Uma imagem recorrente para explicar modelos de negócio remete à corrida do ouro ocorrida na Califórnia. Cerca de 300 mil pessoas rumaram para o então parcamente habitado estado do Oeste americano entre 1848 e 1855 em busca de enriquecimento rápido. Quem ganhou dinheiro mesmo foram os fornecedores de equipamentos para os garimpeiros. Essa imagem não desagrada ao presidente da Visa do Brasil, Nuno Lopes Alves. “Queremos ir além de vender pás e picaretas para quem procura ouro”, disse ele. “Pretendemos fornecer equipamentos de todos os tipos para quem se disponha a minerar, não importa qual seja o minério.” A nova diretriz é ligar os milhares de processadores de pagamento que surgiram nos últimos anos. “Queremos ser a rede das redes, a grande integradora de transações”, disse Alves. “Nossa meta é fornecer a infraestrutura para que todos esses sistemas se conectem.”

Internacionalmente, a Visa começou a trilhar esse caminho em setembro de 2021, quando divulgou os planos do Universal Payment Channel (UPC), sistema que permitirá intermediar transações com moedas digitais e criptoativos diversos. Por aqui, esse movimento vem sendo testado desde maio do ano passado, quando a Visa lançou sua solução de pagamentos com base no WhatsApp, utilizado por 98% dos brasileiros entre 18 e 64 anos.

55% é o total de transações realizadas por meio de cartões

30 é o número de processadores de pagamentos em atividade no Brasil, além das centenas de empresas secundárias

O produto de pagamentos não é tão popular por aqui como o Pix, lançado pelo Banco Central (BC) em outubro de 2020 — em 6 de maio, o sistema do BC processou um recorde de 73 milhões de transações, e já contabiliza 430 milhões de chaves cadastradas, duas para cada brasileira e brasileiro. A vantagem do sistema da Visa, porém, é o potencial de permitir remessas internacionais de valores, algo ainda não contemplado pelo Pix e bastante burocrático por aqui. Segundo Alves, isso deverá estar disponível até o fim deste ano. “Estamos negociando com provedores de câmbio para tornar essas transações possíveis”, disse o executivo, econômico nos detalhes. E esse é apenas um exemplo do mercado que a Visa pretende disputar. A companhia também está atenta ao processamento de operações do varejo.

O momento é propício. Segundo a Associação Brasileira de Empresas de Cartão de Crédito e Serviços (Abecs), que representa o setor, antes das medidas de restrição devido à pandemia, os cartões de crédito e débito respondiam por 35% das transações. Atualmente, esse percentual avançou para cerca de 55%. No entanto, segundo Alves, essa expansão não foi linear e seus efeitos não foram uniformes. Em capitais como São Paulo, 90% das transações são eletrônicas. Em locais mais distantes dos grandes centros, esse percentual pode ser tão baixo quanto 5%. “No Brasil é possível pensar em ‘exportar’ as soluções de pagamentos digitais, mas essa ‘exportação’ vai ocorrer das capitais para as pequenas cidades”, disse o executivo.

CRIPTOATIVOS CONECTADOS A meta da Visa é fornecer uma plataforma para unificar as transações com moedas digitais e NFTs. (Crédito:Istock)

DIVERSIDADE Esse movimento levou a uma diversificação inédita entre os prestadores de serviços. Há alguns anos, o mercado de cartões englobava apenas os plásticos de crédito e de débito e era um duopólio, dividido entre Visa e Mastercard. Isso mudou. Graças às alterações regulatórias promovidas pelo BC, o mercado está muito mais diversificado. As estimativas do setor são de que há pelo menos 30 empresas que processam pagamentos no País, os chamados adquirentes. “E há centenas de adquirentes secundárias, os subadquirentes, facilitadores de pagamentos e wallets para ser integrados”, disse Alves.

Esse movimento representa um retorno às origens. A Visa surgiu nos Estados Unidos no fim dos anos 1960 buscando conectar os milhares de bancos americanos que tentavam fazer decolar o negócio incipiente dos cartões de crédito. Cada um tinha suas próprias regras e parâmetros, o que tornava isso difícil. A solução foi estabelecer uma organização definida como “caórdica”. Cada um poderia estabelecer suas próprias regras. No entanto, alguns pontos — como prazos de pagamento e reconhecimento das transações — teriam de ser comuns a todos. Cinco décadas depois, há cerca de 3,7 bilhões de cartões de crédito e débito em funcionamento ao redor do mundo. Agora, a Visa quer contar essa história de novo, em versão muito ampliada.