O Brasil vive uma tempestade perfeita com chuvas e trovoadas não previstas pelos meteorologistas (no caso, os economistas). No cenário internacional, os ventos desfavoráveis vêm da maior economia do mundo, o que gera impactos relevantes no câmbio. No âmbito interno, as nuvens carregadas se acumulam em volume assustador. O governo está cada vez mais fragilizado diante de denúncias enquanto o Congresso Nacional, em clima de festa junina e de Copa do Mundo, mal consegue aprovar as medidas fiscais urgentes para reequilibrar as contas públicas.

No cenário eleitoral, o quadro de total incerteza está gerando o adiamento de investimentos. E, nos últimos dias, uma chuva de granizo foi provocada pela paralisação dos caminhoneiros, com prejuízos estimados em R$ 75 bilhões. A boa notícia é que, apesar de tudo, o crescimento do ano ainda será o dobro do registrado em 2017. Porém, diante das expectativas alvissareiras no início do ano, vai ficar um gosto amargo de que 2018 poderia ter sido bem melhor.

Seis meses depois: em novembro, a capa da Dinheiro (à esq.) trazia uma chama que simbolizava a retomada do crescimento. Agora, as incertezas aumentaram, travando investimentos. Na foto maior, a produção paralisada da Ford, em Camaçari (BA)

No fim de novembro, quando a DINHEIRO publicou uma reportagem de capa sobre a retomada do crescimento, com uma chama acesa simbolizando a economia, os principais indicadores estavam melhorando. A inflação despencava, os juros caíam e os empregos voltavam a ser gerados. Seis meses depois, a roda da economia está parando. Embora os preços médios da economia continuem bem comportados, a disparada dos combustíveis tem um efeito negativo na renda da população. “O impacto é temporário”, diz Ilan Goldfajn, presidente do Banco Central (BC). “O que importa para o BC é o que vai acontecer com a inflação ao longo do ano.”

Greve: “O impacto é temporário. São coisas muito pontuais, em geral vai e volta. O que importa para o BC é o que vai acontecer com a inflação ao longo do ano” – Ilan Goldfajn Presidente do Banco Central (Crédito:Walterson Rosa/Framephoto)

Os juros básicos estão no menor patamar da história, mas as taxas não caem na ponta. “Há um claro oligopólio dos bancos que impedem a queda”, diz Antonio Delfim Netto, ex-ministro da Fazenda. “Além disso, a tributação no crédito precisa ser reduzida.” Já o mercado de trabalho, que iniciou a recuperação através das vagas informais, vem perdendo o fôlego. Segundo o balanço IBGE, divulgado na terça-feira 29, há 13,4 milhões de desempregados. “Imaginávamos uma recuperação mais rápida do mercado de trabalho”, diz Waldyr Beira Jr., presidente da indústria de sabão Ypê. “Isso atrapalha o consumo.”

Na quarta-feira 30, o instituto divulgou um modesto crescimento de 0,4% no PIB no 1º trimestre, em relação ao último trimestre do ano passado. Mais uma vez o Brasil foi salvo pelo agronegócio e pelo consumo das famílias. Trata-se de resultado fraco diante das necessidades sociais do País. Pior ainda é o risco que existe de a economia estagnar ou até mesmo encolher no 2º trimestre, por causa dos reflexos da greve dos caminhoneiros e dos feriados em dias de jogos da seleção brasileira. Em relatório encaminhado aos clientes, a equipe econômica do Santander revisou de 0,8% para apenas 0,2% a expansão do PIB prevista para o 2º trimestre. Para o ano inteiro, a projeção caiu de 3,2% para 2,0%.

