Para o fundador do RenovaBR, a falta de debates, de ideias e de propostas dos presidenciáveis para a economia compromete a qualidade do pleito deste ano.

Empresário, investidor e empreendedor, Eduardo Mufarej tem acompanhado com lupa a metamorfose política e econômica no País. Ele tem propriedade para isso. Nas últimas duas décadas, construiu sua carreira empresarial no mercado financeiro e na área da educação. Comandou e fez parte do conselho de administração de grandes companhias brasileiras como Arezzo, BRF, Ômega Energia, Somos Educação e Tarpon Investimentos. Em outubro de 2017, fundou o RenovaBR, iniciativa que seleciona e capacita novas lideranças para a política brasileira. Em seu primeiro ano, o programa preparou 117 candidatos, dos quais 17 foram eleitos. Mufarej também é fundador da Good Karma Ventures, membro dos Conselhos do Wilson Institute em Washington DC e Fellow pela Universidade de Stanford na California. Ele é autor do livro Jornada Improvável (2021). Em entrevista à DINHEIRO, ele analisa o momento do Brasil e os rumos de um País polarizado na política e corroído na economia.

DINHEIRO — Pelos rumos da economia e da política, o que esperar do País daqui em diante?
EDUARDO MUFAREJ — Estamos em um momento duro. A polarização dominou o debate. E o canal para quem é moderado, para quem quer discutir um pouco as propostas, está muito estreito. É a primeira vez na história do Brasil que existe o risco de não haver debate presidencial com os principais candidatos. Isso é absolutamente inadmissível dentro da nossa trajetória democrática. Não se ter, dentro desse contexto, a oportunidade de a população entender quais são os planos, quais são as propostas, é chocante, alarmante, desestimulante. É um atentado democrático, nesse sentido.

O que trouxe o Brasil a essa situação?
Estou tentando refletir o que nos trouxe a esse lugar, porque houve uma fragilização das instituições. Mas a democracia brasileira está viva. As eleições proporcionais, as eleições para a Câmara Federal e para as Assembleias Estaduais, continua pujante. Muitas pessoas estão aí se apresentando como candidatos e buscando ter sucesso em sua trajetória eleitoral. Já nas eleições majoritárias nacionais há uma não discussão, total falta de discussão de propostas, uma negação do presente e uma revisão do passado.

O País corre o risco de não realizar eleições ou ter o resultado questionado?
Não. As eleições no Brasil vão ocorrer. Não se acaba com um pleito numa canetada. Não vejo esse risco. O que deve ocorrer é o debate de ideias e propostas.

A ausência de debate não é uma novidade nas eleições brasileiras…
O problema é que o brasileiro escolhe seus candidatos muito por afinidade. Vota naqueles com quem se identifica, não pelos melhores planos de governo. Por isso, os debates são absolutamente essenciais. É a única forma de se ter uma discussão de qualidade. Nas eleições majoritárias estaduais em 2018, os debates tiveram uma influência enorme no resultado eleitoral. E se a gente não tiver no âmbito nacional, vai ser uma perda considerável. A sociedade civil tem que fazer uma pressão para que todos os candidatos compareçam.

“As ameaças são absurdas. Temos de defender a democracia com unhas e dentes. Se a gente não tiver o STF, a gente não vai ter nada” (Crédito:Divulgação)

Um estudo da RenovaBR com a Quest constatou que 86% dos brasileiros querem uma renovação na política, mas não se lembram em quem votaram na última eleição. Não é contraditório?
Tem razão. Mas nosso sistema eleitoral acaba produzindo isso. O volume de candidatos é muito alto. Muitos dos candidatos têm baixa identificação com o território e com o eleitor. A pessoa se lembra em quem votou quando o candidato dela venceu. Quem perde, acaba esquecido. A vinculação do eleitor com um determinado candidato se perde. O eleitor hoje é bombardeado com trocentos candidatos e tem de tentar fazer uma escolha. Escolha muito difícil.

Falando de renovação, o fisiologismo do Centrão, que faz vistas grossas aos crimes do governo, pode deixar um legado negativo para o Congresso?
Tenho estudado muito isso para tentar entender onde estão as raízes dos potenciais problemas. E já cheguei à conclusão de que nosso modelo de presidencialismo, com um sistema partidário excessivamente fragmentado, produz uma nova equação e torna o Centrão força dominante. Nos EUA isso não acontece. Há dois partidos, um de oposição e um de situação. No Brasil é muito difícil definir quem é oposição e quem é situação porque os blocos dependem de múltiplos arranjos.

