O executivo afirma que, em alguns setores, os negócios se descolaram da crise econômica e política

DINHEIRO — Por que o mercado e as empresas de auditoria e consultoria, como a Deloitte, estão crescendo tanto?
ALTAIR ROSSATO — Vivemos um momento inédito para a Deloitte no País. Nosso negócio que, há 15 anos, era de auditoria, evoluiu e cresceu muito com as consultorias, o chamado advisor. O business que representava até 70% do faturamento uma década atrás, hoje responde por menos de 25%. Estou como CEO há seis anos. Nossa mudança de estratégia foi brusca no sentido de buscar mais conhecimento no mercado e diversificar a atuação. Hoje a gente só não faz o que é ilegal e imoral.

Em que velocidade está o crescimento da companhia?
Antes da pandemia, éramos uma empresa de 160 sócios. Durante a pandemia, entraram mais 80. Aumentamos em 50%. Um terço desse total veio do mercado. Boa parte de nosso plano de carreira é a possibilidade de crescer com visão de dono, como sócio dos resultados. Ultrapassamos em outubro a marca de 6 mil funcionários no País, e hoje já temos 6,5 mil. A partir de maio, estarei com mais de 7 mil profissionais. Hoje temos quase 250 sócios e, até maio de 2024, seremos 400. Temos até médicos e enfermeiras como sócios para ajudar a desenvolver soluções em saúde. Isso mostra um pouco do nosso potencial de crescimento. Crescemos 50% nesse período, e nos próximos quatro anos vamos dobrar de tamanho. A Deloitte é a maior empresa de serviços profissionais do mundo, com quase US$ 50 bilhões de faturamento no ano passado e deve fechar maio [ano fiscal] com mais de US$ 60 bilhões.

Qual o maior desafio para crescer no Brasil?
O maior entrave para fazer qualquer coisa na vida é caixa. Se não tem dinheiro, não dá para fazer nada. Não adianta querer contratar um monte de gente. Então, vivemos hoje um momento de investimento da Deloitte global na operação brasileira. As cifras são sigilosas, mas posso garantir que é um investimento pesado. Recursos viabilizam as iniciativas para contratar pessoas. O segundo maior obstáculo é, sem dúvida, contratar. O mercado de serviços tem se mobilizado fortemente para criar um ambiente atrativo para bons profissionais. A falta de capacitação é uma barreira grande para o crescimento das empresas.

“Até que se consolide o resultado das eleições, não vai acontecer nada. O cenário político e a economia fazem de 2022 um momento de cautela” (Crédito:Divulgação)

Capacitar é uma forma de reter talentos?
Nem sempre. Entre as empresas, quem capacita bem vira target. Durante muito tempo, fui campeão de contratar pessoas com deficiência, os PCDs, e virei target. Eu recrutava 30, e perdia 20 para empresas concorrentes. Na época, as outras sabiam bem onde buscar. Eu recrutava, capacitava e perdia. É o preço por ser pioneiro em qualquer iniciativa.

Isso mudou?
Hoje a maioria das empresas tem suas próprias escolas. O modelo de contratação é muito diferente. As empresas não contratam para depois ver no que vai dar. Elas recrutam, capacitam e depois contratam.

O que explica essa realidade de mercado de trabalho hiperaquecido num ambiente de crescimento econômico próximo de zero?
No nosso segmento de consultoria, o crescimento não está associado ao desempenho econômico. Mas, de forma geral, vejo pelos meus clientes que as empresas se descolaram do ambiente político. Embora a maior incerteza dos empresários hoje seja a eleição e a volatilidade, quando o CEO enxerga que não há um ambiente muito bem estruturado na economia, ele não deixa de investir.

Investem mesmo sem a certeza de retorno?
Sim, as empresas não pararam de investir. A Deloitte é um exemplo vivo disso. A transformação digital é imensa. Segurança cibernética é preocupação de todos. Não tenho uma sexta-feira que não recebo ligação de algum CEO pedindo ajuda imediata porque a empresa foi invadida por hackers. Além disso, os ativos estão baratos no Brasil.

Então o cenário aquecido para as empresas está ligado ao preço baixo dos ativos em reais…
Sim, mas não é só isso. Os investimentos também são puxados por questões de consciência. Os empresários brasileiros sabem que têm a obrigação de cobrir as deficiências geradas pela ausência dos meios que deveriam resolver (os problemas). Então, o empresariado assumiu para si a responsabilidade de cobrir furos sociais, furos na educação, furos na saúde… Uma recente pesquisa nossa constatou que nove em cada dez empresários pretendem continuar investindo. Mas eles investem da porta para dentro, não da porta para fora. Por isso, muitas vezes esse investimento não é visto por quem é de fora. O empresário que não investir em máquinas e equipamentos, em tecnologias para aumentar a produtividade, em ambientes inovadores e na capacitação de pessoas para esse mundo tecnológico, não estará em condições de concorrer quando a economia voltar a crescer. Isso vale, inclusive, para empresas que não são da área de tecnologia. Então, inovação e produtividade são hoje os grandes geradores de investimentos.