Esteves Colnago, Ministro do Planejamento: “Estamos em um crescimento leve, porém constante. Nada de 5%, 6%, para depois cair, num crescimento insustentável. É sustentável agora, mesmo que menor” (Crédito:Aloisio Mauricio/Fotoarena)

O Itaú e o Bradesco já haviam diminuído suas estimativas antes mesmo do anúncio do PIB, a exemplo do que fizeram diversas consultorias (leia quadro “Recalibrando a bolsa de ristal” ao final da reportagem). Para o presidente do Bradesco, Octavio de Lazari Jr., não há motivos para um pessimismo exagerado. “O ajuste do nosso País não é uma prova de 100 metros. É uma maratona”, disse Lazari Jr., após o anúncio do IBGE, num fórum de investimentos, em São Paulo. “Recuperar vai demandar mais paciência.” O discurso do governo é de que é possível crescer 2,5% neste ano, mas poucos analistas consideram factível essa previsão. “Estamos em um crescimento leve, porém constante”, afirma Esteves Colnago, ministro do Planejamento. “Nada de 5%, 6%, para depois cair, num crescimento insustentável. É sustentável agora, mesmo que menor.”

No setor produtivo, um clima de desânimo começa a predominar, embora ninguém despreze o potencial do mercado brasileiro no longo prazo. É o caso da Whirlpool, que detém marcas como Brastemp e Consul. A multinacional já não esperava um ano fantástico por causa da Copa do Mundo, que tradicionalmente eleva as vendas de televisores em detrimento da demanda por eletrodomésticos. A ducha de água fria, porém, começou há algumas semanas com a alta do dólar, fruto da sinalização dada pelo Banco Central dos Estados Unidos de que os juros podem subir de forma mais intensa.

“A puxada no câmbio assusta todo mundo”, diz Roberto Padovani, economista-chefe do banco Votorantim. “No Brasil, em particular, o câmbio tem impacto na confiança.” Ele explica que houve uma migração de capitais de países emergentes para os títulos americanos, com forte desvalorização das moedas da Argentina, da Turquia e do Brasil – o real perdeu 7,5% em relação ao dólar nos últimos 30 dias. “Boa parte dos nossos insumos, embora não sejam importados, é dolarizada, como o petróleo e o aço”, diz Armando do Valle Jr., vice-presidente para a América Latina da Whirlpool. “É uma pressão de custo muito grande para se lidar num curto espaço de tempo.”

A alta do dólar também vem causando calafrios nas companhias aéreas, que sofrem com o leasing das aeronaves e com o impacto da elevação do petróleo no mundo. “O câmbio desvalorizado vai atrapalhar o resultado do ano”, diz Tarcisio Gargioni, vice-presidente de marketing da Avianca. “O efeito é muito forte e é impossível repassar integralmente esse custo para o cliente.” Ao lado de cerca de 400 convidados, o executivo participou de evento do Grupo de Líderes Empresariais (Lide), na segunda-feira 28, em São Paulo. No coquetel, o assunto era a falta de combustíveis provocada pela greve dos caminhoneiros. Para conseguir comparecer ao evento, a maioria abriu mão do próprio carro ou do motorista particular e optou por ir de táxi movido a gás.

Não há vagas: pesquisa do IBGE mostra que há 13,4 milhões de brasileiros desempregados. A recuperação do mercado de trabalho depende de investimentos do setor privado (Crédito:Sandro Pereira/Agência O Globo)

Naquele momento, o desfecho da greve ainda era incerto e os seus impactos, também. A única certeza era a de que a conta seria paga pela sociedade. Para compensar o subsídio bilionário que será dado ao óleo diesel, o governo anunciou elevação de impostos para exportadores e para as indústrias de refrigerantes e química. Além disso, cortou recursos de programas ligados às áreas de saúde e educação. Diante das paralisações, a Whirlpool concedeu férias coletivas para os funcionários até que a situação se normalize. “A greve atrapalha e nos preocupa para caramba”, afirma Valle Jr.. Relatos semelhantes eram ouvidos em diversos setores (leia reportagem aqui).

