Onúmero impressiona: R$ 1,3 trilhão. De tão impalpável, exige comparações. É quase a metade do PIB da Suécia, que em 2020 somou 475,4 bilhões de euros — o equivalente a R$ 3 trilhões pelo câmbio oficial da quarta-feira (8), quando o euro fechou o dia cotado a R$ 6,39, segundo o Banco Central. Pois o dinheiro que a Suécia inteira leva quase seis meses para produzir circula no Brasil em um ano de forma “invisível”. É a “economia subterrânea”, que tem direito a um índice próprio (IES) calculado desde 2003 por uma parceria entre o Instituto Brasileiro de Ética Concorrencial (ETCO) e a Fundação Getulio Vargas (FGV/Ibre).

Além de causar espanto pelo tamanho, esse R$ 1,3 bilhão tem o mérito de revelar muito sobre como as coisas funcionam no País. O IES calcula a produção de bens e serviços não reportada ao governo de forma deliberada. Isso inclui, segundos os criadores de índice, práticas como sonegar impostos, deixar de contribuir para a seguridade social, driblar o cumprimento de leis e regulamentações trabalhistas e evitar custos decorrentes das normas aplicáveis a cada atividade. Quando o IES cai, como ocorreu de 2003 a 2014, é porque a economia formal vai bem — ou porque fatores estruturais dificultam a atuação das empresas à margem da lei. Quando o índice sobe, é sinal de que as coisas estão piorando. Foi o que ocorreu nos 11 trimestres seguidos de recessão entre meados de 2014 e final de 2016. E é o que está acontecendo neste exato momento.

Segundo os dados levantados para a elaboração do IES, o ligeiro aumento do indicador em 2021, que passou de 16,7% do PIB em 2020 para 16,8% agora, está associado à recuperação mais rápida do setor informal. Para o presidente do ETCO, Edson Vismona, as restrições de circulação durante os meses mais críticos da pandemia prejudicaram sensivelmente ambulantes, motoristas de aplicativos e comerciantes informais. “Essa população teve sua atividade interrompida de forma brusca e isso trouxe um forte impacto econômico e social”, afirmou. Agora, a renda dessa parcela de trabalhadores está voltando, o que explica a pequena alta do IES em relação ao PIB.

Apesar de ser ruim para a economia como um todo, e inclusive para o governo, que deixa de arrecadar, é possível enxergar um lado positivo no aumento da renda dos trabalhadores informais: com maior poder de compra, eles em tese poderiam estimular a economia como um todo. Mas esse potencial benefício não está sendo percebido pelo setor produtivo. Nem a proximidade do Natal, nem a perspectiva de aumento nas vendas com a entrada em circulação do décimo-terceiro salário levaram a novas contratações na indústria, que ainda se recente de um ambiente macroeconômico fragilizado pela pressão inflacionária e cambial. Para completar, a alta da taxa básica de juros (que em 2021 passou de 2% para 9,25% ao ano) deixa os empresários arredios em relação a novos investimentos. Com isso, não se criam vagas.

Então, de que forma a economia subterrânea, aquela que o governo não enxerga nem contabiliza, pode ajudá-lo? É simples. Essa economia subterrânea penetra em camadas da sociedade às quais nem mesmo o Auxílio Brasil se enquadra. Ela permite que mais pessoas sobrevivam à fome e à miséria sem esmola do governo.

Até o momento em que o Congresso promulgou a PEC dos Precatórios, na quarta-feira (8), havia pelo menos 3,4 milhões de famílias aguardando sua vez de entrar na folha do Auxílio Brasil. Isso porque o pagamento dos R$ 400 prometidos por Bolsonaro no programa de transferência de renda que substitui o Bolsa Família dependia de recursos que não estavam previstos no Orçamento. Foi preciso a anuência dos parlamentares para dar uma pedalda de R$ 60 bilhões no teto de gastos para que o governo pudesse distribuir mais recursos a potenciais eleitores. Embora esse dinheiro pese muito mais na percepção de que a vida “poderia estar muito pior” sem a ajuda do governo, o que faz diferença no dia a dia do brasileiro abaixo da linha de pobreza é a metade da Suécia que não depende de nenhum ministério.

Celso Masson é diretor de núcleo da DINHEIRO