Quando as empresas vão começar a usufruir desses investimentos?
O economista José Claudio Securato, presidente do Ibef, do qual sou membro do conselho, foi muito feliz ao definir a recuperação do Brasil em K. É isso que o empresário vê. É nisso que acredito. A economia e as empresas vão retomar em forma de K, não em U, em V ou em W. Vão em forma de K. Ou seja, (algumas) empresas vão simplesmente deixar de existir. Não vão se recuperar. Essas empresas estão representadas pela parte de baixo da perna da letra K. E há empresas que vão sair da crise muito mais fortes. Entre os CEOs com quem converso, muitos enxergam com otimismo a parte superior da perna.

“Em hipótese nenhuma os bancões vão deixar de existir. Os bancos brasileiros são ultrassólidos e vão se modernizar. Ninguém é bobinho de ficar parado” (Crédito:Divulgação)

Qual setor vai desaparecer?
Posso citar alguns setores, que ficaram fora da nossa pesquisa, mas que analiso pela minha experiência. O setor têxtil é um exemplo. No último ano, não comprei nenhuma peça de roupa. Assim como não pisei numa agência bancária. Vejo que também a indústria de luxo e a indústria automotiva vão sofrer um bocado. Passamos a circular pouco de carro para ver e ser visto. Vai levar um tempo para essas atividades voltarem ao normal, se é que um dia voltarão ao que eram antes. Não acredito que voltem. Quem tiver um pouco de fôlego, vai sobreviver.

Os bancões não vão desaparecer?
Em hipótese nenhuma os bancões vão deixar de existir. Os bancos brasileiros são ultrassólidos. Eles vão se modernizar. Ninguém é bobinho de ficar parado. E os bancos têm recursos para fazer essa mudança. Mais do que ninguém, os bancos têm caixa.

E quais setores têm maior potencial de expansão nos próximos anos?
Agronegócio, serviços financeiros, saúde… Há vários. O setor de bens de consumo será totalmente transformado com a realidade virtual aumentada. As empresas que têm caixa e apetite para investir vão sair mais fortes.

A Selic alta amaeça o caixa das empresas?
A captação tem crescido muito no mercado, não apenas via bancos. Por isso os IPOs estavam fortíssimos no ano passado. Neste ano, de 491 empresas da nossa pesquisa, com faturamento somado de R$ 3 trilhões, 25 sinalizaram que vão abrir capital. E entre as 25, algumas estão se preparando para um IPO, mas não devem lançá-lo este ano. E 46 das 491 pretendem emitir títulos.

Isso por causa das eleições?
Até que se consolide o resultado das eleições, não vai acontecer nada. O cenário político, de incertezas e as dificuldades que temos na economia fazem de 2022 um momento de tentar manter a estabilidade. Três em cada cinco executivos que entrevistamos falam que é hora de muita cautela. Inteligente é quem está se preparando. Os empresários estão se armando muito para quando o mercado voltar.

Quando vai voltar?
Na minha visão, o mercado vai ter um grande fôlego depois das eleições. Muitas empresas voltarão a abrir suas portas bem fortalecidas. Vejo nos bastidores que muitas companhias estão fazendo isso de maneira inteligente.

O que pode frustrar a recuperação?
Não tem um CEO que converso que não cite a preocupação com a cadeia de suprimentos. E vejo isso na Deloitte. Quando tentamos buscar especialistas dessa área, é muito difícil. São pessoas que estão sendo muito disputadas. Tenho clientes que não conseguem exportar simplesmente porque não encontram container para embarcar o produto. Então, esse é um contrassenso. A empresa pode ter capacidade de produção, pode ser competitiva e não conseguir crescer porque há falhas no supply.

De onde vieram essas falhas?
A China tem papel grande nisso. Na pandemia, muitos contêineres foram retidos na China por questões sanitárias e de abastecimento. Desde então, a movimentação nos portos ficou mais burocrática. E as disputas entre China e Estados Unidos também afetam. Basta ver que o México está desenvolvendo uma indústria de mineração para suprir a demanda americana.

Os problemas da economia são pontuais ou estruturais?
Na minha avaliação, são muito mais do que pontuais. Em muitas áreas, são absolutamente estruturais. Por isso os empresários estão investindo e procurando novas alternativas para crescer. O Brasil possui executivos e executivas brilhantes na capacidade de adaptação. Mais do que em qualquer outro país. Quando se olha para o profissional brasileiro, se vê uma incrível flexibilidade. Se a economia não vai crescer, se não existe marco regulatório, se não há reformas fundamentais a caminho, os empresários buscam alternativas.