Primeira mulher a liderar o time de análise de uma das empresas do grupo XP Inc, a economista que conquistou mais de 80 mil seguidores no Instagram quer democratizar a informação sobre investimentos ao mesmo tempo em que batalha por maior representação feminina.

Devagar, o terno e a gravata vão abrindo caminho para a saia e o batom no mercado financeiro. Formada em economia pelo Insper, a ex-analista de ações da XP Investimentos Betina Roxo foi recentemente promovida a estrategista-chefe da Rico Investimentos, que pertencente ao mesmo grupo. Com o conhecimento que acumulou em suas passagens pelo HSBC e Bank of America Merrill Lynch, além da área comercial da Stone, Betina se tornou referência para investidores. Ela hoje aconselha mais de 80 mil pessoas interessadas em aplicar no mercado de capitais e que a seguem no Instagram. A habilidade para se comunicar foi fundamental para a conquista da nova posição na Rico, onde seu principal desafio será empoderar o investidor de varejo. A estratégia será produzir conteúdos que traduzam a complexidade do mercado de forma simples e leve. “Se tiver senso de humor, melhor ainda”, disse Betina. Ela também quer inspirar mais mulheres a ocupar espaço no mercado financeiro.

DINHEIRO – O que significa ser a primeira mulher a assumir o cargo de estrategista-chefe da Rico Investimentos?
BETINA ROXO – Uma honra. E reflete muito um trabalho que já venho fazendo desde que entrei na XP Inc, onde tive a oportunidade de levar para a pessoa física, para o varejo, meu conhecimento do mercado financeiro. Antes o foco maior era o cliente institucional.

Qual o seu desafio agora?
Empoderar as pessoas através de serviços, produtos e conteúdos. A ideia é trazer conteúdo de maneira simples, leve e, se tiver senso de humor, melhor ainda. Nosso grande sonho é que o assunto investimento não seja um bicho de sete cabeças. A gente já tem feito um trabalho bem grande, mas as pessoas de forma geral ainda se sentem muito distantes desse mundo. A Rico tem uma personalidade jovem, digital, moderna. As pessoas vão ficar cada vez mais próximas desse mundo, de uma maneira natural.

O fato de você falar sobre investimentos a milhares de seguidores no Instagram ajuda?
Sim. O que eu mais gosto mesmo é de falar com as pessoas do varejo. Eu nunca imaginei que teria um Instagram onde falaria sobre o meu trabalho e as pessoas se interessariam por isso. Ir para Rico é reflexo desse trabalho que fiz para o varejo e que agora vai ser ainda mais impulsionado e com o propósito de democratizar os investimentos.

Qual sua análise sobre o empoderamento das mulheres no setor financeiro?
Eu sou entusiasta desse tema. Faço parte do MLHR3, grupo das mulheres na XP Inc, e participo das iniciativas implementadas na companhia que, inclusive, lançou o compromisso de ter 50% de mulheres em todos os níveis hierárquicos até 2025. Nos sete anos desde que comecei a trabalhar no mercado financeiro eu vi bastante mudança.

“Se Joe Biden vencer as eleições nos EUA, há possibilidade de aumento de taxação e de impostos, o que leva volatilidade à bolsa americana por impactar nos lucros das empresas listadas” (Crédito:AFP)

Entre as mudanças, qual você destaca?
A diversidade de gênero passou a ser um tema mais abordado e relevante para as empresas como um todo. Uma coisa muito importante é a transparência das mulheres de falarem sobre isso e de se ajudarem. Apesar de o tema estar muito em pauta e as pessoas mais engajadas, os números ainda são muito baixos. O mercado financeiro ainda é majoritariamente masculino. Mas é interessante observar que, na porta de entrada, entre os universitários, as mulheres são maioria.

E por que há mais mulheres na universidade e menos no mercado de trabalho?
Há muito a ser feito ainda, principalmente na mudança da cultura da nossa sociedade e, claro, no que diz respeito ao recrutamento de profissionais. O mais preocupante, porém, é o que envolve a retenção e a ascensão das mulheres no ambiente de trabalho, porque esses pontos estão diretamente ligados à trajetória, ao sucesso na carreira. Pesquisas mostram que cerca de 50% das mulheres saem do trabalho um ano depois de ter filho. Não necessariamente deixam de trabalhar, mas em muitos casos trocam de emprego. Isso já mostra a dificuldade de voltar da licença-maternidade e encontrar um ambiente, uma cultura que ajude na continuidade e crescimento profissional.

O que reflete em toda a pirâmde corporativa.
Não é à toa que hoje temos menos de 5% de CEO mulheres, no Brasil. É muito pouco. E tem várias outras pesquisas que mostram que as mulheres querem sim ir para cargos de liderança. Mas para que isso se torne realidade, a gente tem de fazer um trabalho completo em cada fase da carreira das mulheres e também mudar a cultura e quebrar paradigmas.

