A indústria do transporte marítimo é uma das grandes responsáveis pelas mudanças climáticas, produzindo 2,5% das emissões de gases de efeito estufa. Para dar uma ideia do que isso significa, é mais do que emite a Alemanha – se os navios comerciais formassem um país, seria o quinto maior emissor do planeta. A COP 26 veio trazer mais pressão sobre essa área, que apenas recentemente adotou medidas mais efetivas no caminho da descarbonização. Pouco antes da conferência o Secretário Geral da ONU, Antônio Guterres, afirmou que os setores marítimo e de aviação deveriam assumir postura mais ambiciosa, “condizente com os objetivos do Acordo de Paris”.

A International Maritime Organization (IMO) adotou nos últimos anos a meta de reduzir em 40% o CO2 emitido pelas embarcações até 2030, tomando como base os níveis estimados em 2008. Para 2050, a meta é de 70% de redução. Mas esses objetivos serão revisados em 2023, e tudo indica que a pressão até lá vai aumentar.

Guterres, na mesma entrevista já citada, disse esperar que o setor atinja emissão zero até 2050. Desde o estabelecimento das primeiras metas pela IMO, um movimento de busca por alternativas tecnológicas ganhou força.

Combustíveis como o óleo pesado de menor teor de enxofre e o Gás Natural Liquefeito (GNL) vêm ganhando mais espaço no mercado, por amenizar os efeitos do uso do óleo pesado comum – embora ainda sejam combustíveis fósseis.

O esforço de inovação vai de iniciativas no design das embarcações até a inclusão de velas rotativas para diminuir o consumo de combustível.

Além disso, estudos têm demonstrado que o emprego de navios de nova geração e de maior porte são capazes de gerar uma redução significativa no volume de emissões por tonelada transportada.

Não por acaso, 37% das encomendas de novos navios em produção no mundo são de navios do tamanho Capesize, acima de 150 mil toneladas, que hoje não operam no Brasil – quando o fazem, é com limitações de carga devido ao calado insuficiente dos portos. Outros 28% são navios ainda maiores, do tipo que transporta minério, com capacidade para até 400 mil toneladas.

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E como o Brasil se encaixa nesse esforço? Em estágios diferentes, dependendo do setor da economia. Nas exportações de minério e de petróleo, o Brasil é um dos pioneiros no uso de grandes embarcações, através de terminais privados da Vale e da Petrobras. Nessas áreas inclusive há testes consistentes de novas tecnologias para redução de emissões.

O problema está no nosso grande diferencial econômico, a exportação agrícola. Nesse campo, ainda utilizamos navios de médio porte, bem menos eficientes em termos de emissões. Estudos da academia já mostram que há oportunidades e riscos à vista.

Em seu trabalho sobre corredores de transporte no envio da soja para a China, Thiago Guilherme Péra, et al. (ESALQ-USP) mostrou que, ao longo de toda a cadeia logística que vai do Brasil até o país asiático, a adoção de grandes navios padrão Capesize faria a emissão no trecho marítimo cair 46%.

No entanto, a adoção dessa classe de embarcação implica na adequação da infraestrutura portuária existente, uma vez que são pouquíssimos os portos brasileiros adaptados às suas dimensões.

Assim sendo, há de se avaliar o impacto que os novos projetos de navios, mais alinhados às metas de zero emissão, terão na infraestrutura portuária existente.

Mais do que isso, há de se avaliar seu impacto ao longo de toda a cadeia logística, já que nas áreas onde há projetos de portos mais modernos o acesso muitas vezes é prejudicado porque a rede ferroviária ainda possui trechos com o perfil dos trens do século 19.

É preciso trazer essas questões para a agenda logística brasileira, uma vez que a descarbonização entrou de vez na pauta do setor, e suas consequências podem ser negativas inclusive para acordos comerciais futuros. Afinal, quem não conseguir reduzir emissões em breve tenderá a ser jogado para o fim da fila dos negócios.

  •  Leonardo Vilela Steiner é engenheiro sanitarista e ambiental na EC Projetos