Qual a sua proposta?
O modelo brasileiro presidencialista foi constituído numa época em que havia duas forças partidárias, Arena e MDB, mas a gente acabou ficando com o mesmo modelo e a fragmentação partidária só aumentou. Então, a gente precisa pensar numa revisão de modelo, que seja um semipresidencialismo ou um parlamentarismo, onde se consiga definir bem com quem você governa e quem é oposição.

Mas isso geraria ainda mais trocas de governo…
Sim. Mas com esse modelo que temos, a governança no Brasil está absolutamente problemática. A nossa governança institucional precisa de muita melhoria. A governabilidade tem sido um problema para todos os governos, desde a redemocratização. Muito do que a gente tem vivido não é de hoje. O Centrão é uma força política desde o governo de Fernando Henrique Cardoso. As caras continuam as mesmas, só mudaram as siglas.

O melhor modelo seria parlamentarismo ou o semipresidencialismo?
Existe mais espaço para um semipresidencialismo. No Brasil, o presidente é uma figura institucional muito re­levante. No parlamentarismo, se abstrai essa figura. Talvez um modelo de referência seja o modelo português ou o modelo francês. O nosso modelo de presidencialismo e cameral, com fragmentação partidária excessiva e nenhuma definição de quem é base e quem é oposição, não ajuda o País em nada.

Sua conclusão de que o presidencialismo fracassou surgiu depois das ameaças do presidente Jair Bolsonaro ao sistema eleitoral brasileiro?
Vejo esse momento com muita preocupação. A tentativa de fragilizar o Supremo Tribunal Federal é um problema para a democracia, para a economia e para a política. A Suprema Corte é quem controla o rito constitucional. Sem o STF, um país não tem sustentação. Claro que todas as instituições podem passar por aperfeiçoamentos. Isso faz parte. Mas as ameaças são absurdas. Temos de defender a democracia com unhas e dentes. Se a gente não tiver o STF, a gente não vai ter nada. A reconstrução disso não é trivial. A gente levou 130 anos para estar no lugar em que estamos. A gente não pode brincar de dinamitar as instituições. Isso não existe, é inaceitável.

“Vivemos crises sociais em diferentes campos: emprego, renda, segurança pública, saúde. O desarranjo fiscal está ancorado no processo eleitoral” (Crédito:Divulgação)

Por que uma parcela da população tem visto isso como algo normal?
O Brasil vem passando, nos últimos 15 anos, por um contexto de desaceleração econômica. A inflação e a erosão de poder de compra geram insatisfação na população. A queda na qualidade de vida é gritante. A deterioração econômica abriu espaço para bravatas populistas. Se a nossa economia estivesse caminhando bem, não haveria espaço para discursos radicais. Hoje vivemos crises sociais em diferentes campos: emprego, geração de renda, segurança pública, saúde… Infelizmente, o próprio desarranjo fiscal está ancorado no processo eleitoral. O País não está entregando o que a população espera. Nesse contexto, atalhos mirabolantes passam a ter voz. Foi isso que nos trouxe a esse lugar.

Falta um posicionamento mais incisivo do mercado diante das Forças Armadas, diante do risco de ruptura democrática?
As Forças Armadas tinham respaldo e confiança da população e passaram a ter um papel relevante dentro do governo atual. Mas a gente passou por uma simbiose problemática. Em vez de preservar a percepção histórica de neutralidade, passou a suscitar dúvidas que antes não eram possíveis. No caso do mercado, a realidade é muito heterogênea. Mas não acredito em cancelamento de eleição e golpe militar. Se acreditasse nisso, estaria em outro tom.

Os empresários e economistas com quem você tem conversado pensam o mesmo sobre esse clima eleitoral?
Converso muito com o Paulo Hartung e o Armínio Fraga. Temos muita convergência do ponto de vista econômico, institucional, sobre visão de mundo e falta de uma terceira via forte. Infelizmente, o processo da terceira via foi muito repentino e muito atrapalhado. As conversas que levavam a um potencial de convergência não aconteceram. Na minha opinião, um desastre de articulação. Aí fica uma lição importante para a sociedade. A candidatura de terceira via é absolutamente fundamental para elevar o nível do debate. O que acontece é que, no Brasil, interesses individuais prevalecem normalmente sobre os interesses nacionais. O que estamos vendo é uma profusão de candidaturas nanicas.