Como quebrar esses paradigmas?
Um ponto importante é termos cada vez mais referências. Não só na questão das mulheres, mas também quando a gente pensa em diversidade. Ver pessoas bem-sucedidas e conseguir se enxergar no lugar delas puxa você para cima. Mas quando você entra em um lugar que não tem nenhuma liderança feminina, isso de certa forma já faz com que muitas mulheres não acreditem que elas possam ser líderes e ocupar aquele espaço. Esse é um exemplo sobre as mulheres, mas acho que referência é importante para o todo. Para a gente ter cada vez mais empresas com diversidade. Até porque as empresas oferecem seus serviços e produtos para pessoas diferentes entre si. Há diversificação nos consumidores, então faz todo o sentido existir diversificação nas companhias para elas conseguirem se comunicar com o máximo possível de consumidores.

E quanto ao mercado financeiro em si, o que mudou nesses sete anos?
Apesar de ainda haver muito para ser feito, uma grande mudança foi justamente a acessibilidade. É uma combinação do momento macro que estamos vivendo com juros baixos e a necessidade das pessoas de buscar outros investimentos para ter rentabilidade maior, com a digitalização e a oferta de muitos produtos financeiros. No começo de minha carreira os juros estavam em 14,25%. As pessoas não tinham incentivo para buscar outros tipos de investimento porque era simples. Você colocava o dinheiro em um produto atrelado aos juros e tinha aquele rendimento. Esse cenário mudou.

Mudou para ficar?
Sim, mudou para ficar.

Daqui para frente quais os principais desafios?
O primeiro grande risco é justamente a possibilidade de uma segunda onda de Covid-19. A gente tem visto casos de aumento na Europa, nos Estados Unidos e mesmo por aqui, na região Sul. Outro é a relação da China com os Estados Unidos. A disputa entre ambos eleva a aversão a risco global. São países interdependentes. Os americanos importam cerca de US$ 400 bilhões da China e esta, por sua vez, detém US$ 1 trilhão em títulos do tesouro norte-americano. Um terceiro ponto são as eleições americanas. A gente tem visto aumento da probabilidade de o Joe Biden vencer. Isso abre a possibilidade de aumento de taxação e de impostos, o que pode trazer volatilidade por impactar nos lucros das empresas listadas na bolsa americana. Por fim, a questão fiscal, principalmente no Brasil. A gente tem visto todos esses estímulos econômicos que já representam 20% do PIB mundial. Nossa dívida bruta em relação ao PIB estava em 75,8% em 2019. Este ano deve passar de 90% e chegar aos 100% nos próximos.

Alguns especialistas temem que a questão fiscal possa gerar mais inflação e prejudicar a política de juros baixos. Você concorda?
Primeiro, é importante lembrar que há iniciativas positivas já aplicadas que ajudaram muito a economia brasileira a passar por esse momento. Entre 2016 e 2019 foram aprovadas reformas importantes de cunho fiscal que sinalizam o compromisso com a manutenção da saúde das contas públicas no longo prazo. Falo da reforma da Previdência, aprovação do teto de gastos, mudança da TJLP para taxas de mercado, entre outras. Essas mudanças no âmbito fiscal permitiram não somente a queda sustentável da inflação, mas também a redução da taxa básica de juros de curto prazo.

“Quando a gente pensa no setor de tecnologia, que foi muito bem durante a crise, há poucas opções no Brasil. Com as BDRs, qualquer investidor pode ter papéis da Apple, Facebook, Google, Microsoft” (Crédito:Nelson Almeida/AFP)

Mas o cenário não parece ser mais esse…
Olhando para frente, de fato, a gente tem uma estimativa de que a partir do fim de 2021 os juros comecem a subir, mas ainda continuem em patamares muito baixos. Claro que as preocupações fiscais têm de ser muito bem endereçadas. Temos também toda a questão das reformas (administrativa e tributária), o que pode ser muito positivo.

A B3 anunciou alterações nas regras das BDRs. Qual o impacto para o investidor?
O principal ponto é que essa medida da B3 está em linha com a democratização dos investimentos. A partir de setembro todos os investidores, não só os qualificados (aqueles que investem mais de R$ 1 milhão), poderão aplicar em BDRs (certificados de depósito de valores mobiliários emitidos no Brasil que representam companhias abertas com sede no exterior).

Com isso haverá mais diversificação de investimentos?
Exatamente. O que tem de interessante também, quando a gente olha para ações, é a existência de algumas empresas brasileiras listadas lá fora, mas que o próprio investidor brasileiro não qualificado tinha dificuldade de investir. E com essa mudança, isso acaba sendo mais uma oportunidade.

Com forte apelo para marcas muito atraentes…
Hoje a gente já tem na Rico vários fundos internacionais, que é outro jeito de ter exposição no exterior. Mas com as BDRs você acaba tendo essa facilidade de investir em empresas que a gente até conhece muito bem como Apple, Facebook, Google, Microsoft. Aumenta o leque para o investidor. Quando a gente pensa no setor de tecnologia, que foi muito bem durante a crise, há poucas opções no Brasil. Já nos EUA há muito mais. Então você tem a oportunidade de diversificar sua carteira. E outra: quando a gente fala em diversificação não é só classe de ativos, mas também diferentes países, geografias. Tudo isso estará ao alcance de mais brasileiros.