Localizada no município de Garibaldi, a 110 quilômetros de Porto Alegre, a vinícola onde é produzido o espumante Chandon ficou com sua produção ameaçada pelo caos logístico. “Se não chegarem mais garrafas nos próximos dias, vamos parar a produção”, disse Davide Marcovitch, presidente para a América Latina, Caribe e África da LVMH, holding dos grupos Moët Hennessy e Louis Vuitton. “Isto realmente é perturbador.” Com o fim da greve, a produção prosseguiu normalmente. A preocupação passou a ser a paralisação dos petroleiros, iniciada na quarta-feira 30. O Tribunal Superior do Trabalho (TST) estabeleceu multa diária de R$ 2 milhões para os sindicatos que insistirem na greve.

ELEIÇÕES Na segunda-feira 28, Marcovitch havia acabado de desembarcar de uma viagem de duas semanas à França, onde teve reuniões com a cúpula do grupo LVMH. A principal preocupação, segundo ele, é com o futuro do Brasil, o que aumenta a importância sobre o resultado das eleições. “Falta um [Emmanuel] Macron para o Brasil, mas ainda pode emergir um”, diz o executivo, se referindo ao jovem presidente francês. “Precisamos ver se os candidatos de centro vão se unir e ganhar força.” É justamente a fragmentação dos candidatos ao centro, que empunham bandeiras reformistas, o ponto que mais preocupa o setor produtivo.

Embora evitem declarações públicas sobre os pré-candidatos à Presidência da República, os empresários temem a vitória de uma agenda populista. Os três líderes nas principais pesquisas – Jair Bolsonoro (PSL), Marina Silva (Rede) e Ciro Gomes (PDT) – despertam inquietações em quem considera fundamental a continuidade das reformas para equilibrar as contas públicas e para melhorar o ambiente de negócios. “O que mais preocupa é o impacto que as forças políticas começam a fazer sobre o atual governo e sobre o próximo governo, gerando incertezas sobre a aprovação da reforma da Previdência e sobre algum possível retrocesso na reforma trabalhista”, diz Raul Germany, executivo responsável pela operação da fabricante de autopeças Dana no Brasil. “A eleição vai definir tudo.”

O empresariado, que apoiou abertamente o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, anda desconfiado da capacidade do governo Michel Temer de prosseguir com as votações da pauta econômica no Congresso Nacional. Há também dúvidas sobre o oferecimento pela Procuradoria Geral da República de uma terceira denúncia contra o presidente Temer – as duas primeiras foram barradas pela Câmara. Para piorar, o calendário não ajuda a garantir quórum no Congresso. Os parlamentares nordestinos devem se ausentar nas próximas sessões por conta das festas juninas e, a partir do dia 14 de junho, o País vai se mobilizar para assistir aos jogos da seleção brasileira. Encerrada a Copa do Mundo, em meados de julho, começará o jogo eleitoral. O jeito é aguardar o resultado das eleições e encurtar o planejamento. “A economia brasileira impede uma previsibilidade maior do que 18 meses”, diz Sergio Rial, presidente do Santander Brasil. “Em outros países de economia mais avançada, o horizonte é bem maior.”

Para investidores globais, o Brasil é um país a ser explorado por quem tem paciência e olha o longo prazo. “O País não é para amadores”, afirma Fabian Gil, presidente Dow América Latina. “O Brasil deve recuperar seu protagonismo regional.” A volatilidade financeira assusta, as incertezas políticas atrapalham, mas lá na frente, o cenário é promissor. Se não triunfar uma agenda populista, em outubro, o PIB crescerá, pelo menos, 3% em 2019. “Estamos num período de ajuste, numa travessia, para que o País possa engrenar um período de crescimento”, diz Juan Jensen, sócio da 4E Consultoria. “A premissa é a de que vença uma agenda reformista, defendida por um candidato que tenha a capacidade política de articular essa agenda no Congresso.” A chama do crescimento perdeu intensidade. O desafio é não deixá-la apagar até que as urnas definam o futuro do Brasil, em outubro.