A empresa americana AES Corporation, que possui investimentos em 15 países no setor de energia elétrica, tentou suavizar o destino da Eletropaulo, uma de suas subsidiárias. Na divulgação do balanço anual, feito pela matriz nos Estados Unidos, no fim de fevereiro, a maior empresa brasileira de distribuição de eletricidade foi classificada como “operação descontinuada”. O termo, pouco específico, intrigou os analistas, que questionaram o vice-presidente financeiro, Thomas O’Flynn, se ele indicava que a empresa seria vendida. “Sim, porém, não quero ser muito específico, pois é uma companhia aberta, mas é algo do tipo”, afirmou O’Flynn. “Se pensar em operações descontinuadas, você pode chegar à essa conclusão.”

De forma obtusa, O’Flynn revelou o que todo o mercado especulava desde meados de 2016: a AES vai sim deixar o capital da Eletropaulo, com valor de mercado de R$ 2,9 bilhões e receita operacional liquida de R$ 13,1 bilhões, em 2017. A intenção de se desfazer da distribuidora paulista de energia ficou clara quando a AES apoiou a reestruturação de capital da subsidiária. Em setembro de 2017, a companhia americana aprovou a migração da Eletropaulo para o Novo Mercado da B3, o segmento mais elevado de governança corporativa. Com a mudança, a AES abriu mão de ser controladora.

Antes, a empresa americana detinha 50,01% do capital votante e o BNDESPar, 49,99%. Com a conversão de ações preferenciais (sem direito a voto) para ordinárias (com direito a voto), a estrutura mudou. A nova composição colocou a AES com apenas 16,8% das ações e o braço de investimentos do banco estatal ficou com 18,7%. A União, por sua vez, passou a ser a terceira maior acionista, com 7,97%. Nessa nova configuração, com a soma das posições de BNDES e União, o poder público detém 26,7%, tornando-se o maior acionista da companhia de energia. “Cada acionista tem o seu voto. Quanto maior a participação, maior o poder”, diz Julião Coelho, ex-diretor da Aneel.

Britaldo Soares: o ex-presidente resistiu o quanto pode aos pedidos de venda feitos pela matriz (Crédito:João Castellano / Agência Istoé)

A solução para a AES deixar a Eletropaulo deve ser uma oferta pública de aquisição de ações (OPA), que está sendo coordenada pelos bancos Bradesco BBI, JPMorgan, Citi e Itaú BBA. A oferta, esperada para acontecer até o fim de março mês, deve girar em torno de R$ 2 bilhões (quase dois terços do valor de mercado da empresa). Em fato relevante de 28 de fevereiro, Marcelo Jesus, vice-presidente financeiro da Eletropaulo, disse que a distribuidora “tem conhecimento de que a AES Corp. está avaliando alternativas em relação a seu investimento na companhia, inclusive com a contratação de assessores financeiros e legais, e que tais alternativas podem envolver uma oferta pública secundária por parte da AES Corp”. Procurada pela DINHEIRO, a Eletropaulo escreveu, em nota, apenas que “migrou para o Novo Mercado da B3, no ano passado, segmento que reúne as empresas com os mais elevados padrões de governança do País”.

Na semana passada, a Eletropaulo resolveu um imbróglio com a Eletrobras, ainda do período pré-privatização. A distribuidora paulista fez um acordo com a estatal federal para pagar R$ 1,5 bilhão. Neste ano, ela desembolsará R$ 250 milhões. Para acertar essa conta, a companhia terá de ratear esse custo entre os acionistas, por meio de uma “chamada de capital”. O problema será convencer os acionistas a colocarem capital novo na empresa. Segundo apurou DINHEIRO, eles não querem participar dessa rodada de capitalização. Uma fonte próxima ao conselho da Eletropaulo afirmou que o recurso da OPA será utilizado para “pagar a conta com a Eletrobras”. Marcelo Jesus, da Eletropaulo, negou essa intenção. “A companhia tem divulgado em fato relevante que ela avalia eventualmente uma oferta como fonte de seu crescimento, não para pagar a Eletrobras. Não existe nenhuma decisão sobre a oferta. Havendo a decisão, seja de estrutura, ou valor, a empresa vai notificar o mercado”, afirmou o executivo, em teleconferência com analistas, na segunda-feira 12.

