“Reconheço a minha absoluta ignorância na economia.” Proferida inúmeras vezes pelo jornalista Ricardo Eugênio Boechat (1952-2019), essa frase simboliza duas de suas principais características: a humildade e a inteligência. Humildade em reconhecer que não dominava todos os assuntos. Inteligência em utilizá-la como um escudo para se defender dos contragolpes que sempre recebia após disparar opiniões duras e certeiras. Embora a sua carreira tenha se notabilizado por notícias exclusivas na área política e por um incessante combate à corrupção, Boechat tinha um talento raro até mesmo entre economistas profissionais: era capaz de se colocar no papel de consumidores oprimidos e contribuintes esfolados pelo Estado. Essa condição o tornou tão popular no País.

O Brasil mal se recuperava das tragédias de Brumadinho (MG) e do Clube de Regatas Flamengo (RJ) quando, na segunda-feira 11, a queda de um helicóptero, em São Paulo, vitimou o colunista da revista ISTOÉ e apresentador da Band. Boechat voltava de uma palestra em Campinas (SP), onde falou para cerca de três mil funcionários da indústria farmacêutica Libbs. A escolha pelo transporte aéreo não foi mero capricho. Em sua atribulada agenda, com demandas proporcionais ao seu imenso talento, não havia espaço para perda de tempo. Infelizmente. Aos 66 anos, o jornalista carioca nascido na Argentina era um incansável operário da notícia.

“Acabamos induzidos a acreditar que os juros altos
são um mal necessário. São taxas de agiotagem”

Ao longo de cinco décadas de carreira, Boechat conviveu com profissionais brilhantes e aprendeu muito com eles, como gostava de salientar. De Joelmir Beting (1936-2012), seu colega de bancada de telejornal na Band durante vários anos, incorporou a forma simples de falar sobre temas econômicos complexos. Suas conclusões peremptórias – e algumas vezes até precipitadas – nem sempre respeitavam a lógica quadrada dos livros de teoria macroeconômica. Isso pouco importava. Era exatamente o raciocínio simples, mas jamais simplório, que cativava a sua fiel audiência.

Recebia aplausos quando reclamava dos juros altos e das tarifas astronômicas cobrados por bancos em plena recessão econômica. “Tem alguma coisa errada na economia de um país onde todos os setores perdem dinheiro enquanto os bancos anunciam os maiores lucros de sua história”, afirmou, em seu programa na Rádio BandNewsFM, em que costumava divulgar o próprio número de celular para que o público pudesse entrar em contato. Sim, ele atendia os ouvintes durante o dia. Quando alguém reclamava de alguma grande empresa, ele logo se punha em defesa dos consumidores lesados. Muitas vezes exagerava, mas jamais deixou de dar espaço para o outro lado se defender.

Inquieto diante do recente desastre econômico no Brasil, não se cansava de afirmar que o Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central era um “colegiado misterioso” formado por “sábios desconhecidos” que tomavam decisões “clandestinas” contra a população. “Como todos querem uma inflação baixa, nós acabamos induzidos a acreditar que os juros altos são um mal necessário”, costumava dizer. “São taxas de agiotagem.” Durante a votação da reforma trabalhista, em 2017, defendeu o fim do imposto sindical com uma elegante ironia: “Agora os sindicatos têm uma boa oportunidade de convencer os trabalhadores, que dizem representar, a contribuir espontaneamente para o seu sustento como instituição”.

Em sua última coluna na ISTOÉ, sempre recheada de furos jornalísticos, Boechat trouxe a informação de que o ministro da Economia, Paulo Guedes, vinha tranquilizando o setor privado sobre sua proposta de abertura da economia. “O governo não baixará as alíquotas para importações de produtos sem antes assegurar condições de competitividade aos fabricantes nacionais”, informou o jornalista, relatando os bastidores de conversas entre Guedes e empresários. Em poucas linhas, sua coluna semanal antecipava decisões do governo e fornecia subsídios para decisões empresariais. Era leitura obrigatória.

“Tem alguma coisa errada na economia de um país onde
todos os setores perdem dinheiro enquanto os bancos
anunciam os maiores lucros de sua história”

Nas eleições de 2018, Boechat também emprestou o seu talento aos internautas da ISTOÉ e da DINHEIRO, nas sabatinas promovidas pela Editora Três com os presidenciáveis. Era nítido o respeito que todos os políticos — de esquerda, de centro e de direita — nutriam pelo jornalista. Após uma das entrevistas, com a então pré-candidata do PCdoB, Manuela D’Ávila, Boechat foi provocado, em tom de brincadeira, a dizer em quem votaria num improvável segundo turno entre Guilherme Boulos (PSOL) e Henrique Meirelles (MDB). “Os candidatos de um 1% de votos? Tô fora”, gargalhou. “Eu voto no macaco Simão”, afirmou, em referência ao seu parceiro de humor no rádio, José Simão, a quem Boechat chamava de presidente.

Um dos mais laureados jornalistas do Brasil, incluindo três prêmios Esso, Boechat recebeu vários troféus Comunique-se. Em todos os anos, fez questão de comparecer ao evento para demonstrar a sua satisfação diante do olhar de admiração dos colegas. Em setembro passado, no entanto, se ausentou pela primeira vez devido a um compromisso particular. Tive a honra de representá-lo e receber o troféu — fruto da excelência de sua coluna semanal na ISTOÉ, escrita em conjunto com o jornalista Ronaldo Herdy. Foi seu último prêmio. Na ocasião, a sua ausência gerou um vazio no evento. Agora, o vazio é para sempre.