O advogado que representa no País a maior plataforma global de mensagens instantâneas afirma que os entendimentos com a Justiça Eleitoral permitem combater a desinformação e evitar práticas criminosas.

Antes de se tornar o rosto e a voz do WhatsApp no Brasil, em 2020, o advogado Dario Durigan havia feito carreira no setor público. Formado pela Universidade de São Paulo e mestre em direito e pesquisa jurídica pela Universidade de Brasília, atuou na Advocacia Geral da União, na Casa Civil e na prefeitura de São Paulo, como assessor especial de Fernando Haddad. À frente da plataforma de mensagens instantâneas que tem no Brasil seu segundo maior mercado (atrás da Índia), Durigan tem procurado dialogar com a sociedade civil, a academia, a imprensa, o Congresso Nacional e o TSE para entender e atender as demandas em relação ao uso do WhatsApp no contexto das eleições. Uma de suas preocupações é o risco de retrocesso no âmbito da privacidade que pode derivar do Projeto de Lei 2630, que poderá exigir a rastreabilidade de mensagens eletrônicas, como ele explicou nesta entrevista.

DINHEIRO — No último dia 6, o governo comemorou a rejeição ao pedido de urgência para a votação do projeto de lei das fake news no plenário da Câmara. Há algum risco de retrocesso nessa questão?
DARIO DURIGAN — Houve um avanço muito importante nas discussões públicas que se refletiu no texto atual apresentado pelo deputado federal Orlando Silva (PCdoB). Há sim algum impacto no produto WhatsApp, mas fruto de um amadurecimento desse debate. Em relação aos riscos sobre a “mensageria instantânea”, como o PL denomina, o que existe na proposta aprovada no Senado em 2020 é a questão da rastreabilidade das mensagens. Esse é um risco enorme não para o WhatsApp do ponto de vista comercial, mas em termos valorativos, para a proteção de dados, para a privacidade e para a presunção de inocência. A rastreabilidade não é um botão que você liga e desliga. É algo muito sério. Afeta uma lógica que é a essência do que o WhatsApp faz hoje.

E qual é essa essência?
O WhatsApp não faz controle nem monitoramento de conversas privadas. Isso é assegurado pela criptografia de ponta a ponta. A rastreabilidade passa a exigir que as conversas sejam controladas pela quebra da criptografia. Para que, um dia, a pedido de autoridade judicial ou da polícia [de qualquer instância] se entregue quem falou o quê com quem.

As redes sociais não têm acesso algum a esses conteúdos trocados no meio digital?
Permita-me responder pelo WhatsApp, onde todas as conversas (de texto, vídeo, ligação telefônica) são criptografadas de ponta a ponta. Isso quer dizer que nenhum terceiro consegue acessar o conteúdo das suas conversas. Nem mesmo o WhatsApp. Em decorrência disso, não há um uso desses dados para qualquer tipo de anúncio ou publicidade. Esse é um detalhe muito importante.

“A rastreabilidade dos serviços de mensageria, como aparece no projeto de lei das fake news aprovado pelo Senado, traz um risco enorme. Ela torna o WhatsApp menos seguro para os brasileiros”. (Crédito:Luis Macedo)

É assim também nas demais redes?
Em muitas delas, não. Há concorrentes do WhatsApp que não têm criptografia, por definição. Eles podem inclusive derrubar conteúdo ou fazer moderação de conteúdo, o que na lógica do WhatsApp não existe.

Além da rastreabilidade, capaz de ferir a LGPD, o que pode ser feito para enfrentar a avalanche das fake news no Brasil e no mundo?
O problema da desinformação é complexo. E é de todo mundo. As autoridades estão preocupadas, a sociedade também e até o Congresso Nacional. O WhatsApp nunca fugiu desse debate e, por ser a principal plataforma de troca de mensagens do mundo hoje, tem um compromisso com o Brasil e com as leis brasileiras. Ao mesmo tempo em que protegemos todas as conversas pessoais, existem outras medidas que permitem às autoridades brasileiras combater a desinformação, em especial aquela que se reveste de caráter criminoso. Esse é o nosso foco. O PL das fakes news obriga plataformas como o WhatsApp a atender pedidos da Justiça.

Pode dar exemplos?
Uma vez identificada uma conta suspeita, o juiz pode pedir ao WhatsApp informar qual o padrão de comportamento daquela conta. Não temos acesso ao conteúdo, então não podemos dizer o que foi dito em uma conversa, mas sim quem participou dela. O WhatsApp funciona como correio. Mesmo sem abrir as mensagens, é possível revelar que houve uma entrega, seja de uma pessoa para outra, seja para um grupo, e quem é o administrador do grupo, com quem ele se comunica… É possível, numa lógica que a gente chama de metadados, levar informação sobre padrões de comportamento que podem ser mais úteis às autoridades do que os próprios conteúdos. Porque isso permite identificar organizações criminosas e quem as financia. Essas organizações podem perdurar no tempo e a colaboração do WhatsApp com as autoridades permite um enfrentamento estrutural desses grupos financiados. Outro exemplo é a proibição do disparo em massa.

