Na madrugada do domingo (14), o Escritório Nacional de Estatísticas, versão chinesa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), divulgou dados econômicos que ficaram bem abaixo das expectativas do mercado. As vendas no varejo cresceram 2,7% no 12 meses até julho, abaixo dos 3,1% de crescimento em junho. Pior que isso, o resultado ficou em pouco mais da metade dos 5% esperados pelos especialistas. A produção industrial aumentou 3,8% nos 12 meses até julho. Assim como nas vendas, o resultado também indicou uma desaceleração ante os 3,9% de aumento até junho, e ficou igualmente abaixo da expectativa de crescimento de 4,6%.

A perda de ritmo da economia decorre dos problemas no setor imobiliário. Muitos mutuários deixaram de pagar suas prestações devido a atrasos na entrega dos imóveis adquiridos. Se essa situação ocorresse no Brasil, seria um problema para algumas incorporadoras e para os investidores na Bolsa que tivessem suas ações. Na China, uma crise no setor imobiliário pode ter consequências catastróficas. Como não há um sistema previdenciário organizado no país, é comum comprar imóveis com objetivos previdenciários. Algumas incorporadoras já tiveram problemas, e caso eles ganhem escala, o resultado pode ser a destruição da poupança acumulada por centenas de milhões de famílias (nada na China é pequeno).

China adota medidas para sustentar algumas incorporadoras e aumentar a demanda

O caso mais evidente foi a quebra da incorporadora Evergrande, no fim de 2021. Com uma dívida estimada em US$ 300 bilhões e alguns milhões de imóveis vendidos e não entregues, a empresa tinha até o fim de julho passado para apresentar um plano de recuperação a seus credores. Até agora, nada. E a confirmação de que a incorporadora não terá condições de honrar seus compromissos pode provocar uma inadimplência em cascata no setor imobiliário chinês.

Os problemas imobiliários são a prova de que crescimento sem transparência nem governança sempre implica riscos. Dos anos 1980 até o início da década passada, o crescimento econômico chinês foi voltado para o mercado externo. Porém, há alguns anos, o governo reorientou em parte o crescimento para o mercado interno. Isso levou a uma expansão rápida do setor imobiliário, com crescimento baseado em crédito interno.

A história comprova que isso pode provocar desastres na economia. Em 2008, a expansão descontrolada do financiamento imobiliário levou à crise do subprime nos Estados Unidos, gerando uma quebradeira de bancos e a maior crise global entre o fim da Segunda Guerra e o início da pandemia. É bom lembrar que isso ocorreu apesar de o mercado americano ser formado por companhias listadas em bolsa e com governança. Os controles financeiros chineses são bem menos transparentes. Há centenas de bancos provinciais financiando a construção de conjuntos habitacionais. A contabilidade dessas instituições é impossível de ser avaliada por não haver auditorias regulares.

Por suas próprias características, a potencial crise no setor imobiliário chinês não será global como a do subprime dos EUA. Os vínculos externos de empresas como a Evergrande são muito menores do que as do banco de investimentos Lehman Brothers, por exemplo. Porém, o impacto pode desacelerar e muito a economia chinesa.

Por que isso é importante para o Brasil? A China é o principal comprador dos dois produtos que mais exportamos: soja e minério de ferro. No caso específico do minério, a maior parte da demanda chinesa vem da necessidade de aço para a construção civil. Por isso, problemas consistentes nesse setor serão prejudiciais para as ações da Vale, principal papel da B3.