costumávamos ter na região. Sabemos agora quais eram os problemas. Tínhamos falhas na equipe de gestão e, por isso, trocamos as pessoas. Atacamos isso de frente e agora temos um plano de recuperação. É preciso sempre se desafiar. O time no Brasil é bom na busca pela diversificação dos negócios, mas em outros lugares o resultado não é tão bom e precisamos correr atrás. Não dá para ficar satisfeito. Temos de sempre ficar buscando como melhorar.

DINHEIRO — A economia brasileira dificultou o crescimento local?

BELLON — O nosso crescimento não sofreu com os problemas do País. Isso mostra que, mesmo num ambiente mais duro, é possível reagir e tomar boas ações. E ainda crescer.

“Existem 800 milhões de pessoas no mundo que não comem o suficiente. E o mais escandaloso é que um terço de tudo que é produzido é jogado fora” (Crédito:Divulgação)

DINHEIRO — Em crises econômicas a tendência das empresas é terceirizar ainda mais?

BELLON — É um impulso para que façam as coisas de forma diferente. Se estamos próximos dos clientes, podemos ajudar nisso. No último ano, criamos mais de 5 mil empregos no Brasil. Estávamos contratando pessoas, mesmo num momento em que o desemprego aumentava.

DINHEIRO — Sendo uma grande recrutadora, a Sodexo se preocupa com a igualdade de gênero?

BELLON — Responsabilidade corporativa sempre foi importante para a empresa. Podemos contribuir para várias áreas, mas decidimos nos focar em três tópicos. Os primeiros são fome e desperdício, que são temas interligados. Existem 800 milhões de pessoas no mundo que não comem o suficiente. E o mais escandaloso é que um terço de tudo que é produzido é jogado fora. O terceiro grande tema é igualdade gênero. Queremos criar uma organização inclusiva. Estamos convencidos de que pessoas felizes vão produzir mais e ter um desempenho melhor. E isso começa com a questão de gênero. Não significa que outros assuntos não sejam importantes, como diferenças culturais, faixa etária e orientação sexual. Mas, se fizermos progresso em gênero, também vamos progredir nos outros tópicos. É parte de quem somos e como fomos criados.

DINHEIRO — Isso traz resultados nos negócios?

BELLON — Somos o 19º maior empregador do mundo. E fazemos isso não apenas porque é a coisa certa, mas porque, segundo estudos de grandes consultorias, a empresa com maior diversidade é mais inovadora, traz melhores resultados e tem pessoas mais engajadas. Fizemos um estudo comparando os resultados de uma equipe equilibrada entre gêneros com outra sem equilíbrio. No primeiro grupo, tivemos um desempenho melhor em todas as variáveis: engajamento do funcionário, satisfação do cliente, captação de clientes, rentabilidade e segurança. É por isso que fazemos. Não é preciso pensar duas vezes.

DINHEIRO — E como está esse equilíbrio na empresa?

BELLON — No Brasil, as mulheres são 67% da Sodexo e temos até que cuidar para não desequilibrar para o outro lado. Temos de nos preocupar para que os homens também sejam promovidos (risos). Mas essa não é a realidade global. Isso acontece porque há uma exigência legal de termos nutricionistas em cada empresa que atuamos com serviços de alimentação. E essa posição costuma ser ocupada por mulheres. O time executivo da Sodexo é composto por 50% de homens; já no conselho de administração, as mulheres são 58%. No nível de diretores é 33%. A meta é a empresa ficar entre 40% e 60%, o que dá certa flexibilidade. E queremos atingir essa meta em 2025. Mas é preciso nos manter alertas, porque, se não continuamos sempre progredindo, acabamos regredindo.