Não faltam interessados na Eletropaulo. Há uma dezena de fundos de private equity e family offices de olho na empresa. A GP Investments, de Fersen Lambranho e Antonio Bonchristiano, aparece como uma das favoritas. A gestora captou R$ 1 bilhão em um fundo exclusivo para investimento em distribuição de energia, no ano passado. Nos últimos anos, empresas do setor frequentaram os escritórios da AES. A chinesa State Grid, uma das gigantes mundiais, sentou para discutir a aquisição, mas as duas partes nunca chegaram a um acordo sobre os valores. A brasileira CPFL, que atua com geração e distribuição de energia no interior de São Paulo, antes mesmo de ser adquirida pela própria State Grid, em novembro de 2016, também fez suas investidas. Mas, em vez de consolidar sua operação paulista, unindo todos os negócios do Estado, levou a AES Sul, distribuidora de energia do interior do Rio Grande do Sul, em julho de 2016, por R$ 1,7 bilhão.

Charles Lenzi foi escolhido pelos americanos para preparar a venda da Eletropaulo (Crédito:Divulgação)

A saída da AES da Eletropaulo mostra que a americana perdeu o encanto com o setor de distribuição de energia no Brasil. A mudança de pensamento aconteceu em 2012, quando a ex-presidente Dilma Rousseff editou uma Media Provisória para baixar o custo da conta de luz para consumidores residenciais. Inicialmente, Dilma conseguiu seu objetivo, mas desequilibrou todo o setor. As empresas tiveram de comprar energia mais cara no mercado livre, para entregá-la mais barata aos consumidores. Com isso, a distribuição de dividendos aos acionistas foi reduzida. A Eletropaulo, que tinha distribuído R$ 1,3 bilhão em 2011, dividiu uma fatia menor após 2013 – um total de R$ 133 milhões até 2017. A partir da decisão de Dilma, o que era joia virou bijuteria. Desde 2013, o prejuízo acumulado chegou a R$ 601 milhões. O maior deles, de R$ 844 milhões, foi registrado no ano passado.

Não bastasse a situação econômica, as relações entre os executivos brasileiros e a matriz foram se deteriorando. Desde que a AES enxergou problemas no setor no Brasil, o então presidente da Eletropaulo, Britaldo Soares, buscava impedir a venda. Ele não se conformava com a forma como a empresa podia ser descartada, principalmente pela importância que o ativo nacional sempre teve no resultado da matriz. Em 2000, quando os americanos passaram a ser os controladores da Eletropaulo, a matriz reportou um lucro de US$ 426 milhões com a área de distribuição, contra uma perda de US$ 31 milhões no ano anterior. “O aumento significativo nos ganhos com distribuição é devido à participação adicional na Eletropaulo”, informou a AES, na época.

Por mais de uma década, os resultados foram satisfatórios. Mas a crise do setor enfraqueceu a posição de Soares, que foi transferido para o conselho de administração da Eletropaulo, em fevereiro de 2016. Alinhados com os interesses da matriz, o venezuelano Julien Nebreda assumiu a presidência executiva da holding no País e o brasileiro Charles Lenzi, contratado diretamente pela AES, e não pela Eletropaulo, tomou posse na presidência da subsidiária. “O Britaldo caiu para cima”, afirma uma fonte, próxima a Lenzi. “Ele ficou isolado no conselho e a AES conseguiu colocar em prática o plano de se desfazer da distribuição. Até porque o DNA da AES é a geração de energia.” Procurada, a AES Corp diz que após a conversão das ações preferenciais em ordinárias, a companhia passou a contabilizar a Eletropaulo como um simples investimento. “Em dezembro de 2017, todos os critérios foram alcançados para classificar a Eletropaulo como uma operação descontinuada”, afirma Amy Ackerman, porta-voz da AES.