Esse foi um tema crítico na eleição de 2018. Tecnicamente, hoje é possível conter o disparo em massa?
O WhatsApp está preparado para enfrentar o desafio do disparo em massa este ano com um arsenal de iniciativas. Pelos termos de uso, sempre foi proibido usar automação. No passado, a gente bania cerca de 2 milhões de contas por mês. Hoje, esse sistema é muito mais evoluído e já está banindo 8 milhões de contas todos os meses. Conseguimos identificar o uso da plataforma por uma conta automatizada que manda um número enorme de mensagens para uma base de usuários que desconhece o remetente ou cujo tempo de conversação ocorre fora do padrão humano. O WhatsApp é muito preciso nessa aferição e consegue banir contas assim. Mas as iniciativas não param por aí. Ajuizamos uma leva de ações e obtivemos ganho de causa em todas elas proibindo anúncio, oferta e operação de disparo por empresas pelo WhatsApp no Brasil. Essas ações são bastante educativas para o mercado.

Para as eleições deste ano no Brasil, quais propostas foram levadas para a Justiça Eleitoral e o que está sendo implementado?
O WhatsApp sugeriu em 2019 ao TSE [Tribunal Superior Eleitoral] trazer esses termos para a legislação brasileira, que hoje proíbe o disparo em massa para fins eleitorais. E para dar efetividade a essa fiscalização, o WhatsApp vai lançar em parceria com o TSE uma ferramenta de fácil acesso para todos (partidos, servidores da Justiça Eleitoral, imprensa e eleitores), que permitirá denunciar mensagens suspeitas de ferir as regras de uso. O TSE irá investigar e o WhatsApp também. Eu fecho essa resposta com um apelo aos partidos políticos e candidatos: não contratem empresas de marketing automatizado e disparo em massa. Isso faz mal à democracia e pode trazer consequências graves para as chapas.

Quais os maiores aprendizados do WhatsApp com eleições anteriores no Brasil e no mundo?
A eleição brasileira de 2022 é a mais importante para o WhatsApp no mundo. O que a gente faz aqui em termos de parceria com o poder público e em ações para combater abuso não se faz em nenhum outro lugar. O Brasil é a prioridade número zero. Claro que existem aprendizados em todos os processos eleitorais, mas as iniciativas daqui é que estão sendo levadas para outros países. Temos reuniões periódicas com o TSE para entender os desafios e desenhar os melhores passos futuros. Para o WhatsApp, desinformação também se combate com informação de qualidade. O TSE lançou nesta semana uma conta oficial no WhatsApp que tira dúvidas de partidos e eleitores. É uma conta com selo de verificação. Não há dúvida de que as pessoas ali estão falando com o TSE, que pode disponibilizar serviços como consulta ao local de votação e receber denúncias sobre práticas ilícitas. Basta adicionar este número: 61 96371978. Além dessa conta, os TREs também estão disponibilizando serviços no WhatsApp para atender demandas regionais. Essa rede do bem pode servir como vacina contra o mau uso da plataforma. Tivemos uma ótima experiência com o ministro Luís Roberto Barroso e agora com o ministro Edson Facchin (atual presidente do TSE). E assumimos o compromisso de que nenhuma mudança significativa no WhatsApp entre em vigor no Brasil antes das eleições.

“Desinformação também se combate com informação de qualidade. O TSE [presidido por Edson Facchin, foto] lançou uma conta oficial, com selo de verificação do WhatsApp que tira dúvidas de partidos e eleitores”. (Crédito:Mateus Bonomi)
Qual a sua opinião sobre o bloqueio ao Telegram decretado pelo ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF)?
Isso mostra que o WhatsApp está no caminho certo e que as sua atuação deve servir de parâmetro para os concorrentes. A discussão no Congresso Nacional sobre mensageria é basicamente pensada para o WhatsApp, que nunca se furtou a participar do debate. Eu não gostaria de comentar especificamente o que levou o Alexandre de Moraes a tomar essa decisão porque envolve práticas de outra plataforma.

O WhatsApp não cobra do usuário e não monetiza as conversas na forma de publicidade. Como faz para ganhar dinheiro?
A principal forma de monetização é a ferramenta Business API, que atende grandes empresas (bancos, aéreas, atacadistas) e substitui os call centers de uma maneira mais eficiente. O usuário prefere fazer uma interação com a empresa por meio de chatbots e ferramentas que são mais ágeis que o e-mail e a ligação telefônica. É um espaço legítimo de negócios e que permite conversas e atendimento em escala.Para desenvolver essas soluções, geramos um valor que é pago pelas empresas.

A que você atribui a enorme adesão dos brasileiros ao WhatsApp?
O produto é muito simples, intuitivo e seguro, além de gratuito. Isso se reflete em universalização e democratização do uso. Ele pode ser acessado em qualquer lugar do País onde haja internet. Permite fazer até oito conexões simultâneas por vídeo, gratuitamente e ilimitadas. Isso foi rapidamente percebido pelos brasileiros para fins de trabalho, de atendimento por parte de profissionais de saúde, de alertas da defesa civil, de segurança pública, de pequenos negócios que estavam de portas fechadas na pandemia e conseguiam seguir funcionando pelo WhatsApp, muitos graças ao aplicativo Business, que permite manter o comércio ativo em um contato conversacional com o cliente. É o grande e-commerce da baixa renda. A plataforma entrou na cultura brasileira com muita força — e sabemos dessa responsabilidade. Por isso eu reforço a questão da rastreabilidade. Ela torna o WhatsApp menos seguro para os brasileiros.