?Vou ao escritório do sr. Etchnique.? O porteiro do edifício onde funciona o QG do grupo Brasmotor levanta os olhos, e sua resposta soa, ao mesmo tempo, como uma pergunta e uma afirmação: ?Ah, o dono da Brastemp!?? Não tem jeito. Por mais que o empresário Hugo Miguel Etchenique insista que ?não passo, e nunca passei, de um pequeno acionista?, tanto dentro como fora do mundo dos negócios, ninguém acredita que ele não seja o senhor supremo do grupo que controla empresas como Brastemp e Embraco ? as más línguas dizem que essa percepção é tão forte que até ele mesmo se convenceu disso.

Etchenique trata do assunto com humor e compreensão. Este ano, ele completa 50 anos de atividade no grupo, 33 deles no posto mais alto da hierarquia, e vive um momento crucial nessa trajetória, com o fechamento da fábrica de São Bernardo do Campo, o embrião do Brastemp (leia quadro com entrevista).

Em 50 anos, Etchenique transformou-se em um dos nomes mais importantes da história empresarial brasileira. Sob seu comando, se desenvolveu um grupo empresarial, o Brasmotor, dono de faturamento de R$ 2 bilhões e lucro de R$ 115 milhões, e hoje controlado pelos americanos da Whirlpool. Uma das empresas, a Embraco, é a maior fabricante mundial de compressores, superando gigantes como Electrolux e Matsushita. Outra criação de Etchenique, a Brastemp, está entre as marcas mais lembradas pelo consumidor brasileiro. Antes de qualquer teórico americano falar em foco de negócios ou core business, Etchenique imprimiu a visão quase obstinada de que seria um fabricante de da linha branca. Nunca afastou-se desse caminho.

A atuação de Etchenique não se limitou aos escritórios da Brasmotor. Eleito constantemente diretor de entidades como Fiesp e Abinee, ele manteve contatos com a maioria dos ministros da área econômica nesse meio século de trabalho. Ainda hoje, contam seus amigos, o presidente Fernando Henrique Cardoso conversa com ele por telefone. Etchenique não confirma, não nega. Mas só reserva elogios ao presidente. ?Sou um grande fã dele?, diz. ?Ele deu, e ainda dará, uma grande contribuição ao País.?

A sólida experiência empresarial e política é utilizada até hoje nas várias frentes de atuação de Etchenique. Atualmente ele é membro de conselhos consultivos de oito diferentes empresas, organismos e entidades de classe. Ocupa também o posto de presidente emérito em cada uma das empresas do Brasmotor. Trata-se ainda do único brasileiro com assento no Conselho Internacional do JP Morgan em Nova York. Toda essa atividade consome 15% de seu tempo em viagens internacionais. ?Mas se comparar com a época em que eu cuidava do dia-a-dia do grupo, sinto-me de férias?, diz ele.

Em São Paulo, Etchenique mantém a rotina. Sai de casa no bairro do Morumbi e chega ao escritório no 18º andar da sede do Brasmotor, localizada na avenida Faria Lima, por volta das 9 horas. Volta às 5 da tarde. Duas vezes por semana, almoça em casa com a mulher. Poderia ser mais, porém os compromissos profissionais não permitem. ?E ela não me agüentaria tanto tempo dentro de casa?, brinca ele. É uma união de exatos 50 anos que gerou cinco filhos. O casamento aconteceu em 1951, mesmo ano em que Etchenique começou no Brasmotor. ?Ela diz que casei antes com a empresa e depois com ela?, diz. Nascido na Colômbia há 75 anos, Etchenique estudava em Washington quando foi convocado pelo pai para montar a área de linha branca do Brasmotor, que, na época, dedicava-se à importação de veículos Chrysler. Etchenique, o filho, aceitou com a condição de ficar apenas dois anos. Está há 50, e, durante esse período, foi protagonista de uma história empresarial de sucesso.

?NÃO HAVIA OUTRA SAÍDA?

Em 1951, Hugo Miguel Etchenique chegou ao Brasil e instalou uma fábrica de geladeiras em São Bernardo do Campo. Meio século depois, participou da decisão de fechar as portas da unidade. Em uma das raras entrevistas sobre o assunto, ele fala à DINHEIRO.

Qual sua avaliação sobre o fechamento da fábrica?
?Certamente foi um capítulo triste em minha trajetória, mas é a realidade da vida. Estamos em um ramo muito competitivo, temos metas ambiciosas de exportação e, por isso, temos de prestar atenção enorme aos custos do produto. Estudamos a transferência para Joinville há anos. Ajudei a tomar essa decisão. Em 1996, a indústria produziu 4 milhões de refrigeradores. Em 2000, chegamos a 3,2 milhões. A capacidade instalada em Joinville é suficiente para atender todo o consumo de refrigeradores no País. Assim, a concentração da produção lá é lógica. É uma pena sair de São Bernardo, mas a emoção teve de ceder lugar à lógica fria dos negócios.?

Os acenos do governo paulista para manter a fábrica podem levar a alguma mudança?
?A decisão não tem a ver com lado fiscal, tem a ver com problemas de produtividade, eficiência de produção e economia de escala. Então, não podemos voltar atrás uma decisão que consumiu muito tempo de estudo e tem lógica empresarial.?

Foi a decisão mais difícil que o sr. tomou ao longo de sua trajetória?
?Preferiria não entrar nessa matéria, pois houve vários momentos como este, alguns deles mais dolorosos. Talvez eu escreva algumas memórias e então os relatarei.?

Qual foi o momento crucial em sua história empresarial?
?Foi certamente a compra da Consul. Além de ficar com uma marca forte, trouxemos junto a Embraco, fabricante da principal matéria-prima de refrigeradores, os compressores. Com isso, adquirimos um tamanho que afugentou alguns concorrentes de peso durante anos.?

Como o sr. avalia a conjuntura econômica do País?
?Ainda temos muita dependência do financiamento externo. Precisamos resolver isso para crescer 6% a 7% ao ano. Temos uma estrutura tributária que penaliza demais os exportadores. Outro problema é de logística, pois o Brasil tem uma desvantagem grande.?