A história começou em 1997. Um amigo da empresária paulistana Sandra Isper Rocha viajou à Inglaterra e, na volta, a presenteou com um sabonete da marca britânica Lush. O mimo agradou tanto que ela foi a Londres propor sociedade. “Eu tinha certeza que a Lush seria um sucesso no Brasil”, diz Sandra. Após quase dois anos de tratativas, ela inaugurou a primeira loja em 1999, em um ponto conhecido do mercado de luxo em São Paulo, a esquina das ruas Consolação e Oscar Freire, na zona Sul da capital paulista. Em menos de cinco anos, a Lush Brasil tinha aberto 25 lojas e faturava R$ 10 milhões por ano. Mas essa trajetória de sucesso foi parar nos tribunais.

O uso da marca inglesa de sabonetes e cosméticos no Brasil está no centro de uma acirrada disputa jurídica. O processo, que tramita na Justiça desde 2007, opõe os fundadores ingleses e Sandra. A disputa ganhou novo capítulo no início do mês, quando o ministro Marcos Buzzi, da quarta turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) garantiu a Sandra o direito de processar a Lush por R$ 20 milhões em prejuízos sofridos na década passada. Tudo corria bem nos primeiros anos até 2004 quando, segundo Sandra, as relações começaram a se deteriorar. “A matriz começou a pressionar para assumir diretamente os negócios fora da Inglaterra.” A proposta de Londres era unificar tudo em uma empresa, que abriria seu capital na Bolsa de Londres. “Eles venderam a ideia de que seríamos todos sócios de uma empresa maior, que ficaríamos todos bilionários”, diz Sandra.

“O problema é que, para isso, eles reduziram o meu prazo de financiamento, passaram a exigir que eu comprasse a matéria-prima à vista e começaram a atrasar as entregas, deixando as minhas lojas sem produto para vender.” A situação foi piorando até 2005, quando a empresária foi obrigada a fechar as portas. Como resultado, Sandra viu-se sem empresa, com dívidas bancárias e trabalhistas de cerca de R$ 20 milhões e o nome sujo na praça. “Isso me prejudicou muito”, diz. Dois anos depois do fechamento das portas, Sandra desistiu de conseguir um acordo amigável e recorreu à Justiça, em um processo dificultado pelo fato de uma das partes não ficar no País.

Loja da Lush em São Paulo: 928 unidades em 49 países

Enquanto isso, na Inglaterra, a proposta de transformar a Lush em um negócio bilionário deu certo. A companhia foi fundada em 1995, pelo dematologista Mark Constantine e pela esteticista Liz Weir. Entusiastas dos produtos da The Body Shop, lançada em 1976 (e vendida para a brasileira Natura em 2017), eles buscaram aproveitar a demanda por cosméticos com apelo ecológico. O crescimento foi rápido. Em menos de dois anos foram inauguradas 40 lojas no Reino Unido e filiais nos Estados Unidos, no Canadá e na Alemanha. Hoje, a Lush tem 928 lojas em 49 países, cinco delas no Brasil.

Empresa de capital fechado, ela divulga poucos números. No resultado mais recente informado, referente aos 12 meses até junho de 2016, ela faturou o equivalente a R$ 2,3 bilhões e lucrou R$ 194 milhões. Por isso, quando a Lush reabriu as portas por aqui, em 2014, a empresária retomou o processo, sendo representada pelo advogado Paulo Perrotti, sócio do escritório de advocacia Perrotti e Barrueco. Segundo ele, práticas como a da Lush são frequentes para as empresas que atuam no Brasil por meio de associados. “O empreendedor brasileiro emprega capital e esforço para construir uma marca no País, e quando a empresa se torna lucrativa, a matriz internacional simplesmente a toma de volta”, diz Perrotti.

Procurada, a Lush Brasil informou, em comunicado, que o processo é antigo. “O litígio havia sido extinto logo no seu início, tendo sido a Sra. Sandra condenada como litigante de má fé”, declarou a empresa. Para a Lush Brasil, a decisão do STJ foi proferida individualmente pelo relator do recurso, e ainda é passível de revisão. “Não há decisão de mérito ou qualquer base para falar em valores ou possibilidade de acordo”, informou a empresa. “O litígio movido pela Sra. Sandra não deveria sequer ser desarquivado.” A briga ainda promete. “Essa marca é minha”, diz Sandra.

A Lush escolheu um momento desafiador para voltar. O mercado de luxo como um todo encolheu 23% nos últimos dois anos, e deve apresentar um desempenho tímido neste ano. Porém, cosméticos, no Brasil, são sempre um bom negócio. “O País ocupa o quarto lugar no ranking mundial de consumo de perfumaria e higiene pessoal, e o mercado de beleza foi um dos poucos que conseguiu manter o crescimento, apesar da crise”, diz Luciana Tebar, sócia da consultoria Instituto do Luxo. Mesmo assim, as incertezas provocadas pelo cenário eleitoral tornam mais difíceis as decisões de investimento. Os prognósticos são de que o crescimento do mercado de luxo será de 2% em 2018 e nos três anos seguintes.